E.M.Pinto
Sugestão Cel Marco Antônio de Freitas Coutinho

Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev assinam o Tratado INF em 1987, marco histórico que baniu mísseis balísticos de alcance intermediário (500 a 5500 km).
O artigo “Why Intermediate-Range Missiles Are a Focal Point in the Ukraine Crisis”, publicado por Brennan Deveraux em 28 de janeiro de 2022 no War on the Rocks, aborda a relevância dos mísseis de alcance intermediário no contexto da crise entre Rússia e Ucrânia, que ganhou destaque com a presença de 100 mil tropas russas na fronteira ucraniana. Sugerido pelo Coronel Marco Antônio de Freitas Coutinho que abordou o tema durante a live “O General Vladimir Slipchenko e a ‘Guerra do Futuro'” em 6 de abril de 2025 no PLano Brazil, o texto analisa como a retirada dos Estados Unidos do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) em 2019 influenciou as tensões geopolíticas na região.
Este artigo argumenta que a reintrodução potencial desses mísseis na Europa por parte dos EUA é percebida pela Rússia como uma ameaça existencial, contribuindo para a escalada do conflito, e que um foco renovado no controle de armas pode oferecer uma via para a resolução pacífica.
Contexto histórico e o fim do tratado INF

Ao centro, a escala de alcances ilustra as diferentes categorias de mísseis, destacando os IRBMs (Intermediate-Range Ballistic Missiles).
O Tratado INF, assinado em 1987 entre os EUA e a União Soviética, eliminou mísseis superfície-superfície com alcance entre 500 e 5500km, conhecidos como mísseis de suporte ao teatro. A decisão americana de abandonar o tratado em 2019, sob a justificativa de violações russas e da necessidade de conter a ascensão da China (que nunca foi signatária), abriu caminho para o desenvolvimento e possível posicionamento de novos mísseis convencionais na Europa e na Ásia. Deveraux destaca que, para os EUA, o fim do tratado representou uma oportunidade de modernização militar, com projetos como mísseis de precisão de 500-600 km e mísseis hipersônicos de 2700 km. No entanto, essa visão unilateral ignorou as implicações estratégicas para a Rússia, que passou a ver a reintrodução desses armamentos como uma escalada direta contra sua segurança.
A posição ocidental, conforme exposta no artigo “Why Intermediate-Range Missiles Are a Focal Point in the Ukraine Crisis”, foca nos benefícios táticos que esses mísseis proporcionariam à OTAN e aos EUA contra adversários como Rússia e China. Analistas como Christian Mölling e Heinrich Brauß argumentam que tais armas poderiam limitar a capacidade militar russa, enquanto estudos do Center for Strategic and Budgetary Assessment sugerem que sua implantação forçaria Moscou e Pequim a investir em defesas caras, enfraquecendo suas capacidades ofensivas. Contudo, essa perspectiva subestima a resposta russa, que não se limitou a uma competição armamentista, mas incluiu uma postura nuclear mais agressiva.
A resposta russa e a percepção de ameaça
A Rússia, sob a liderança de Vladimir Putin, reagiu ao colapso do INF com uma estratégia dupla, espelhar as ações americanas sem se envolver em uma corrida armamentista dispendiosa e propor um moratorium sobre a implantação de mísseis de curto e médio alcance na Europa.

O modo de operação do míssil russo Oreshnik exemplifica a sofisticação tecnológica atual desses armamentos.
Em 2020, Putin detalhou essa proposta, incluindo medidas de verificação, mas a falta de resposta concreta do Ocidente intensificou as tensões. O artigo cita a política nuclear russa, atualizada em junho de 2020, que considera qualquer míssil balístico lançado contra seu território como um ataque nuclear, justificando retaliação atômica.
Essa ambiguidade de ogivas, nuclear ou convencional, aumenta o risco de escalada não intencional, tornando a reintrodução de mísseis de alcance intermediário uma questão de segurança existencial para Moscou.
Deveraux argumenta que a Rússia vinculou o controle de armas à crise ucraniana como parte de sua estratégia negocial. Em outubro de 2021, Putin expressou frustração com a indiferença internacional ao seu moratorium, enquanto em dezembro reforçou que os EUA, e não a Rússia, estavam aproximando armas de suas fronteiras. Essa retórica sugere que Moscou busca garantias de segurança contra o que percebe como uma ameaça direta da OTAN e dos EUA, usando a Ucrânia como palco para forçar o diálogo.
Negociações e o papel dos mísseis
As negociações de janeiro de 2022 entre Rússia, EUA e OTAN, realizadas em Genebra, Bruxelas e Viena, trouxeram os mísseis de alcance intermediário à mesa de discussão. Embora o foco principal fosse a expansão da OTAN (um ponto inegociável para o Ocidente) o controle de armas emergiu como uma área potencial de compromisso. Representantes russos, como Alexander Grushko, defenderam que um acordo sobre mísseis beneficiaria todas as partes, enquanto líderes da OTAN, como Jens Stoltenberg, e autoridades americanas, como Wendy Sherman, sinalizaram abertura para limites recíprocos e verificáveis. Apesar disso, o progresso foi limitado, com a Rússia exigindo garantias legais e o Ocidente mantendo-se firme em seus princípios.
Michael Kofman, citado no artigo, questiona a sinceridade russa, sugerindo que suas demandas públicas e irredutíveis podem ser mais performativas do que genuínas. No entanto, Deveraux oferece uma leitura alternativa ao incluir uma demanda viável (o moratorium de mísseis) em meio a “não negociáveis” (como a reversão da expansão da OTAN), a Rússia cria espaço para concessões que poderiam desarmar a crise sem perda de prestígio. Essa interpretação marca a centralidade dos mísseis como um ponto de inflexão nas negociações.
Análise Crítica e Relevância Atual
A análise de Deveraux é pertinente ao contexto de 2025, quando a live “O General Vladimir Slipchenko e a ‘Guerra do Futuro'” com o coronel Coutinho e a referência ao general Slipchenko indicam um interesse contínuo nas dinâmicas da “guerra do futuro”. A reintrodução de mísseis de alcance intermediário representa uma evolução na guerra moderna, onde a precisão e o alcance estratégico redefinem o equilíbrio de poder.
Contudo, o artigo peca ao não explorar suficientemente o papel da Ucrânia como ator independente, focando excessivamente na dicotomia EUA-Rússia. Além disso, a ênfase no controle de armas como solução pode subestimar as motivações mais amplas de Putin, como a restauração da influência russa no espaço pós-soviético.

A crescente ameaça global representada pelos IRBM evidencia a urgência do controle de armas em um cenário de instabilidade geopolítica.
Por outro lado o artigo é visionário dado que fora escrito em Janeiro de, 2022 e ressalta o papel do mísseis de alcance intermediário como um ponto focal na crise da Ucrânia porque simbolizam a falha de comunicação estratégica entre EUA e Rússia após o fim do Tratado INF.
Enquanto os EUA buscam vantagens táticas, a Rússia os percebe como uma ameaça existencial, elevando o risco de escalada nuclear. As negociações de 2022 pré conflito demostram que, embora a expansão da OTAN seja o cerne do conflito, um acordo sobre mísseis ofereceria uma saída viável.
Para o Brasil e outros observadores em pleno 2025, o caso serve de alerta para a importância do controle de armas em um mundo onde a tecnologia militar redefine sistematicamente as guerras futuras, exigindo diplomacia para evitar catástrofes.
Veja também
https://www.youtube.com/live/JUvEXwq3nSA
Fonte
- Russia could launch another hypersonic missile at Ukraine soon, US official says, Euractiv, [Link]
- Why Intermediate-Range Missiles Are a Focal Point in the Ukraine Crisis, War in The Rocks, [Link]