Entrevista: O papel do Brasil no cenário global- Por Jin Yen

E.M.Pinto


Hoje temos a honra de receber uma figura rara e respeitadíssima no Plano Brazil com suas análises internacionais. Após doze anos de uma silenciosa, porém constante colaboração à distância, ele finalmente atendeu ao nosso convite e nos concede uma entrevista exclusiva. Estamos falando de Jin Yen, conhecido também como “Jim”, analista, colaborador e correspondente internacional do Plano Brazil, além de profundo conhecedor da dinâmica geopolítica do Pacífico.

Graduado em Ciência Política e História pela Universidade Nacional de Taiwan, Jin Yen é também professor de História e uma das nossas fontes quando queremos entender sobre as relações de China e Estados Unidos. Com um olhar sempre preciso e equilibrado, Jim tem se dedicado especialmente a analisar o papel estratégico que o Brasil pode exercer como mediador entre essas duas potências, em um cenário global cada vez mais polarizado.

Nesta conversa rápida, mas carregada de informações vamos abordar as suas visões sobre a posição brasileira no tabuleiro internacional, os riscos e oportunidades que se abrem diante da disputa sino-americana, e o que o futuro reserva para uma diplomacia que busca se manter autônoma e relevante. Seja muito bem-vindo, Jim é um prazer enorme finalmente tê-lo conosco.

Edilson Pinto: Jin uma honra pra mim e para nós do Plano Brazil podermos divulgar uma entrevista direta com você, agradeço imensamente sua disponibilidade e respeitando sua discrição e desde já  reitero nossa amizade  e estima. 


Jim, enquanto conversavamos me veio a ideia desta entrevista, você poderia nos dar um panorama atual segundo a sua visão de como fica o Brasil? uma ilha a deriva na rota de colizão entre duas grandes placas tectônicas geopolíticas, China e Estados Unidos. 

Jin Yen : O Brasil possui um papel singular no cenário internacional, especialmente em áreas onde sua atuação é naturalmente estratégica, como a agenda ambiental e a produção de energia renovável, alimentos e matérias primas. No entanto, para que essa influência se consolide, é fundamental que essas questões transcendam divisões ideológicas e se tornem uma pauta nacional, e não uma bandeira exclusiva de esquerda ou direita como vocês costumam rotular. A convergência em torno de objetivos comuns ainda que com perspectivas distintas, pode fortalecer o país como um ator global relevante.

Nesse sentido, a  volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2024 promete redefinir a política externa americana, aprofundando tendências já observadas em seu primeiro mandato, sendo estas relacionadas a um isolacionismo pragmático, com ênfase no protecionismo comercial e no desengajamento de instituições multilaterais. Esse movimento não ocorre no vazio, ele abre espaço para que a China acelere sua projeção como potência global, oferecendo investimentos, infraestrutura e acordos comerciais a países em desenvolvimento. Para o Brasil, esse cenário representa tanto riscos quanto oportunidades.

A questão central é, como garantir autonomia estratégica em um mundo cada vez mais polarizado, sem se tornar refém de nenhum dos lados?

Edilson Pinto:  Perfeito, e nesse sentido pegando um gancho na sua fala, qual o Impacto imediato do returno de Trump à presidência dos EUA e quais os desdobramentos para a relação Brasil x China x EUA?

Jin Yen : Com o retorno de Trump ao poder, os EUA reforçaram as tarifas contra a China, reduziram os seus envolvimentos em organizações como a OMC e priorizaram relações bilaterais baseadas em interesses imediatos, em vez de alianças multilaterais. Essa postura cria um vácuo de liderança global que a China está pronta para ocupar. Enquanto Washington impõe barreiras, Pequim amplia sua influência por meio de iniciativas como a “nova rota da seda”, que já financia portos, ferrovias e energia em diversos países, incluindo nações latino-americanas.

Para o Brasil, a China já é o maior parceiro comercial, principal comprador de soja e minério de ferro e um investidor-chave em setores como energia e tecnologia. No entanto, essa relação não é equilibrada, o Brasil exporta commodities e importa manufaturados, o que reforça uma dinâmica de dependência. Além disso, práticas comerciais agressivas, como o dumping chinês no setor siderúrgico dentre outros, já causam distorções no mercado interno. Se o Brasil não agir com estratégia, poderá ficar ainda mais vulnerável a pressões econômicas e geopolíticas.

Edilson Pinto: Alguns analistas apontam riscos de  alinhamentos automáticos, ou dependências automáticas como você mencionou, quais seriam estes riscos e quais alternativas o Brasil teria?

Jin Yen : Diante da retração dos Estados Unidos no cenário global e do avanço da influência chinesa, surgem debates sobre qual deve ser a postura do Brasil nesse novo contexto geopolítico. Alguns defendem uma aproximação ainda maior com a China, aproveitando o vácuo deixado pelos norte-americanos. Outros, porém, argumentam que é essencial alinhar-se aos EUA para evitar riscos relacionados à segurança e à dependência tecnológica. No entanto, ambos os extremos apresentam riscos consideráveis.

Um alinhamento incondicional à China pode aprofundar a dependência brasileira da exportação de commodities, sem proporcionar avanços significativos em termos de industrialização ou transferência de tecnologia. Além disso, há o risco de o país se expor a armadilhas financeiras, como o endividamento excessivo em projetos de infraestrutura financiados por Pequim, situação que já afetou outras nações participantes da Nova Rota da Seda. Outro fator preocupante é a possibilidade de o Brasil perder acesso a mercados ocidentais, caso os Estados Unidos imponham restrições a países considerados muito próximos de Pequim.

Por outro lado, um alinhamento excessivo aos Estados Unidos também traz implicações negativas. A China, como principal parceira comercial do Brasil, poderia retaliar com medidas que afetariam diretamente setores estratégicos como o agronegócio e a mineração. Além disso, os EUA, até o momento, não têm oferecido alternativas concretas aos investimentos em infraestrutura que a China já está realizando em várias partes do mundo, inclusive na América Latina. Por fim, uma submissão à agenda geopolítica americana poderia comprometer a autonomia do Brasil em decisões que não necessariamente refletem seus interesses estratégicos.

Nesse cenário, a busca por um equilíbrio pragmático, que preserve a soberania nacional e maximize oportunidades com diferentes parceiros, parece ser o caminho mais sensato.

Edilson Pinto: Você considera então um caminho do pragmatismo estratégico? de que forma?

Jin Yen : A solução para o Brasil diante das tensões geopolíticas entre Estados Unidos e China não está em optar por um alinhamento automático com um dos lados, mas sim em adotar uma postura estratégica que maximize as vantagens oferecidas por ambos, sem abrir mão da autonomia nacional. Em um mundo cada vez mais multipolar, a chave está na construção de uma política externa pragmática e equilibrada, ancorada em três pilares fundamentais: diversificação de parcerias, defesa comercial ativa e neutralidade geopolítica inteligente.

Diversificação de Parcerias é o primeiro passo para reduzir vulnerabilidades. O Brasil deve continuar aproveitando a forte demanda chinesa por commodities especialmente no agronegócio e na mineração, mas, ao mesmo tempo, precisa expandir sua presença em mercados alternativos como a Índia, o Sudeste Asiático e países africanos. Esses mercados emergentes oferecem oportunidades crescentes de comércio e investimento, além de permitirem ao Brasil escapar da dependência excessiva de qualquer um dos grandes blocos econômicos. Paralelamente, é fundamental retomar e ampliar acordos comerciais estratégicos, como o tratado Mercosul-União Europeia, que podem diversificar a pauta exportadora e abrir novos caminhos para a inserção brasileira no mercado global.

O segundo pilar, Defesa Comercial Ativa, exige que o Brasil fortaleça seus instrumentos institucionais para proteger setores estratégicos de práticas comerciais desleais, como subsídios e dumping, frequentemente praticadas por grandes potências industriais. Setores como o aço, o têxtil e os eletrônicos devem receber atenção especial, sob risco de desindustrialização. Além disso, é crucial que o país estabeleça condições mais vantajosas para os investimentos estrangeiros, em especial os chineses, exigindo, sempre que possível, cláusulas de transferência de tecnologia e conteúdo local. Isso permitirá que o Brasil evolua de um mero fornecedor de matérias-primas para um parceiro inserido em cadeias globais de valor com maior valor agregado.

Por fim, o pilar da Neutralidade Geopolítica Inteligente reforça a importância de manter uma postura soberana frente a disputas internacionais que não dizem respeito diretamente aos interesses brasileiros. Envolver-se em conflitos como a disputa sino-americana por Taiwan ou a polêmica sobre redes de 5G traria mais riscos do que benefícios. O Brasil deve preservar sua capacidade de diálogo com todos os atores relevantes, mantendo independência estratégica. Nesse contexto, a participação ativa em fóruns multilaterais como os BRICS, o G20 e até mesmo a ONU é essencial para aumentar a margem de manobra do país, consolidando-o como um ator diplomático relevante e influente no sistema internacional.

Em síntese, o caminho para o Brasil não está na submissão, mas na articulação estratégica. Ao diversificar parceiros, proteger seus interesses econômicos e agir com inteligência diplomática, o país pode transformar a rivalidade entre grandes potências em uma janela de oportunidade para seu desenvolvimento sustentável e sua afirmação no cenário global.

Edilson Pinto: como ser  independente  e neutro  diante da crescente disputa entre EUA e China pelo domínio tecnológico, como o Brasil pode garantir sua soberania digital e ao mesmo tempo atrair investimentos estrangeiros sem se tornar dependente de potências tecnológicas?

Jin Yen : A geopolítica da tecnologia tornou-se um dos eixos centrais da rivalidade entre grandes potências e impõe desafios cada vez mais complexos para países em desenvolvimento, como o Brasil. A disputa entre Estados Unidos e China pelo controle de tecnologias estratégicas, como inteligência artificial, redes 5G, semicondutores e computação quântica, ultrapassa a esfera econômica e alcança diretamente a soberania e a segurança nacional dos Estados. Em um mundo onde dados são o novo petróleo, quem domina as infraestruturas digitais detém poder sobre fluxos de informação, processos decisórios e até sistemas críticos de defesa e governança.

Os Estados Unidos vêm adotando uma postura agressiva para conter o avanço tecnológico chinês, pressionando seus aliados a excluir empresas como a Huawei de suas redes de telecomunicações e sistemas digitais sensíveis. O argumento central gira em torno de possíveis ameaças à segurança cibernética e ao risco de espionagem. Por outro lado, a China, através de uma diplomacia tecnológica ativa, oferece soluções acessíveis e de rápida implementação, muitas vezes com financiamento próprio, atraindo países que precisam modernizar suas infraestruturas mas carecem de recursos para opções mais caras ocidentais.

O Brasil, ao permitir a participação da Huawei na implementação de sua rede 5G, sinalizou uma escolha baseada em custo-benefício imediato, priorizando a rapidez e o baixo custo da expansão tecnológica. No entanto, essa decisão também abre espaço para uma dependência tecnológica estrutural, que pode comprometer a autonomia nacional em áreas sensíveis, além de levantar preocupações sobre a proteção de dados e a resiliência cibernética do país. Em um cenário de tensões geopolíticas crescentes, essa vulnerabilidade pode ser explorada por qualquer um dos polos hegemônicos, em contextos de pressão ou chantagem diplomática.

Uma política externa e tecnológica madura precisa, portanto, caminhar em direção ao equilíbrio estratégico. Isso implica atrair investimentos e tecnologia  seja da China, dos EUA, da Europa ou de outras potências, mas com critérios claros, salvaguardas de segurança e exigências de contrapartidas tecnológicas. O Brasil deve adotar uma postura ativa na governança digital global, participando de discussões sobre ética em inteligência artificial, proteção de dados, infraestrutura crítica e desenvolvimento de normas internacionais para o uso de tecnologias emergentes. Além disso, é essencial investir no fortalecimento da capacidade nacional de pesquisa e inovação, apoiando universidades, centros tecnológicos e startups que possam reduzir a dependência externa em áreas-chave.

Em última instância, o desafio brasileiro está em transformar-se de consumidor passivo de tecnologia em um ator autônomo e competitivo na economia digital global. Para isso, será necessário mais do que decisões pontuais sobre fornecedores: é preciso um projeto estratégico de desenvolvimento tecnológico nacional, articulado com a política externa e com os interesses de longo prazo do país

Edilson Pinto: No começo da nossa conversa  você mencinou o papel do Brasil como exemplo nas questões do ambiente e energias renováveis, como o Brasil pode transformar seus ativos ambientais como a Amazônia e a matriz energética renovável em uma estratégia de desenvolvimento sustentável que projete o país como liderança global, independentemente das oscilações políticas internacionais?

Jin Yen :  Enquanto os Estados Unidos alternam entre a negação das mudanças climáticas, característica das políticas de Trump, e o compromisso ambiental demonstrado por Biden, o Brasil se encontra diante de uma oportunidade histórica de liderar a agenda global da sustentabilidade. Em vez de enxergar a pauta ambiental como uma extensão de disputas ideológicas internas, é hora de tratá-la como um interesse estratégico de Estado, capaz de gerar vantagens econômicas, diplomáticas e de segurança a longo prazo.

A ambientalização da política externa brasileira pode ser moldada de maneira plural, dialogando com diferentes espectros ideológicos. Para setores de esquerda, a agenda ambiental se conecta naturalmente com os princípios de justiça climática, proteção de povos indígenas, combate à desigualdade e responsabilidade intergeracional. Já para setores de direita, ela pode ser articulada em termos de eficiência econômica, segurança alimentar, estabilidade hídrica, geração de empregos verdes e atração de investimentos em setores estratégicos da nova economia global — como bioeconomia, hidrogênio verde e agricultura regenerativa.

O Brasil possui dois trunfos ambientais de projeção internacional: a Amazônia e uma matriz energética majoritariamente renovável. A Amazônia, além de sua importância ecológica intrínseca, representa uma chave para a inserção ativa do Brasil em fóruns multilaterais desde a COP até o G20 climático  e pode funcionar como eixo de um novo modelo de desenvolvimento sustentável baseado em pesquisa científica, manejo florestal inteligente e tecnologias de baixo impacto. Já a matriz energética, que combina hidrelétricas, biomassa, solar e eólica, posiciona o país como uma plataforma confiável para investimentos em transição energética, em um mundo cada vez mais comprometido com a descarbonização.

Esses ativos naturais e tecnológicos abrem portas para novas parcerias internacionais, em especial com a União Europeia, que vem adotando políticas cada vez mais rígidas de rastreabilidade ambiental e responsabilidade corporativa. Mesmo em um eventual retorno de Trump ao poder, os setores privados norte-americanos especialmente os ligados à inovação, finanças sustentáveis e energias limpas continuam comprometidos com metas ESG (ambiental, social e de governança), o que significa que oportunidades bilaterais podem ser construídas independentemente do ambiente político em Washington.

A consolidação do Brasil como liderança ambiental global exige, no entanto, coerência interna, com políticas claras contra o desmatamento ilegal, incentivo à ciência e à inovação verde, regulação efetiva do mercado de carbono e integração entre os setores público e privado. Mais do que um gesto moral, o engajamento ambiental pode ser uma alavanca de poder internacional, capaz de redefinir a imagem do Brasil no exterior, atrair recursos, abrir mercados e garantir um lugar de destaque em um novo paradigma econômico baseado na sustentabilidade.

Nesse cenário, a pergunta-chave passa a ser: o Brasil está disposto a transformar sua vocação ecológica em uma estratégia nacional de desenvolvimento e influência global?

Edilson Pinto: E no nosso enterno dilema, como o Brasil pode construir uma diplomacia latino-americana baseada em credibilidade técnica e princípios democráticos, evitando que paixões ideológicas comprometam sua capacidade de liderança regional?

Jin Yen : A América Latina atravessa um momento delicado de polarização política radical, com governos que, tanto à esquerda quanto à direita, vêm adotando posturas cada vez mais autoritárias e inflexíveis. Países como Venezuela e Nicarágua, sob regimes de esquerda com traços fortemente centralizadores, convivem com nações como El Salvador e, mais recentemente, a Argentina, cujos líderes de direita têm adotado medidas drásticas e discursos antissistema. Esse cenário fragmentado compromete a estabilidade regional, dificulta a cooperação multilateral e enfraquece os mecanismos tradicionais de diálogo e integração.

Nesse contexto, o Brasil pode e deve  ocupar um espaço de mediação e influência construtiva, mas para isso precisa se afastar do chamado pragmatismo passional, ou seja, da prática de alinhar a política externa a preferências ideológicas ou simpatias partidárias. Quando a diplomacia se deixa contaminar por polarizações domésticas ou alinhamentos automáticos com regimes ideologicamente afins, ela perde credibilidade e margem de manobra. O papel de mediador exige distanciamento estratégico, capacidade técnica, coerência e reputação de imparcialidade.

Um exemplo claro dessa necessidade é a crise prolongada na Venezuela. Trata-se de um dos principais focos de tensão regional, com implicações diretas para a segurança nas fronteiras, a migração em massa e as relações hemisféricas. Se o Brasil adotar uma postura de distância crítica em relação ao regime de Nicolás Maduro  ou seja, mantendo canais diplomáticos abertos, mas sem endossar abusos institucionais ou legitimar eleições duvidosas , poderá se consolidar como um interlocutor confiável tanto para Washington quanto para setores democráticos venezuelanos. Isso abriria espaço para que o Brasil liderasse iniciativas de diálogo, missões humanitárias ou propostas de transição política.

Por outro lado, um alinhamento automático com o chavismo, por afinidade ideológica ou por razões políticas internas, enfraqueceria a posição brasileira, isolando-o de países influentes como os Estados Unidos, a Colômbia ou membros da União Europeia, que têm interesse direto na estabilização da Venezuela. Nesse cenário, o Brasil não apenas perderia protagonismo regional, como também deixaria a mediação nas mãos de outros atores, que poderiam representar interesses menos alinhados com os valores democráticos e os interesses sul-americanos.

Assim, o desafio brasileiro é desenvolver uma política externa técnica, profissional e baseada em princípios, que valorize a democracia, os direitos humanos e a estabilidade regional, sem cair na armadilha de uma diplomacia reativa ou militante. A construção de uma atuação respeitada passa por fortalecer instituições como o Itamaraty, retomar o protagonismo em fóruns como a CELAC, UNASUL e OEA, e adotar uma narrativa que supere a dicotomia ideológica para se concentrar em soluções práticas e sustentáveis para os problemas da região.

Edilson Pinto: Para concluirmos, como você enxerga o Brasil no Mundo Pós-Trump?

Jin Yen :  Independentemente de quem vencer as próximas eleições nos Estados Unidos, é pouco provável que o Brasil figure entre as prioridades imediatas da política externa norte-americana. Entre os desafios domésticos dos EUA, suas rivalidades globais com potências como a China e a Rússia, e as tensões em regiões como o Indo-Pacífico e o Oriente Médio, a América do Sul  e, por consequência, o Brasil tende a permanecer em segundo plano. Diante disso, cabe ao próprio Brasil construir sua relevância no cenário internacional, assumindo uma postura mais ativa, estratégica e coerente com seus interesses de longo prazo.

Essa projeção internacional não pode depender de fatores conjunturais ou da boa vontade de outras potências. Ela precisa ser fruto de uma ação deliberada e estruturada, baseada em quatro eixos fundamentais.

O primeiro é o fortalecimento da liderança brasileira em energia renovável e sustentabilidade, transformando esses setores em políticas de Estado e não em bandeiras de governos. O Brasil já possui uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, além de ativos naturais únicos, como a Amazônia e o Cerrado. No entanto, para que isso se traduza em influência internacional, é necessário investir em ciência, regulação ambiental moderna, certificação de produtos sustentáveis e participação ativa em pactos climáticos. Ser um protagonista verde significa também conquistar mercados, atrair investimentos e negociar com autoridade nos fóruns globais da transição energética.

O segundo eixo passa pelo equilíbrio estratégico nas relações com Estados Unidos e China. Em vez de escolher um lado, o Brasil deve adotar uma postura pragmática que maximize benefícios em ambas as frentes, sem se tornar dependente ou submisso a nenhuma das potências. Com os EUA, pode aprofundar cooperação em defesa, tecnologia e educação; com a China, consolidar parcerias comerciais e industriais com foco em inovação e infraestrutura. Alinhamentos automáticos motivados por afinidades ideológicas ou pressões externas enfraquecem a autonomia brasileira e reduzem seu valor como interlocutor confiável no tabuleiro global.

O terceiro ponto é a atuação regional proativa. O Brasil, como maior economia da América Latina, tem a responsabilidade de liderar iniciativas de integração e estabilidade, sem buscar hegemonias ou tutelas. Isso significa mediar conflitos como na Venezuela, Bolívia ou Haiti, fortalecer instituições regionais e apoiar processos democráticos. Uma América do Sul estável e cooperativa amplia o peso do Brasil nas negociações globais, além de proteger seus interesses comerciais e de segurança.

Por fim, é essencial definir uma estratégia clara para o desenvolvimento tecnológico. Isso implica não apenas escolher fornecedores ou firmar acordos pontuais, mas construir um ecossistema nacional de inovação que reduza a dependência de plataformas estrangeiras, proteja dados sensíveis e permita ao Brasil participar da economia digital de forma competitiva. A soberania tecnológica, assim como a energética e a alimentar, será um dos pilares do poder no século XXI e o Brasil precisa estar preparado para isso.

Em resumo, o Brasil não pode esperar ser notado, precisa se fazer notar. Isso exige abandonar discursos reativos e buscar uma inserção internacional pautada pelo pragmatismo, pela autonomia e pela visão de longo prazo. Se quiser deixar de ser coadjuvante nas grandes decisões globais, o país deve agir agora, com foco estratégico, capacidade institucional e ambição diplomática compatível com seu potencial.

Edilson Pinto: Muito Obrigado mais uam vez e saudações.
Jin: Muito obrigado pelo convite para esta entrevista. Foi uma honra poder compartilhar um pouco da minha experiência e pensamentos. Eu agradeço muito pela hospitalidade e pelo interesse em conhecer mais sobre meu trabalho. Espero que possamos continuar em contato e que no futuro haja mais oportunidades de cooperação. Desejo a todos muito sucesso e boa saúde. Muito obrigado, de coração. 

Um comentário em “Entrevista: O papel do Brasil no cenário global- Por Jin Yen

  1. Entrevista espetacular com uma afinidade ímpar entre entrevistador e entrevistado, além de seu conteúdo pragmático. Um verdadeiro guia para o leitor sobre os principais desafios do nosso Brasil!

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