
E.M.Pinto
O Boeing 747 é amplamente conhecido como uma aeronave de passageiros ou cargueiro de grande sucesso na aviação comercial, mas um projeto concebido durante a Guerra Fria visava transformar esse gigante dos céus em uma plataforma de lançamento de mísseis nucleares intercontinentais.
A capacidade da célula da aeronave obviamente chama a tenção de engenheiros e projetistas devido ao seu amplo volume interno, alcance de voo e familiaridade com os processos d emanutenção, produção e manutenção de motores etc.
Com a capacidade de atravessar oceanos, essa ideia radical poderia ter tornado o 747 uma arma de dissuasão definitiva contra a União Soviética. Apesar de nunca ter sido construído, esse conceito permanece como um dos mais ousados planos militares do período.
Vários outros programas visaram utilizar a célula como plataforma para multiplos sistemas de armas tal como demonstra a tabela.
Ano | Projeto | Objetivo | Status | Detalhes |
---|---|---|---|---|
1963-1965 | Boeing 747 Military Freighter (CX-HLS) | Cargueiro estratégico para transporte de tropas e blindados | Não implementado | Projeto da Boeing para o programa CX-HLS, competindo com o C-5 Galaxy. O 747 perdeu devido à falta de uma rampa de carga traseira e à preferência da USAF por um avião com asas altas. |
1973 | Boeing 747 MC (Missile Carrier) | Plataforma de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) | Não implementado | Um dos projetos mais audaciosos da Guerra Fria, propunha lançar mísseis diretamente do 747 em voo. |
1973-1975 | Boeing 747 AAC (Airborne Aircraft Carrier) | Transporte e lançamento de caças miniaturizados | Cancelado | Proposto nos anos 1970 para carregar caças de defesa aérea (modelo XF-85 Goblin), mas foi considerado impraticável. |
1974 | Boeing E-4B “Doomsday Plane” | Comando aerotransportado em caso de guerra nuclear | Ativo | Variante militar do 747-200 usada pela USAF para garantir continuidade do governo em caso de ataque nuclear. |
1979-1980 | Boeing 747 CMCA (Cruise Missile Carrier Aircraft) | Plataforma aérea de lançamento de mísseis de cruzeiro | Não implementado | Proposto para transportar e lançar até 72 mísseis AGM-86 ALCM, mas foi preterido em favor do B-52. |
1980 | Boeing 747 ALC (Air-Launched Cruise Missile Carrier) | Transporte e lançamento de mísseis de cruzeiro | Não implementado | Similar ao CMCA, estudado como alternativa aos bombardeiros estratégicos. |
1980s-1990s | Boeing 747 Tanker | Aeronave de reabastecimento aéreo | Não implementado | Proposto como alternativa ao KC-135 e KC-10 para fornecer grande capacidade de combustível, mas foi considerado excessivo e caro para a USAF. |
1990 | Boeing 747 como plataforma de drones militares | Transporte e lançamento de drones de combate | Em estudo | Conceito moderno para usar 747s aposentados como porta-drones, semelhante à função de bombardeiros estratégicos. |
2001-2011 | Boeing YAL-1 Airborne Laser | Destruição de mísseis balísticos em voo | Cancelado (2011) | Equipado com laser químico de alta energia para interceptação de mísseis, mas falhou devido a altos custos e limitações operacionais. |
Contexto Histórico
Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos enfrentavam um desafio estratégico de manter seu arsenal nuclear protegido contra um ataque inicial soviético. Naquela altura não havia muitoo que se fazer e três soluções foram adotadas. A primeira delas foi o de fortalecer as defesas das bases terrestres, a segunda, mobilização de submarinos nucleares que juntamente com o plano da Força Aérea dos Esatdos Unidos, previa o desenvolvimento de uma estratégia para manter armas nucleares em locais desconhecidos do inimigo.

Eis que surge um dos maiores desafios para a USAF, como manter os ICBM longe dos “olhos” do inimigo. A solução apresentada seria o transporte de mísseis nucleares em aeronaves que por si já apresentava desafios significativos. Já que os bombardeiros de longo alcance eram vulneráveis a interceptações antes de alcançarem seus alvos, a solução seria a busca por uma plataforma aérea, capaz de carregar armamentos pesados e lançá-los rapidamente sem a necessidade de atravessar espaço aéreo hostil.
A Proposta do Boeing 747

Em 1973, a Boeing apresentou uma solução inovadora, modificar um Boeing 747-200 cargueiro para transportar e lançar mísseis nucleares intercontinentais. A aeronave seria equipada para carregar para dois mísseis MX pesados ou até sete variantes mais leves.
Para o lançamento, o 747 alcançaria 9,8 km de altitude em um ângulo de 25 graus, liberando o míssil por uma porta na parte traseira da fuselagem. Pará-quedas estabilizariam a queda e inclinariam o nariz do foguete a 30 graus antes da ignição, que ocorreria após oito segundos. Graças ao impulso adicional fornecido pela velocidade da aeronave, o alcance do míssil seria aumentado entre 15% e 25%.
Tabela Técnica: Boeing 747 MC (Missile Carrier)
Característica | Especificação |
---|---|
Nome do projeto | Boeing 747 MC (Missile Carrier) |
Objetivo | Plataforma aérea para lançamento de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) |
Período de desenvolvimento | 1973 |
Status | Não implementado |
Motivo do cancelamento | Preferência por silos terrestres e submarinos nucleares devido a maior confiabilidade e segurança operacional. |
Base da aeronave | Boeing 747-200 Freighter |
Tipo | Aeronave estratégica de lançamento de mísseis balísticos |
Comprimento | 70,6 m |
Envergadura | 59,6 m |
Altura | 19,3 m |
Peso máximo de decolagem | ~378.000 kg |
Motorização | 4× motores turbofan Pratt & Whitney JT9D, General Electric CF6 ou Rolls-Royce RB211 |
Velocidade de cruzeiro | ~920 km/h |
Alcance operacional | 6.000 a 10.000 km (sem reabastecimento) |
Autonomia | 12 a 24 horas (com reabastecimento aéreo) |
Tripulação | 6 a 11 tripulantes (pilotos, engenheiros de voo e operadores de armas) |
Capacidade de reabastecimento em voo | Sim |
Número de mísseis transportados | 2 MX ICBM OU 4 ICBMs menores OU Até 7 mísseis médios |
Método de lançamento | Lançamento aéreo a 30.000 pés com estabilização por paraquedas antes da ignição do motor |
Tempo para novo lançamento | 3 a 5 minutos entre lançamentos |
Tipo de ogiva | Ogivas termonucleares com múltiplas ogivas independentes (MIRV) |
Poder destrutivo por míssil | 10 ogivas nucleares, cada uma com potência entre 300 a 475 kilotons |
Alcance dos mísseis | 10.000 a 14.000 km |
Táticas operacionais | Decolagem e dispersão para aeroportos civis/militares, podendo ficar no ar por longos períodos |
Tempo de prontidão | 2 horas para carregar os mísseis e decolar |
Motivos do cancelamento | Custo elevado, vulnerabilidade à detecção, dificuldades logísticas, alternativas mais eficazes (silos, submarinos, bombardeiros estratégicos). |
O interior da aeronave também teria uma configuração inovadora. Quatro mísseis seriam armazenados na fuselagem principal, enquanto um quinto estaria pronto para lançamento na baia traseira. Após cada disparo, um sistema de guindaste interno deslocaria um novo míssil para a posição de lançamento em um processo que levaria entre 3 e 5 minutos.
O compartimento de carga seria pressurizado para permitir inspeções durante o voo, e uma antecâmara de descompressão conectaria essa seção ao compartimento de lançamento. A tripulação ficaria no andar superior, com seis tripulantes no cockpit e mais cinco no nível inferior.
Operação e Emprego Estratégico
Em tempos de paz, as aeronaves operariam sem armamentos, realizando treinamentos e deslocando-se entre diversos aeroportos. Diante de uma crise geopolítica, pousariam em instalações militares para carregar suas ogivas, um processo que levaria aproximadamente duas horas. Cada base de mobilização poderia equipar três dessas aeronaves simultaneamente, permitindo o rápido desdobramento da frota.
Uma vez carregadas, as aeronaves voariam para aeroportos aleatórios com pistas de pelo menos 1800 m, aguardando ordens de lançamento. Se a situação se agravasse, permaneceriam em patrulha no espaço aéreo nacional ou internacional, com autonomia de 12 horas, podendo se estender para 24 horas com reabastecimento aéreo. Esse ciclo poderia continuar por até duas semanas, até a tensão diminuir.
O Destino do Projeto
Apesar do conceito inovador, o projeto foi abandonado em favor de alternativas mais eficazes, como mísseis balísticos terrestres e submarinos, além de bombardeiros estratégicos como o B-1 Lancer. Ainda assim, a ideia foi revisitada em 2005 pelas empresas Orbital ATK e BAE Systems, propondo um 747 capaz de lançar mísseis diretamente da fuselagem.
O novo projeto previa 32 ou mais mísseis dispostos verticalmente ao longo da espinha da aeronave. Para evitar danos estruturais, os gases de exaustão seriam direcionados para criar uma bolha de ar ao redor do foguete, permitindo um lançamento seguro. Os engenheiros acreditavam que essa abordagem poderia viabilizar o conceito.

No entanto, para atingir a capacidade necessária, seria preciso construir uma frota de 150 Boeing 747 modificados, tornando o projeto inviável economicamente em comparação com bombardeiros estratégicos convencionais. Assim, a ideia foi definitivamente arquivada, deixando o Boeing 747 como um “gigante da paz”, ao invés de uma temida máquina de guerra nuclear.
Fonte
PLYMALE, B. Air mobile ICBM systems. In: 10th Annual Meeting and Technical Display. p. 246. [Link]
CHURCH, Aaron MU. Gallery of USAF weapons. Air Force Magazine, v. 98, n. 5, p. 80-103, 2015. [Link]
WHITEHAIR, Chester L.; WOLFE, Malcolm G. Future space transportation systems and their potential contribution to the NATO mission. Space Systems as Contributors to the NATO Defence Mission, p. 9, 1997. [Link]
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