ALI RAMOS
Abdul ibn Wahab foi um pregador “islâmico” do séc. XVIII, oriundo da terra de Najd, onde atualmente se localiza a Arábia Saudita. No cerne de seus ensinamentos estava a ideia de que grande parte da prática islâmica, em especial aquela atinente à mística do “tasawwuf” (que no Ocidente se chama de “sufismo”) era errônea – em especial a oposição à visitação de túmulos por muçulmanos e a ideia dos Awliya (amigos de Allah – traduzido livremente como “santos”) como intercessores. O pacto entre Abdul ibn Wahab e a Casa de Saud é o que legitima a realeza saudita [1].
Diversas revoltas eclodiram ao longo do território otomano em virtude da nova ideologia, com a destruição de relíquias, túmulos de santos, locais sagrados e execuções em massa de muçulmanos considerados “infiéis”, além da busca pela fundação de um reino próprio. Nesse sentido, em 1802, a Casa de Saud começou a conquistar vilas e cidades em Nejd. Em 1814, Muhammad Ali Pasha, governante do Egito, a mando do sultão Mahmud II, reconquista as cidades sagradas de Meca e Medina. Em 1818, Abdullah bin Saud é decapitado junto de seus 4 filhos [2]. Segundo relatos otomanos, o sultão o forçou a ouvir a banda real tocar antes da morte, já que Abdullah considerava música “haram” (ilícito).
[Batalha de Al-Safra, 1812].
Ainda no séc. XIX o poeta, anti-imperialista e orientalista inglês Wilfrid S. Blunt em seu livro, “O Futuro do Islã”, defende uma ideia ousada: o Islã precisa de uma reforma protestante para, posteriormente, passar pelo mesmo processo iluminista que o Ocidente, mesclando as aspirações nacionalistas dos árabes ao “wahhabismo”. Admirado por Winston Churchill, seu trabalho se tornou um marco na região, e é usado como base para redesenhar a Ásia Ocidental após a derrota do Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial [3].
[Wilfrid Scawen Blunt, poeta e orientalista inglês].
Avançando no tempo, em 1928, no Egito, Hassan Al-Banna funda a Irmandade Muçulmana, com enfoque no resgate da “moral”, da “lei islâmica” e de valores considerados perdidos através do processo de secularização e colonização dos países islâmicos. Com um histórico de batalha e resistência contra os ingleses, que saíram do Egito apenas em 1952, o grupo alcança prestígio e respeito na sociedade do país, aliada do grupo dos Oficiais Livres que encabeçaram o golpe que depôs a monarquia.
Apenas 2 anos depois, no entanto, um membro do grupo tenta assassinar o presidente Gamal Abdel Nasser. Dentre os intelectuais mais proeminentes deste, que passa a ser visto como terrorista, está Sayyid Qutb, que prega “jihad” contra a nova República do Egito [4].
[Sayyid Qutb é preso e torturado no Egito].
Sayyid Qutb se torna um dos pensadores mais influentes da época no Oriente Médio e seu irmão, Muhammad Qutb, se torna professor de um dos mais conhecidos líderes jihadistas dos séc. XX e XXI, Osama Bin Laden [5]. Os escritos de Qutb também chegam ao Irã, influenciando o Aiatolá Khomeini, que inclusive traduz alguns de seus trabalhos para a língua persa, segundo Mohsen Kadivar [6].
Em 1979, após a invasão soviética do Afeganistão, os Estados Unidos financiam grupos “rebeldes” no país, dentre eles está o famoso combatente saudita Osama Bin Laden. Apenas na administração Reagan, 3 bilhões foram enviados ao país, de modo a enfraquecer a já decrépita e combalida União Soviética [7][8]. Deste cenário, posteriormente, surge a Al-Qaeda, responsável pelo terrível atentado às Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001.
[Reunião entre Reagan e “lutadores da liberdade” do Afeganistão, 1983].
Um ano depois, em 2004, um jordaniano se une à “jihad”* de Bin Laden, Abu Musab Al-Zarqawi. Diferentemente de Bin Laden, no entanto, ele acreditava ser necessário direcionar mais violência contra muçulmanos que não seguiam a Sharia que contra os agentes dos Estados Unidos da América, pregando também um ódio maior aos xiitas. Seu grupo se torna a Al-Qaeda do Iraque. Em 2010, ele envia uma milícia para formar combatentes na Síria. Tal receita, associada à política desastrosa de exclusão de sunitas da vida pública no Iraque durante o mandato do primeiro-ministro Nouri Al-Maliki gera um êxodo de combatentes ao país. Em 2014, a Al-Qaeda da Síria, agora Al-Nusra, rompe com o grupo iraquiano liderado por Al-Baghdadi, que se proclama califa do Estado Islâmico (ISIS/Daesh), desembocando em violência, insurgência, decapitações e nas fases mais brutais da Guerra Civil na Síria [9].
[Estado Islâmico, 2016].
Em 2015, por sua vez, forças iraquianas alegadamente derrubam aviões americanos e britânicos levando armamento ao novo grupo – além da conhecida leniência das forças da OTAN para com o escoamento de armas e munições de Benghazi, na Líbia, em caos após a deposição de Gaddafi, até a Síria [10].
[Mohammed Bin Salman e Mohammed Bin Zayed, os dois governantes mais poderosos do Golfo, não veem legitimidade no wahhabismo].
Hoje, no entanto, a Arábia Saudita visa se desvencilhar de seu passado wahhabista iniciado no séc. XVIII, com Mohammed Bin Salman declarando publicamente tal visão religiosa como datada, retrógrada e baseada em falsas interpretações do Islã [11].
Ainda em 2005, por sua vez, Mohammed Bin Zayed, a figura mais influente dentro da arquitetura política dos Emirados Árabes Unidos, alertou os Estados Unidos da América que o maior perigo à estabilidade do Oriente Médio era o wahhabismo, demonstrando que os dois maiores poderes do Golfo Pérsico, hoje, não veem mais legitimidade em tal cosmovisão [12].
*Jihad (جِهَاد): Jihad, em árabe, significa “esforço”, sendo o esforço bélico apenas um desdobramento menor de seu verdadeiro significado. A Jihad Maior diz respeito à purificação interior, à luta contra o próprio ego (nafs – نَفْس), à caridade, à construção de uma comunidade saudável e à defesa da justiça [13].
“Abu Huraira relatou: O Mensageiro de Allah ﷺ disse: “Os fortes não são aqueles que derrotam pessoas. Em vez disso, os fortes são aqueles que derrotam seu próprio ego.”
– “Ṣaḥīḥ Ibn Ḥibbān”, 717.
[1] OLIDORT, Jacob. “Who Was Ibn Abd’ al-Wahab”. Policy Analysis, The Washington Institute for Near East Policy. 2015.
[2] PROVAN, Josh. “The Ottoman Wahhabi War”. Adventures in Historyland. 2021.
[3] DOCKTER, W. “A Considerable Effect’: Winston Churchill and Wilfrid S. Blunt’s Legacy”. Em “Britain in the Islamic World”. Palgrave Macmillan. 2019.
[4] LAUB, Zachary. “Egypt’s Muslim Brotherhood”. Backgrounder, Council on Foreign Relations. 2019.
[5] NISHINO, Masami. “Muhammad Qutb’s Islamist Thought: A Missing Link between Sayyid Qutb and al-Qaeda?” NIDS Journal of Defense and Security. 2015.
[6] PARCHIZADEH, Dr. Reza. “Iran’s Muslim Brotherhood Ties Overshadow Rapprochement with Egypt”. Geopolitics, Iran, Gulf International Forum.
[7] KEPEL, Gilles. “Jihad: The Trail of Political Islam”. I.B. Tauris. 2006.
[8] PARENTI, Christian. “America’s Jihad: A History of Origins”. Vol. 28, No. 3 (85), Law, Order, and Neoliberalism. 2001.
[9] BYMAN, Daniel L. “Comparing Al Qaeda and ISIS: Different goals, different targets”. Brookings. 2015.
[10] ANDERSON, Tim. “The Dirty War on Syria: Washington Supports the Islamic State”. Global Research. 2015.
[11] OTTAWAY, David. “Saudi Crown Prince Lambasts His Kingdom’s Wahhabi Establishment”. Insight & Analysis. 2021.
[12] WORTH, Robert F. “Mohammed Bin Zayed’s Dark Vision of the Middle East Future”. Feature, The New York Times Magazine. 2020.
[13] HANDWERK, Brian. “What Does “Jihad” Really Mean to Muslims?” Article, National Geographic. 2003.
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