Ali Ramos
Convenção de Genebra, Art 1. Artigo 47
- Um mercenário não terá o direito de ser um combatente ou um prisioneiro de guerra.
- Um mercenário é qualquer pessoa que:
(a) é especialmente recrutada localmente ou no exterior para lutar em um conflito armado;
(b) de fato, toma parte direta nas hostilidades; é motivada a tomar parte nas hostilidades essencialmente pelo desejo de ganho privado e, de fato, tem promessa, por ou em nome de uma Parte no conflito, em compensação material substancialmente superior àquela prometida ou paga a combatentes de patentes e funções semelhantes nas forças armadas dessa Parte;
Há alguns anos, o grupo de PMC (Private Military Contractors) russo, o Grupo Wagner, tomou os holofotes após a execução brutal de Hamdi Bouta, na Síria. No vídeo, veiculado na época, o sírio é visto sendo torturado com uma marreta, em Al-Shaer, e posteriormente tendo seu corpo queimado [1]. Nenhum dos envolvidos, até o momento, recebeu punição disciplinar por parte da Rússia.
Tal “silêncio” da Comunidade Internacional, com medidas puramente simbólicas, já que o grupo é sancionado há algum tempo e, mesmo assim, segue driblando abertamente o embargo ocidental, se deve ao fato dos poderes ocidentais também terem teto de vidro em relação ao emprego de mão de obra mercenária em seus conflitos.
Ainda em 2007, no auge da Guerra do Iraque e com os ânimos aflorados pelas baixas causadas por IEDs e armas assimétricas no teatro, a infâme companhia Blackwater cometeu o Massacre da Praça Nisour, com 4 mercenários da empresa matando 17 civis iraquianos [2].
A empresa, após o feito, mudou de nome – mas segue prestando serviços à CIA e ao Departamento de Estado Americano, com um orçamento milionário. Nomeou-se inicialmente Academi e, agora, Constellis Holdings [3].
Segundo a agência de notícias russa, TASS, pelo menos 400 mercenários da Blackwater atuaram no teatro da Ucrânia desde 2015 [4], com diversas companhias semelhantes do lado russo atualmente – dentre elas a já citada Wagner, a Convoy, dentre outras, contabilizando 25, ao todo, dentre as russas, apenas na Ucrânia [5].
Ironicamente ou não, recentemente o fundador da Blackwater, Erik Prince, famoso por sua retórica pesada contra países islâmicos, tem cogitado entrar para a política americana o que, a olhos públicos, seria apenas a consagração do jogo de sombras que já ocorre nos bastidores, onde empresas privadas da área de defesa e segurança ditam os rumos da política dos EUA.
Se engana, todavia, quem pensa que do lado russo o cenário é diferente, já que Yevgeny Prigozhin, fundador do Grupo Wagner, dirigiu uma campanha de concentração de poder em sua figura através da inteligência do grupo, no Telegram, alimentada pela guerra da Ucrânia, que terminou numa tentativa de golpe de Estado contra o presidente Putin [6].
A tendência parece ter chegado para ficar – já que, fora do conhecimento público, a Turquia também desenvolveu seu exército de mercenários através da empresa SADAT, que atua no Mali, no Níger, na Líbia e no Azerbaijão [7].
Pelas filmagens em canais de Telegram, há grandes chances da SADAT, turca, ter participado da ofensiva que derrubou o presidente Bashar Al-Assad, na Síria, com leniência do contingente do Grupo Wagner no terreno, numa observação fria do teatro, onde as forças não colidiram, mesmo em lados opostos.
Porque essa virada de chave abrupta na condução política dos teatros de guerra do séc. XXI?
Uma das respostas é simples – o emprego de forças mercenárias provém “negabilidade plausível” aos países que as empregam, fazendo com que consigam praticar crimes de guerra sem serem ligados formalmente aos seus países de origem, além de outros fatores, como atingir alvos estratégicos de alto valor sem a necessidade de passar pela burocracia e o processo de tomada de decisão de um exército nacional.
A destruição do gasoduto Nord Stream 2, que segundo o The Guardian foi cometida pelos próprios ucranianos, que sabidamente possui alto emprego de mercenários em seu contingente antes e depois da guerra, é um exemplo [9].
Numa análise fria da realidade, um futuro onde a guerra é travada por mercenários significa, também, um futuro com mais crimes de guerra, maior concentração de poder em tropas privadas, atuando, às vezes, contra os interesses de sua própria nação – já que o supracitado Grupo Wagner, por exemplo, alegadamente vende armas às RSF separatistas no Sudão, enquanto a Rússia apoia o regime [8].
Dentre os desdobramentos possíveis nasce, também, a possibilidade de forças policiais privadas nascerem e atuarem com chancela estatal e concentração de poder – numa escalada de repressão interna a movimentos civis e maior controle nas mãos daqueles que detém o poder econômico.
Deste modo, se avizinha cada vez mais a realidade das distopias cyberpunk – num mundo que mescla tecnologia, capital privado, repressão policial, tecnofeudalismo e concentração de renda. Bem-vindos à era do mercenarismo.
FONTES
[1] – “Inquiry into the Murder of Hamdi Bouta and Wagner Group Operations at the Al-Shaer Gas Plant, Homs, Syria”. New America. Acesso em: 2024.
[2] – “Blackwater in Nisour Square: The Incident that brought Private Security Companies into the Global Spotlight”. The Responsible Security Association.
[3] – “Blackwater (company)”. Wikipedia. 2024.
[4] – “Militia claim spotting up to 70 mercenaries of US military company Academi in east Ukraine”. TASS: Russian News Agency. 2015.
[5] – “Catalog of Russian PMCs: 37 private military companies of the Russian Federation”. Molfar. Acesso em: 2024.
[6] – Margolin, Jack. “The Wagner Group: Inside Russia’s Mercenary Army”. Reaktion Books. 2024.
[7] – Bourcer, Nicolas. “Sadat, the ‘Turkish Wagner’ whose shadow hangs over West Africa”. Africa, Turkey, Le Monde. 2024.
[8] – Elbagir, Nima. “Exclusive: Evidence emerges of Russia’s Wagner arming militia leader battling Sudan’s army”. Africa, CNN World. 2023.
[9] – WALKER, Shaun. “Ukrainian team blew up Nord Stream pipeline, claims report”. Russia-Ukraine War, The Guardian. 2024.
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