Ali Ramos
O mundo multipolar não é mais uma mera expectativa, todavia uma realidade, demolindo a ordem unipolar anterior, e isso se translitera tanto nas relações de poder regionais quanto nos conflitos que tem se desenhado desde a Operação Especial Russa na Ucrânia.
No presente artigo buscaremos compreender a “cratologia”, isto é, a ciência do poder, neste novo mundo, em especial em relação a determinados atores importantes no que atine à região da Ásia Central – Rússia, Turquia e Irã.
A ORDEM TRIPOLAR
A ordem tripolar na Ásia Central se desenrola sob a égide de três cinturões de poder: Neo-czarista, Safávida e Otomano. Atores diversos também projetam poder na região, como China e Estados Unidos, em menor medida, todavia aqui nos centraremos na interseccionalidade e na rivalidade destes atores, através de suas complexas alianças e relações de poder.
A escolha desta nomenclatura vem por uma questão didática, e se deve ao fato de as novas relações de poder estarem se desenhando de acordo com as rivalidades do passado entre o Império Otomano, o Império Safávida e o Império Russo Czarista. Neste sentido, um mundo multipolar se desenha mais próximo à Geopolítica dos Grandes Poderes que à realidade da Guerra Fria.
O paradigma usado será o realismo geopolítico, explorado e referenciado nas obras a seguir, àqueles que desejam maior conhecimento do tema, de sua estrutura, que considera o sistema internacional anárquico, e desdobramentos [1][2][3].
Na região da Ásia Central, o principal país em termos de relevância militar, econômica e diplomática, combinadas, é, sem sombra de dúvidas, o Azerbaijão. Durante a secessão da antiga União Soviética, o Irã utilizou a religião muçulmana xiita como moeda geopolítica, no intuito de influenciar o país. Todavia, por ter uma grande população de azeris, e por medo do separatismo azeri em seu proprio territorio, o Irã apoiou a Armênia na questão do Nagorno-Karabakh, o que diminuiu sua influência na elite do Azerbaijão [4].
A Turquia, por sua vez, preencheu este vácuo, já que apesar da religião xiita ser predominante no Azerbaijão, os dois países partilham diversos traços culturais e linguísticos, sendo a língua azeri um dialeto turco e, em vários slogans, os países definirem suas relações como a de “uma única nação, dois Estados” [5].
A Turquia também deu apoio militar através do movimento “Bozkurtlar”, traduzido livremente como Lobos Cinzentos, na Primeira Guerra do Nagorno-Karabakh, entre 1988 e 1994, e no novo conflito, fortalecendo seus laços mais ainda. A antiga República da Chechênia também cedeu mercenários, o que ironicamente contribuiu para uma aproximação posterior entre Azerbaijão, Turquia e Rússia[4][6], sendo esta uma análise livre feita neste artigo.
Ironicamente, o Irã, ao mesmo tempo em que concede amplo apoio político à Armênia, reconhece a integridade territorial do Azerbaijão, publicamente, e se opõe à criação do Corredor de Zangezur, o que diminuiria profundamente a influência geoeconômica do polo Safávida dentro desta nova dinâmica, da iniciativa da Nova Rota da Seda Chinesa [7].
A nação do Azerbaijão, por sua vez, tem profundas relações no campo da defesa e da segurança com a Rússia e Israel, em grande parte devido ao apoio que o Irã concedeu à Armênia ainda no primeiro conflito do Nagorno-Karabakh [8].
Nesse sentido, os maiores parceiros econômicos do Azerbaijão são, de acordo com seu volume de exportações e importações: Itália (46.6%), Turquia (9.2%) e Israel (4.41%) [9]. No contexto da guerra da Ucrânia, o Azerbaijão foi um dos países que aproveitou a oportunidade para estreitar laços econômicos com a Rússia. Em 2017, 200 empresas russas atuavam no país, e outras 600 em natureza de consórcio entre os 2 países [10].
Em Agosto de 2024, Putin visitou o Azerbaijão, firmando acordos econômicos que ampliaram a parceria estratégica entre os países e que criarão futuramente o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC), fazendo o Azerbaijão deter uma posição econômica estratégica nas conexões entre Rússia e Índia, aumentado o poder de pressão econômica e laços entre o Azerbaijão e o polo Neoczarista [11]. A Turquia, neste caso, contrabalanceou a relação, fortalecendo o polo otomano, fornecendo drones Bayraktar ao Azerbaijão, o que permitiu a vitória na Guerra do Nagorno-Karabakh mais recente [20].
Nesse sentido, o Polo Safávida tem buscado ampliar sua esfera de atuação estreitando suas relações com outro país da região – o Tajiquistão. Atualmente, seus maiores parceiros econômicos são Cazaquistão (29%), China (13%), Turquia (11%), Uzbequistão (11%) e Irã (7%) [12]. Contudo, em 2022, o presidente Ebrahim Raisi visitou a capital tadjique, e 17 documentos foram assinados, ampliando a parceria econômica dos países, principalmente na esfera da segurança, talvez a maior moeda de barganha do Polo Safávida dentro da atual conjuntura [13].
Na mesma ocasião, os dois países estabeleceram uma Força de Segurança Conjunta, que aprofundará a capilaridade e a capacidade de atuação da Força Quds e da inteligência iraniana no país, já que tal efetivo foi estabelecido sob o pretexto de combater forças insurgentes, também inimigas do regime iraniano e que atuam contra o poder do Polo Safávida [14].
Um ano depois, o Ministro da Defesa Iraniano, o General-Brigadeiro Mohammad Reza Gharaei Ashtiani, visitou o Tajiquistão, numa iniciativa feita no intuito de fortalecer a cooperação e a defesa do país, tornando-o mais independente em relação à Rússia, que detém o maior poderio militar na região, e também na luta contra o Talibã e seus insurgentes, já que os tadjiques se opõem ao grupo [15].
A Rússia, por sua vez, detém bases militares no Tajiquistão e no Quirguistão, e o Irã, além de relações econômicas, também se aproximou do Turcomenistão e do Cazaquistão, através da mediação russa [16].
A Turquia, por sua vez, se aproximou militarmente do Cazaquistão, do Quirguistão, do Turcomenistão e do Uzbequistão através da sua indústria de drones e da cooperação militar, já que todos anseiam abandonar a dependência militar da Rússia, o Cazaquistão inclusive começará o fabricar seus próprios drones Anka-S, com a empresa turca TAI. O pan-turquismo e o soft power turco também representam uma influência nesse alinhamento [17].
A Organização dos Estados Túrquicos (OTS), nesse sentido, tem um papel central, e permite ao MIT, o serviço de inteligência da Turquia, atuar nesses países diretamente através dessas organizações educacionais e das empresas turcas, que possuem conexões com os Lobos Cinzentos e com nacionalistas de outras filiações partidárias – assim como a empresa de defesa SADAT, que protege o regime turco e atua em 61 países [18][19].
Em relação especificamente a outro país, o Uzbequistão, a Turquia, em 1991, foi a primeira nação a reconhecer sua independência, tendo o país uzbeque já nascido influenciado pelo nacionalismo de Ataturk. Depois de relações tempestuosas, em 2022 os países fortaleceram seus laços, com mais de 1.900 empresas turcas operando em solo uzbeque atualmente, e um volume de 2.2 bilhões em comércio. Uzbequistão e Turquia também possuem cooperação na área de segurança, e a Turquia auxilia o desenvolvimento do exército uzbeque [21][22].
Em 2022, Turquia e Uzbequistão assinaram um acordo de cooperação militar, que abarcou a indústria militar, o treinamento e a educação militar, em aspectos doutrinários [23]. Nesse sentido, e depois da falha geoestratégica em intervir na Guerra do Nagorno-Karabakh, a posição russa na Ásia Central saiu profundamente enfraquecida – e Putin, então, tentou fortalecer sua influência no Uzbequistão através dos laços econômicos. Atualmente, os países têm um volume de 7.5 bilhões em comércio, transformando a Rússia no segundo maior parceiro econômico uzbeque [24].
Neste sentido, o panorama esboçado mostra um novo paradigma se desenhando na Ásia Central – uma ordem de poder tripolar onde Safávidas, Neo-czaristas e Otomanos ora colidem, ora cooperam pelo poder regional. Revoluções coloridas que deram errado na região, desde 2020, por sua vez, mostram uma tendência ao foco na disputa entre esses 3 atores, fora da influência hegemônica anterior quase que onipotente dos Estados Unidos. Tendo em vista, novamente, que tanto o MIT turco quanto a FSB russa e a Força Quds iraniana operam neste amplo teatro.
Referências bibliográficas
[1] – MEARSHEIMER, John. “The Great Delusion: Liberal Dreams and International Realities”. Yale University Press. 2018.
[2] – MEARSHEIMER, John. “How States Think: The Rationality of Foreign Policy”. Yale University Press. 2023.
[3] – KIRSHNER, Jonathan. “An Unwritten Future: Realism and Uncertainty in World Politics”. Princeton University Press. 2022.
[4] – GOLTZ, Thomas. “Azerbaijan Diary: A Rogue Reporter’s Adventures in an Oil-rich, War-torn, Post-Soviet Republic”. Routledge. 2015.
[5] – HAJIZADE, Ali. “Türkiye-Azerbaijan Relations: The Building of an Alliance”. Feature Articles, The Central Asia-Caucasus Analyst. 2024.
[6] – LAMBERT, Michael. “Nagorno-Karabakh and the Muslim World”. Blog, Institu Pro Politiku A Spolecnost. 2020.
[7] – GJEVORI, Elis. “Iran: What are the implications of Azerbaijan’s victory over Armenia?” Middle East Eye. 2023.
[8] – HAJ JASEM, Basel. “Iran’s dilemma amid Russia-Azerbaijan partnership”. Daily Sabah. 2024.
[9] – “Trade Summary of Azerbaijan for 2022”. Azerbaijan top 5 Export and Import partners. WITS: World Integrated Trade Solutions. Acesso em: 2024.
[10] – “Press release on 25 years of diplomatic relations between Russia and Azerbaijan”. News, Foreign Policy, The Ministry of Foreign Affairs of the Russian Federation. 2017.
[11] – BIFOLCHI, Giuliano. “Putin’s Visit to Baku: Assessing the Geopolitical Implications for the South Caucasus”. Special Eurasia. 2024.
[12] “Tajikistan Trade”. Tajikistan top 5 Export and Import partners. WITS: World Integrated Trade Solutions. Acesso em: 2024.
[13] – MAKHANOV, Kanat. “A New Phase in Cooperation between Tajikistan and Iran”. Eurasian Research Institute. 2022.
[14] – “Iran, Tajikistan Set Up Joint Security Task Force”. Politics News, Tasmin News Agency. 2022.
[15] – FANGER, Samantha. “Iranian Defense Minister Visits Tajikistan”. CPC – Caspian Policy Center. 2023.
[16] – IBRAHIMOV, Rafael. “Russia, Iran, and Turkey in Central Asia: A Nexus of Minor Tensions”. Geopolitics & Security, Tony Blair Institute For Global Change. 2017.
[17] – KRZYANOWSKA, Zuzanna. “On the trail of the grey wolf: pan-Turkism in Turkey’s foreign policy”. OSW: Centre For Eastern Studies. 2024.
[18] – GUPTA, Dr. Pravesh Kumar. “Organization of Turkic States: An Instrument of Turkey’s Central Asia Policy”. Vivekananda International Foundation. 2022.
[19] – “Erdogan’s former military advisor and head of paramilitary group SADAT in Turkey called for multi-nation Islamic army”. Nordic Monitor. 2020.
[20] – “The Role of Turkish Drones in Azerbaijan’s Increasing Military Effectiveness: An Assessment of the Second Nagorno-Karabakh War”. Insight Turkey Fall, Volume 23 Number 4. 2021.
[21] – “Relations between Türkiye and Uzbekistan”. Republic of Turkiye: Ministry of Foreign Affairs. Acesso em: 2024.
[22] – ARIS, Ben. “Turkey and Uzbekistan are friends again”. Regions, BNE: Intellinews. 2024.
[23] – “Uzbekistan, Turkey sign agreement on military cooperation”. The Tashkent Times. 2022.
[24] – “Russia Becomes Uzbekistan’s Second-Biggest Trade Partner in 2024”. Regions, The Caspian Post. 2024.
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ALI RAMOS
ANALISTA E COLABORADOR
Graduado em Ciência Política, Filósofo, pesquisador de assuntos relacionados à Ásia, Geopolítica e Defesa, redator e coordenador do editorial Historia Islâmica, articulista do Plano Brazil.
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