E.M.Pinto & Ali Ramos
Há tempos que a situação síria se agrava frente a problemas multifatoriais e nãos e resume pura e simplesmente à guerra que assolou o país por mais de uma década. Inúmeros problemas internos agravados e incentivados por interesses externos tem transformado a síria no palco ideal para conflitos infindos.
A Síria enfrenta desafios significativos para melhorar esses indicadores devido à destruição causada pela guerra, sanções internacionais e uma economia fragilizada. A educação é prejudicada pela infraestrutura comprometida, enquanto o sistema de saúde luta para atender à demanda crescente com recursos limitados.
Desde o fim formal da guerra civil em 2018, a Síria continua enfrentando crises sucessivas e, embora a intensidade dos combates tenha diminuído até meados de 2024, em algumas áreas, o conflito não foi completamente encerrado, especialmente em regiões como Idlib, onde grupos armados seguiram em confronto.
A economia síria colapsou, com o PIB encolhendo cerca de 60% desde o início do conflito em 2011, comparável às maiores quedas econômicas da história moderna. Atualmente, mais de 90% da população vive abaixo da linha da pobreza, enquanto a taxa de desemprego ultrapassa 60%. Além disso, a libra síria perdeu grande parte de seu valor, agravando uma inflação que torna alimentos e itens básicos inacessíveis para muitas famílias. Estima-se que apenas 40% da população consiga se alimentar adequadamente diariamente. Serviços essenciais como saúde e educação também estão em ruínas, com metade das unidades de saúde fora de operação e milhões de crianças fora da escola [1]
Politicamente, o governo de Bashar al-Assad mantém (pelo menos por hora) o controle sobre a maior parte do território, mas enfrenta sanções internacionais severas e uma legitimidade fragilizada. A corrupção é outro problema significativo, com empresas frequentemente obrigadas a pagar subornos para operar. Socialmente, o impacto é devastador é o de que mais de 6 milhões de pessoas continuam deslocadas dentro do país, enquanto 5,5 milhões vivem como refugiados em países vizinhos. A destruição da infraestrutura física e social agrava as dificuldades na reconstrução e na reintegração dessas populações [2].
A Síria permanece fragmentada em linhas sectárias e étnicas, dificultando esforços de reconciliação. O papel de potências estrangeiras, como Rússia, Irã, Estados Unidos e Turquia, amplia a complexidade diplomática, com cada uma exercendo influência em regiões estratégicas. Isso perpetua tensões entre grupos locais e regionais, dificultando um processo de paz sustentável
Tabela 1-Os dados sobre IDH e outros indicadores são baseados em análises da ONU e relatórios do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD)
Indicador | Dados (2023-2024) |
População | Aproximadamente 21,7 milhões de habitantes. |
Expectativa de Vida | 72,9 anos. |
PIB per capita (PPP) | Cerca de $3.800 USD. |
Taxa de Alfabetização | 81,4% para adultos acima de 15 anos. |
Média de Anos de Estudo | 5,1 anos. |
Expectativa de Estudo | 9,3 anos para crianças em idade escolar. |
Índice de Saúde | Expectativa de vida ajustada pelas condições de saúde em 72,9 anos. |
Índice de Educação | Calculado com base na escolarização e alfabetização. |
Índice de Renda | Ajustado pelo PIB per capita. |
Classificação do IDH | Médio desenvolvimento humano, índice de 0,568 (posição global: 151). |
O contrabando de armas, alimentos e petróleo na Síria tem sido um dos maiores desafios enfrentados pelo país desde o fim da guerra civil. Esse comércio ilícito, frequentemente conduzido por grupos insurgentes, afeta diretamente a população síria, agrava a insegurança e dificulta a recuperação econômica.
A Síria tem sido um mercado significativo para armas vindas do Líbano, Irã, Turquia e Iraque. Armas pessoais de segunda mão, granadas e foguetes têm preços inflacionados devido à alta demanda. Muitas armas entram através de dezenas de passagens ilegais na fronteira, o que as autoridades locais têm dificuldade em controlar, mesmo com apoio de aliados. Além disso, redes de traficantes lucram significativamente com o aumento da violência e da demanda por autodefesa, especialmente em áreas controladas por insurgentes e milícias diversas.
As regiões no nordeste da Síria, ricas em petróleo e controladas por milícias curdas (FDS), têm sido palco de intensas disputas. Parte do petróleo é contrabandeada para a Turquia e o Iraque, gerando receitas para diferentes grupos armados. Essas transações dificultam o acesso da população síria aos recursos energéticos e geram tensões diplomáticas entre os países envolvidos, especialmente com o governo sírio, que busca recuperar o controle dessas áreas estratégicas [03]
A escassez de alimentos e medicamentos, agravada por sanções econômicas e barreiras logísticas, tem incentivado o contrabando desses itens para a Síria. Redes clandestinas operam principalmente a partir do Líbano e da Turquia, mas muitas vezes esses produtos chegam à população a preços exorbitantes. Isso contribui para a crise humanitária, com milhões de sírios enfrentando insegurança alimentar severa
Essas atividades alimentam a violência, sustentam grupos armados e perpetuam o ciclo de pobreza. Além disso, o contrabando desestabiliza ainda mais a economia síria, que já enfrenta colapsos em infraestruturas e mercados. Para a população, isso significa acesso limitado a recursos essenciais, aumento dos preços e agravamento da crise humanitária, especialmente em áreas rurais e zonas de conflito ativo [03]
As soluções para esse problema demandam maior coordenação internacional, fortalecimento do controle de fronteiras e esforços diplomáticos para resolver as tensões regionais, além de medidas para apoiar a recuperação econômica e social da Síria.
Uma Nação Fragmentada
Atualemente a Sìria está fragmentada, com regiões dominadas ou na melhor das hipóteses, protegida por grupos diversos. Siglas, como FDS, HTS dentre outros grupos começam a ocupar inúmeras regiões do país numa escalada de desobediência ao estado de direito Sìrio, aumentando a fratura do tecido social. [2]
Controle do território da Síria em 6 de dezembro de 2024 — Foto: Editoria de Arte/g1
No nordeste do país, controlado pelas milícias curdas, o petróleo é frequentemente extraído de campos importantes e contrabandeado para o Iraque através de rotas ilegais. Algumas cargas também seguem para a Turquia, apesar de embargos e sanções internacionais. Esses recursos são usados para financiar as operações das FDS, que enfrentam pressões do governo sírio e da Turquia.
Grupos como o ISIS continuam a operar no contrabando de petróleo em áreas remotas, principalmente no leste da Síria. O petróleo é vendido no mercado negro ou trocado por armas e suprimentos. Durante o auge do califado, grande parte do petróleo contrabandeado tinha como destino intermediários na Turquia
Uma rede complexa de contrabandistas e intermediários locais transporta o petróleo por rotas ilegais até mercados regionais. Esses operadores desempenham papel crucial no escoamento do produto, mesmo sob risco de sanções e repressão militar
O contrabando de petróleo tem impactos devastadores para a economia e a soberania da Síria. Ele priva o governo e a população de receitas cruciais para a reconstrução e perpetua o controle de milícias e redes criminosas sobre áreas estratégicas do país.
A recuperação completa da Síria é projetada para levar décadas, dependendo de um aumento significativo na cooperação internacional e no levantamento de sanções. Enquanto isso, milhões de sírios continuam a enfrentar fome, deslocamento e insegurança, com perspectivas incertas para a reconstrução do país.
A situação na Síria exige atenção global urgente para aliviar o sofrimento humano e reconstruir o tecido social e econômico do país
Atualmente, a Síria abriga uma complexa rede de grupos insurgentes e forças militares estrangeiras, cada qual com objetivos próprios, influências externas e áreas de atuação [03].
Grupos insurgentes
Hayat Tahrir al-Sham (HTS)
De origem jihadista, com raízes na Al-Qaeda, controla a província de Idlib. Liderado por Abu Mohammad al-Julani, busca um estado islâmico sob sua interpretação rígida.
Forças Democráticas da Síria (FDS)
Coalizão liderada por curdos, controla o nordeste. Apoiada pelos EUA, combateu o ISIS e busca autonomia curda.
Exército Nacional Sírio (ENS)
Milícia apoiada pela Turquia, ativa no norte, com foco em combater as FDS e proteger interesses turcos.
Forças estrangeiras
Rússia
Aliada de Bashar al-Assad, mantém presença militar significativa, incluindo bases aéreas e navais.
Irã e Hezbollah
Oferecem apoio militar e logístico ao governo sírio e expandem influência na região.
EUA
Têm tropas no nordeste para combater o ISIS e apoiar as FDS.
Turquia
Realiza operações militares no norte, visando grupos curdos e garantindo zonas de segurança.
Israel
Realiza bombardeios contra alvos iranianos e do Hezbollah no território sírio.
Essa diversidade de atores prolonga o conflito, gera instabilidade e dificulta a recuperação do país. A Síria enfrenta uma intrincada rede de desafios geopolíticos e de segurança devido às dinâmicas regionais com seus vizinhos e à presença de potências estrangeiras em seu território. Os problemas variam de tensões territoriais a disputas por influência política, recursos e segurança.
Turquia
A Turquia realiza operações militares contra as Forças Democráticas da Síria (FDS), lideradas por curdos. Ancara os considera terroristas ligados ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), enquanto eles buscam autonomia no norte da Síria. Isso desestabiliza a região e afeta populações civis.
A Turquia mantém zonas de controle no norte da Síria, supostamente para criar zonas de segurança, mas isso interfere na soberania síria e agrava o deslocamento de populações.
Curdos
A busca dos curdos por autonomia ou mesmo independência é um ponto de tensão com o governo sírio, que tenta recuperar controle total do território.
A hostilidade turca contra os curdos gera instabilidade constante, prejudicando esforços de reconstrução e segurança na Síria.
Irã
Irã apoia o governo sírio com tropas e milícias, mas sua crescente presença preocupa outros atores, especialmente Israel e potências ocidentais.
A influência iraniana reforça o sectarismo entre sunitas e xiitas, desestabilizando ainda mais a coexistência social no país.
A presença iraniana leva Israel a realizar ataques aéreos frequentes contra alvos iranianos na Síria.
Rússia
Embora a Rússia seja uma aliada chave de Bashar al-Assad, sua presença militar reforça a soberania limitada do governo sírio.
A Rússia busca equilibrar sua influência na Síria com suas relações com Israel, Turquia e o Irã, o que pode criar divergências estratégicas no longo prazo.
Iraque
O leste da Síria é uma rota ativa para o contrabando de armas, petróleo e militantes, alimentando instabilidade e o ressurgimento de grupos como o Estado Islâmico. A presença de milícias apoiadas pelo Irã em ambos os lados da fronteira agrava a insegurança e gera tensões com tribos locais
Israel
Israel realiza bombardeios contra alvos do Irã e do Hezbollah na Síria, afirmando que essas ações visam conter ameaças à sua segurança. Israel mantém o controle das Colinas de Golã, uma área reivindicada pela Síria, o que gera tensão contínua e impede um acordo de paz regional
ANÁLISE
Ali Ramos
Cientista Político focado nos estudos sobre Ásia, Geopolítica e Defesa, redator e coordenador do editorial Historia Islâmica.
Quando mencionamos qualquer conflito iniciado ou aquecido em termos recentes, paira uma profunda névoa da guerra a respeito do mesmo, o que dificulta sua compreensão e análises, já que se torna quase impossível separar fatos de narrativas.
Nesse sentido, na medida do possível, buscaremos compreender, com referências, o sucateamento do Exército Sírio, seus problemas internos e a derrota acachapante do mesmo em frente aos insurgentes do grupo HTS, até o momento, já que Aleppo caiu, Hama foi tomada e estão ocorrendo levantes ao longo do território de Suwayda.
Inicialmente, o Exército Sírio tem problemas internos gravíssimos no que atine ao nepotismo, a concentração de poder em determinadas facções e a incapacidade de atuação conjunta e coerente em teatros e batalhas.
A Força Tiger, comandada pelo general Suheil al-Hassan, e que atua inclusive na Ucrânia, possui uma rivalidade histórica com a Guarda Republicana Síria, comandada pelo general Maher al-Assad. A razão da contenda é o fato de Hassan preferir os russos aos iranianos, ao contrário de Maher al-Assad, e ser visto pelos grupos mais pró-iranianos como capaz de dar um Golpe de Estado e assumir o poder na Síria como um proxy russo [4].
Um exército dividido e sucateado, já que Bashar al-Assad não se focou em buscar soluções econômicas ao país e em modernizar as tropas, ao invés disso fortalecendo seu círculo de poder em Damasco, se provou uma receita desastrosa.
Segundo Jihad Yazigi, diretor do Syrian Report, o colapso do exército é fruto do colapso das instituições sírias, assim como de sua economia. Em resposta aos desdobramentos recentes, Bashar al-Assad prometeu um aumento de 50% às tropas, dada a deserção em massa e o péssimo desempenho [4].
Nesta nova colisão de poderes em que Rússia, Irã, Turquia, milícias pró Assad, Exército Sírio, Israel, EUA e insurgentes de várias ideologias, sendo grande parcela dos combatentes inclusive remanescentes do brutal Estado Islâmico e da Al-Qaeda, novos desafios tem se desenhado, inclusive o uso massivo de drones por parte da Brigada Falcon (al-Shaheen) do HTS, para o qual o exército de Bashar al-Assad não está preparado [5].
Uma fonte no Egito me informou recentemente que há um plano para a retirada de Assad do governo e uma transição de poder em curso. Se vai se concretizar ou se provar apenas mais um boato e névoa de guerra, é necessário aguardar.
Já imigrantes sírios, aqui no Brasil, com familiares civis nas zonas de guerra, desenharam um cenário catastrófico: não será possível, na atual conjuntura, esperar um novo levante popular nos moldes do conflito anterior, já que o sentimento geral da população na Síria é o de que Assad falhou profundamente em seus deveres enquanto governante, e o resultado é um Estado disfuncional em todos os sentidos.
[1] -TRADING ECONOMICS. Síria – Indicadores Econômicos. Disponível em: https://pt.tradingeconomics.com/syria/indicators. Acesso em: 7 dez. 2024.
[2]-BANK, André; HERRSCHNER, Ronja. Syria Is Not Safe: A Look to Its Regions. 2024.
[3] –AL-JABASSINI, Abdullah. From rebel leaders to post-war intermediaries: evidence from Southern Syria. Small Wars & Insurgencies, v. 35, n. 4, p. 656-677, 2024.
HICKLEY, Aidan. “The Tiger and his Cubs: The Syrian Regime’s Tiger Forces”. Defence, Grey Dynamics. 2024.
[4] – YAZIGI, Jihad. DURGHAM, Nader. “Why the Syrian army collapsed so quickly in northern Syria”. News, Middle East Eye. 2024.
[5] – AL-ASWAD, Harun. “Shaheen drones: The new rebel weapon in Syria’s skies”. News, Middle East Eye. 2024.
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