Peter Mambla- Plano Brazil
Tradução- E.M.Pinto
Os castelos definiram a Europa medieval e seu sistema social. A nobreza guerreira oferecia à população camponesa a proteção do castelo e, em troca, os camponeses ofereciam sua vassalagem. Depois, surgiram os canhões, tornando os castelos obsoletos e, assim, desafiando o sistema de arranjos sociais da época, reduzindo progressivamente o poder e o prestígio da nobreza e, gradualmente, deslocando as sociedades para sistemas de governo mais centralizados.
A era dos mísseis que está emergindo ameaça ter o mesmo impacto transformador que os canhões tiveram sobre os castelos, exceto que, desta vez, em uma escala geopolítica global. Como expliquei em um artigo anterior, (Clique para ler ) o número, alcance e precisão dos mísseis chineses anularam a estratégia americana das cadeias de ilhas, que, antes da era dos mísseis, era uma estratégia de contenção muito eficaz, mas que agora deixa as forças americanas nas primeira e segunda cadeias de ilhas vulneráveis a ataques de saturação com mísseis. Tal tem sido o efeito da estratégia chinesa de negação de acesso/área (A2/AD), centrada em sua força de mísseis, que os americanos foram forçados a recuar para a Austrália, sob a parceria AUKUS, para manter seus submarinos fora do alcance.
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Para destacar a vantagem assimétrica oferecida pela era dos mísseis, o país extremamente pobre do Iêmen é capaz de negar a todos o uso de uma importante rota marítima internacional, com as supostas grandes potências aparentemente incapazes de fazer algo a respeito. O patrono dos Houthis, o Irã, lançou mais de cem mísseis balísticos contra Israel, derrotando talvez o melhor sistema de defesa aérea do mundo, enquanto a resposta israelense, que depende de poder aéreo caro, envolveu o emprego muito mais dispendioso e complicado de suportes, como aviões-tanque de reabastecimento aéreo.
O efeito transformador da era dos mísseis só serve para enfatizar a importância estratégica da Avibras, especialmente no que diz respeito ao míssil de cruzeiro AV-TM 300 para o sistema Astros II, como observadores geopolíticos como o Comandante Farinazzo têm se esforçado para enfatizar.
As principais preocupações estratégicas do Brasil residem em garantir a soberania contínua do país sobre as Amazônias Verde e Azul. As seis brigadas de selva cuidam da proteção da Amazônia Verde, amplamente considerada a melhor força de combate em selva do mundo. A Amazônia Azul é protegida principalmente por submarinos, tanto convencionais quanto (no futuro) nucleares, que oferecem a melhor maneira de dissuadir uma potência naval superior.
É em relação à proteção da Amazônia Azul que acredito que o sistema Astros II da Avibras oferece a possibilidade de se transformar de uma arma meramente tática para uma arma estratégica, complementando a força de submarinos na execução de um papel de A2/AD.
Para tentar conter a bem-sucedida estratégia A2/AD chinesa, o projeto Force Design 2030 do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA parece buscar fazer o mesmo com a China, criando pequenos grupos dispersos de fuzileiros navais distribuídos entre pequenas ilhas remotas ao longo das primeira e segunda cadeias de ilhas, armados com armas de precisão de médio e longo alcance, oferecendo, assim, uma resposta A2/AD própria.
Relativamente poucos sistemas de artilharia de foguetes Himars foram perdidos na guerra na Ucrânia, destacando a capacidade de sobrevivência oferecida por esses sistemas, que podem se realocar rapidamente e se esconder na vegetação após completar uma missão de disparo.
No caso da potencial capacidade de ataque de precisão de longo alcance do Brasil, na forma do sistema Astros II, armado com o AV-TM 300 (e mísseis de maior alcance no futuro) e, com sorte, em número de centenas, eles teriam a vasta Mata Atlântica para onde se ocultar após completar missões de disparo, em vez de se esconder nas estreitas faixas de árvores que margeiam os campos abertos no leste da Ucrânia.
Nesse aspecto, eles teriam um efeito de dissuasão semelhante ao dos submarinos na proteção da Amazônia Azul. Enquanto os submarinos podem se esconder no vasto Oceano Atlântico, a artilharia de mísseis de longo alcance pode se esconder na vasta Mata Atlântica ao longo de grande parte da costa leste do Brasil. Até mesmo a Caatinga árida poderia ainda oferecer alguma cobertura para os Astros, embora, é claro, menos generosa do que a Mata Atlântica.
O conhecimento de engenharia para o sistema Astros existente pode ser expandido continuamente para estender o alcance dos mísseis, assim como para ampliar o portfólio de defesa A2/AD da Avibras, expandindo os sistemas de defesa aérea que pode oferecer, desde curto, médio até longo alcance, culminando, eventualmente, em um sistema de defesa aérea em camadas.
A empresa Avibras em geral, e seu sistema Astros II em particular, oferecem não apenas um sistema de artilharia de foguetes tático, mas, mais importante, um sistema estratégico de artilharia de mísseis. Esse sistema estratégico oferece a possibilidade de criar uma zona de A2/AD cobrindo a Amazônia Azul, dissuadindo qualquer potência de ameaçar a soberania do Brasil.
Com o anúncio em outubro de que um investidor brasileiro assinou um acordo para adquirir uma participação majoritária na Avibras, parece que os incansáveis esforços de observadores geopolíticos como o Comandante Farinazzo para divulgar a importância estratégica da Avibras podem estar começando a dar frutos, e que o controle da empresa poderá permanecer em mãos brasileiras.
Se esse potencial acordo com um investidor brasileiro for finalizado, então isso só pode ser uma boa notícia.
Sobre o Autor
PETER MAMBLA
ANALISTA E CORRESPONDENTE INTERNACIONAL
Graduado em Ciência Política pela Universidade Monash. Ex-militar e autor de inúmeros artigos publicados em revistas brasileiras, russas e australianas sobre temas relacionados à geopolítica, bem como sobre a questão mais ampla da eudaimonia. Correspondente internacional e analista do Plano Brazil.
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