Por Mateus Barbosa
A partir dos anos 2000, tem sido comum aparecer nos jornais, notícias sobre a cooptação de militares e ex-militares das Forças Armadas Brasileiras para atividades criminosas, seja para atuar como armeiro, instrutor de técnicas e táticas militares, ou até mesmo em atividades diretamente ligadas na condução de crimes como assaltos, seguranças do tráfico, e até em alguns casos chegando a gerenciar ou chefiar quadrilhas e grupos criminosos em todo o país.
Para as Forças Armadas o principal motivo deste desvio de conduta é a questão social e familiar, pois apesar da carga cívica e voluntariedade, que o soldado recebe dentro dos quarteis, o caráter, que já vem formado antes do serviço militar é um dos principais fatores que contribui para essa mudança de lado durante e após o serviço militar nas Forças Armadas. Em diversos casos apurados pelas polícias em todo o País, o principal motivo tem sido a vantagem financeira motivada pela falta de oportunidade de trabalho após o serviço militar, há quem diga que essa experiência de ter “perdido” para a criminalidade, os militares com elevado grau de conhecimento técnico e operacional foi, um dos motivos para criação da então Brigada de Operações Especiais, hoje Comando de Operações Especiais (COPESP) do Exército em Goiânia-GO, e não no Rio de Janeiro-RJ, Local em que anteriormente estava instalada o 1º Batalhão de Forças Especiais, uma das principais unidades subordinada a este comando.
Dentre algumas das Técnicas ensinadas por ex-militares para criminosos, estão, táticas de Guerrilha Urbana, sobrevivência em diversos biomas, camuflagem, montagem, desmontagem, e manuseio de armas pesadas, granadas e explosivos, esses conhecimentos são valiosos e não estão disponíveis para grande parte do efetivo policial fazendo com que as questões e complexidades relacionadas à segurança pública tomam uma forma mais abrangente ao terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência que utilizam métodos não convencionais para atingir seus objetivos.
Dentre os diversos exemplos que viraram noticiário nas páginas policiais nos últimos anos, podemos citar o criminoso Celso Pinheiro Pimenta, o Playboy, morto em 2015, um dos ex-líderes da facção criminosa Amigo dos Amigos (ADA) no Complexo da Pedreira (Zona Norte do Rio de Janeiro), serviu na Força Aérea Brasileira, sendo expulso da Força após ser preso, outro exemplo, ainda mais emblemático é o de Marcelo Soares de Medeiros, o Marcelo PQD, ex-líder do Comando Vermelho na Ilha do Governador, como o próprio nome já diz, ele é ex-Paraquedista do Exército Brasileiro, PQD evoluiu na Estrutura do Crime, de Instrutor de Técnicas militares dentro da Facção, foi promovido Gerente e por último recebeu o controle do ponto de distribuição de drogas no Morro do Dendê na Ilha do Governador.
Em 2007 Segundo o Delegado Ronaldo Oliveira, então titular da Delegacia de Repressão a Roubos e Furtos de Automóveis (DRFA) da Policia Civil do Rio de Janeiro (PCERJ) que estava monitorando e investigando a quadrilha de Marcelo PQD, descobriram que o bando estava se preparando para tentar retomar o controle do Morro do Dendê. Marcelo PQD foi preso com pelo menos três outros ex-Paraquedistas, utilizando armamento pesado, equipamentos, táticas e procedimentos que aprenderam nos tempos de serviço na Brigada de Infantaria Paraquedista. Percebe-se que ex-militares são uma mão de obra qualificada que se cair em mãos erradas pode causar um grande problema social e para a Segurança Pública.
Segundo o Ex Ministro da Defesa, General da Reserva Joaquim Silva e Luna, as Forças Armadas dispensam todos os anos, entre 75mil e 85mil reservistas, com treinamento, experiência e preparo militar. O aproveitamento desse pessoal por parte das forças de segurança pública tem sido uma alternativa. Em 2004 foi lançado pelo Ministério da Defesa, o Projeto Soldado Cidadão, que destina recursos orçamentários para qualificar social e profissionalmente os jovens voluntários que prestam o Serviço Militar para ingressos no mercado de trabalho, por ocasião do Licenciamento por término de tempo de serviço. Desde sua origem o projeto já beneficiou quase 300 mil jovens, este Projeto tem ajudado na reinserção dos ex-militares para a vida civil, mas ainda sim o projeto não tem alcançado nem 1/3 dos jovens que são dispensados todos os anos dos quadros militares.
Nos anos de 1960, a Polícia de Los Angeles (EUA) vivia a realidade do enfrentamento cada vez mais comum de crimes violentos, cometidos contra a população civil e a força policial, o Sargento Jhon G. Nelson, ex-Fuzileiro Naval, motivado pela dificuldade operacional apresentada pela polícia na época apresentou um ousado projeto ao inspetor Daryl F. Gates (o qual, anos mais tarde, seria o chefe de Polícia de Los Angeles), este projeto deu origem ao que conhecemos hoje como SWAT (Special Weapons and Tactics, ou Armas e Táticas Especiais). No Brasil a gênese das Operações Policiais Especiais se iniciou nos anos de 1970 através de policiais voluntários que possuíam especialização nas Formas Armadas, tais como o Estágio de Operações Especiais, o Curso de Guerra na Selva (ambos do Exército) e Curso de Contra Guerrilha (CONGUE), dos Comandos Anfíbios do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil, utilizando o conhecimento técnico adquirido nas forças armadas para contribuir no combate ao crime.
Hoje as Forças Policiais brasileiras tem evoluído muito no aspecto técnico através das unidades policiais especializadas que possuem cursos extremamente rígidos, com instruções de elevado nível e tem capacitado os policiais (mesmo que não tenha passado pelas Forças Armadas) para o enfrentamento aos crimes violentos, mas as unidades convencionais de área que são a primeira resposta quando a polícia é acionada não dispõe de pessoal qualificado para responder eficazmente a todos os tipos de crime, sobretudo na repressão, dessa forma as Forças policiais podem encontrar em policiais que já serviram as Forças Armadas algumas qualificações necessárias para atender ocorrências de maior complexidade. Outra forma de reaproveitar os ex militares na Segurança Pública veio através da PL 1347/19 que modificou a Lei 11.473, de 10 de maio de 2007, passando a permitir os reservistas a compor a Força Nacional de Segurança Pública (FNS).
Apesar das diferenças de emprego das Forças Policiais que tem como missão prevenir e reprimir crimes contra a população e as Forças Armadas cuja missão é o combate e a Defesa Nacional, a qualificação militar absolvida por jovens todos os anos através do Serviço Militar Obrigatório é algo que o crime organizado como inimigo do Estado Democrático de Direito tem utilizado para realizar suas atividades criminosas, e as Forças Policiais devem incrementar ainda mais o aproveitamento dessa mão de obra qualificada que vem trazendo resultados positivos, principalmente na realidade do policiamento convencional que não dispõe dos meios técnicos e materiais necessários para fazer frente a criminalidade violenta, não deixando de lado a formação policial que também deve ser voltada à proximidade e a segurança social.
Mateus Barbosa é Gestor em Segurança Pública
Excelente matéria. É necessário pessoas que pensam dessa forma, fora da curva, na segurança pública do país. Deveria ter incentivo de ingresso de ex militares das Forças Armadas nas Polícias.