Resenha: Amazônia: A Maldição de Tordesilhas
Autor:
Prof. Dr. Edgar Indalecio Smaniotto
Aldo Rebelo é atualmente Secretário de Relações Internacionais do Munícipio de São Paulo e filiado ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), tendo anteriormente sido um histórico militante do PcdoB, e passado por outros partidos, como o PDT, PSB e Solidariedade. Pelo PcdoB foi deputado por vários mandatos, inclusive presidindo a Câmara Federal. Também foi ministro, e neste caso se destacou por ocupar diferentes ministérios: Esportes; Ciência, Tecnologia e Inovação e Ministério da Defesa. O que demostra sua capacidade de gestão pública.
Nos últimos anos Rebelo escreveu um livro de filosofia da história: O Quinto Movimento: propostas para uma construção inacabada (Porto Alegre: Jornal JÁ Editora, 2021), em que interpreta a história do Brasil em quatro movimentos principais: formação do território, soberania política, unidade política e território e, por fim, a industrialização. Rebelo então propõe um quinto movimento a ser realizado por nós neste momento, que é estabelecer a prioridade da causa nacional. A partir deste livro criou o movimento político homônimo e suprapartidário, com víeis nacionalista e soberanista. Também vem se destacando pela preocupação em relação a Amazônia, tema de seu livro atual que resenhamos aqui.
Antes da resenha em si, compartilho uma breve reminiscência, quando adolescente, ainda cursando o magistério, este resenhista era militante estudantil, quando o senhor Aldo Rebelo visitou a cidade de Marília, na época ele era deputado. Eu o acompanhei por um passeio pela cidade e depois ouvi seu discurso. Não me lembro maiores detalhes que isso, mas desde então acompanho a vida política deste grande político brasileiro, mesmo não sendo do mesmo partido que ele.
“Amazônia – A Maldição de Tordesilhas: 500 anos de cobiça internacional” (Arte Ensaio Editora, 2024) não é um livro acadêmico, e isso não é uma crítica, pelo contrário, Rebelo possui um projeto político claro e uma ideia sobre o papel da Amazônia na geopolítica brasileira, ou até melhor, mundial. As escolhas narrativas que faz no decorrer do livro são feitas a partir deste objetivo, e não há nada errado com isso, é uma escolha possível, como tantas outras. Sua argumentação é construída a partir de fatos históricos, alguns bem conhecidos, outros apagados por interesses políticos diversos, e aqui corajosamente recuperados pelo autor.
A escolha estilística de Aldo Rebelo foi a escrita ensaística, que confesso, é também a minha preferida, pois é a única que permite a discussão de um tema de forma aprofundada ao mesmo tempo que não descarta as reflexões pessoais do autor. Em muitos momentos por exemplo, Rebelo comenta fatos de sua formação escolar e vida política que o levaram a preocupação com relação a soberania nacional e particularmente a Amazônia. Os ensaios possuem na média quatro páginas, o que ajuda na leitura de quem pretende ler com maior espaçamento entre uma leitura e outra, eu particularmente li de uma vez só, mas a disposição da obra em capítulos curtos possibilita uma leitura intercalada com outros afazeres. Mas vamos ao livro, não vou aqui comentar cada ensaio, mas dar um panorama geral da obra.
O primeiro ensaio do livro, e seu prefácio, intitulado “A Amazônia e a centralidade da questão nacional” anuncia a proposta central do autor para quem a Amazônia hoje é central na questão nacional, já que este território está presente atualmente “no salão principal da geopolítica mundial”. Está centralidade advém das propostas de internacionalização deste território, que é visto por europeus e norte-americanos como um patrimônio da humanidade. Estes preconizam a proteção da floresta como um objetivo a ser compartilhado por toda humanidade. Rebelo vai criticar este posicionamento, tanto por seu cinismo, já que os mesmos países que querem proteger a Amazônia brasileira não tiveram os mesmos cuidados com suas florestas, como por estes países não levarem em consideração a qualidade de vida dos habitantes deste território.
Neste mesmo prefácio Rebelo também lembra que o nacionalismo, muito criticado, volta a cena enquanto inspiração para diversos partidos e movimentos políticos. O autor comenta algumas lutas nacionais, como os de vietnamitas e de africanos contra as potências europeias. Este resenhista concorda com Rebelo no sentido da importância do nacionalismo nestas lutas, e vamos além, apontando que em diversas destas lutas o comunismo foi visto como teoria econômica de produção a ser implantada por estes países em muitos casos por representar uma ideologia contrária à das potencias colonizadoras, portanto as revoltas de cunho socialistas, foram em grande parte, também nacionalista.
No primeiro Capítulo “A Amazônia que eu conheci” Aldo Rebelo recorda os diversos momentos em que a Amazônia se fez presente em sua vida, seja na escola, na universidade, como deputado federal e nos diversos ministérios que ocupou. Nestes diferentes contextos, no decorrer de sua vida, Rebelo se recorda de sua ligação, paixão e preocupação com este território e seu povo.
Nos capítulos subsequentes Rebelo apresenta a Amazônia no período colonial, começando com o tratado de Tordesilhas que deixava está região como propriedade da coroa espanhola até a epopeia dos bandeirantes paulistas que incorporaram de fato o território ao império colonial português. Vários personagens históricos são abordados por Rebelo: Pedro Teixeira, Raposo Tavares, Ajuricaba, Alexandre de Gusmão, Marques de Pombal, entre outros. Se destaca aqui o trabalho diplomático de Alexandre de Gusmão que oficializou a incorporação da Amazônia ao território português, que havia sido de fato incorporada pelo bandeirantes Raposo Tavares.
Já no período imperial o Brasil não terá a mesma sorte, a diplomacia brasileira perde a disputa na “Questão do Pirara”, e o Brasil é obrigado a ceder 16.630 quilômetros quadrados de território amazônico aos ingleses. Aldo Rebelo comenta este e outros fatos importantes da geopolítica amazônica no decorrer do império: a cabanagem, a viagens científicas dos naturalistas europeus, a tentativa dos confederados norte-americanos em criar um nação escravocrata em território amazônico e a luta de Pedro II para impedir que os norte-americanos dominassem a navegação no rio Amazonas, terminando com o roubo de sementes de seringueiras pelo agente britânico Sir Henry Wickham o, nas palavras de Rebelo “pai da biopirataria moderna”.
Um outro bloco de ensaios, já cobrindo o período republicano aborda a questão da borracha, que com o tempo vai perdendo seu valor de commodity, em decorrência da biopirataria britânica. O autor relembra a disputa territorial com a França, desta vez, com o Brasil saindo vitorioso devido a expertise do Barão do Rio Branco.
A exploração da borracha vai levar a uma disputa entre brasileiros e bolivianos pelo território do Acre. Neste momento Rebelo chama a atenção para o fato de o governo americano ter se aproveitado da disputa entre seringueiros sertanejos brasileiros e a Bolívia para tentar criar um encrave norte-americano no centro do território amazônico. Concordo com Rebelo que isto teria sido uma tragédia geopolítica para o Brasil. Se o pior não ocorreu foi graças à intervenção do caudilho Plácido de Castro, que liderou os sertanejos acreanos contra as tropas bolivianas. Como bem lembra Aldo Rebelo!
Rebelo segue explorando em diversos ensaios outros temas acerca da região: a ferrovia Madeira-Mamoré, a expedição Rondon-Roosevelt, Fordlândia, a utilização da borracha brasileira na II Guerra Mundial e por fim, a visita do jornalista americano John Passos ao território amazônico, que em seus textos registrou a riqueza mineral deste território. Chegamos então à contemporaneidade, e é aqui que o livro vai abordar mais incisivamente as propostas do autor para a região amazônica.
Cada ensaio do livro traz uma ou mais epígrafes, cito aqui a epígrafe presente no ensaio dedicado a Araújo de Castro, um texto do próprio: “Nenhum país escapa a seu destino, e, feliz ou infelizmente, o Brasil está condenado à grandeza”, o texto continua, mas ficamos com este trecho. Seguindo a ideia de Castro, do qual Rebelo, e este autor também compartilha, o Brasil é uma das poucas nações do mundo que possui recursos para ser uma potência mundial. Se não o conseguimos, ainda, muito se deve a algumas péssimas escolhas de nossa elite política.
Os ensaios finais do livro versão sobre as ameaças externas a nossa Amazônia e os seus cobiçados recursos. Aldo Rebelo comenta o discurso em que a vice-presidente dos EUA Kamala Harris prevê que futuramente haverá guerras pela água. Neste cenário Aldo lembra que o Brasil detém 20% da água doce do mundo, boa parte na Amazônia. É neste ensaio que o autor nos deixa uma reflexão importantíssima sobre as relações de poder que as nações centrais querem estabelecer com o Sul-global, vamos a ela:
“E qual a solução da ONU? Que a água seja considerada como bem comum da humanidade, assim como a biodiversidade e os recursos naturais que já não existem nas nações desenvolvidas. A tecnologia dos microprocessadores, do 5G, das vacinas, da indústria farmacêutica, das sementes de soja, milho e uva continuaria protegida por segredos industriais exclusivos e pela cobrança de royalties e patentes” (p. 115-116).
Aldo Rebelo denuncia o aumento da criminalidade na região e a necessidade do poder público tomar providências frente a este problema. Mas em contrapartida, em outro ensaio, se dedica a demostrar o grande potencial mineral da Amazonia, em diversos recursos que são importantíssimos para nossa soberania: petróleo, fósforo, potássio, ouro, nióbio, níquel, manganês e terras raras. Neste ensaio Rebelo salienta que o Brasil tem o potencial de ser uma nova China, concordamos com ele, inclusive já escrevi um conto de história alternativa (ou contrafactual) sobre essa possibilidade. No ensaio seguinte o autor caracteriza a Amazônia como uma “fábrica de energia” e por fim, escreve sobre a importância da biodiversidade amazônica, afinal, “os donos da biodiversidade são os donos do mundo” (p. 133).
Nos últimos ensaios a compor o livro, Rebelo denúncia a existência de um “estado paralelo das ONGs”, em grande parte associadas ou financiadas por potências estrangeiras e que impõe suas demandas as políticas implementadas na região. Para Aldo Rebelo este “estado paralelo” substitui as políticas de Estado que deveriam ser implementados na Amazônia em benefício de seus 30 milhões de habitantes.
Por fim Aldo Rebelo também comenta uma proposta levada a cabo por Irlanda e Níger que tornaria a questão do clima um tema de segurança internacional, e, portanto, sujeita a interferência do Conselho de Segurança da ONU. Neste caso questões climáticas poderiam levar a uma intervenção militar, o que representaria um grave perigo a soberania brasileira. O pior não ocorreu devido ao veto da Rússia. O autor termina o livro com um ensaio intitulado “O Brasil, a Amazônia e o futuro”.
“Amazonia – A maldição de Tordesilhas: 500 anos de cobiça internacional” é um livro indispensável para o leitor interessando em conhecer as questões geopolíticas envolvendo o território amazônico, assim como para todo cidadão brasileiro que se preocupa realmente com nossa soberania nacional, para além de partidos e grupos políticos. Recomendamos fortemente está leitura! Já ia me esquecendo, uma última informação, o livro possui capa dura, um design muito bonito e é bilingue (português e inglês).
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Formado em filosofia, mestre e doutor em Ciências Sociais, possui especialização em Egiptologia, Ensino de Astronomia, Gestão e Coordenação Pedagógica. É pesquisador no campo da história militar, geopolítica, filosofia da guerra, astrobiologia, ficção científica e cosmismo russo. Analista e colaborador do site Plano Brazil, já foi resenhista de diversas publicações como a Revista Macrocosmo, Jornal Ghaphiq, Banda Desenha Jornal, QI, entre outras.
Mantém o canal Filósofo Edgar Smaniotto: https://www.youtube.com/@filosofoedgarsmaniotto.