Desconstruindo Mitos Históricos: Pragmatismo e Realismo na Política

PAULO VINÍCIUS DINIZ


Um dos problemas mais sérios que temos em relação às análises de eventos históricos, especialmente quando envolve a política, é a passionalidade, que nos deixa “cegos” para os fatos objetivos.
Assim, por exemplo, quando falamos a respeito de disputas geopolíticas ou ideológicas, automaticamente os personagens envolvidos adquirem posições definidas, onde tudo é “preto no branco”. Figuras como Mussolini, Stalin, Castro, Nasser ou Tito são apresentadas pelo seu valor de face, ou melhor, pelo valor de face que lhes é imposto pelos analistas históricos ou pela propaganda que os envolve.
O mesmo se aplica aos chamados “ícones” do Ocidente, como Churchill, Reagan e Tatcher.
Assim, a percepção que as massas possuem sobre figuras públicas, regimes, eventos e ideologias, tudo é “construído” de forma a direcionar o imaginário. A realidade costuma ser bem mais complexa e a cor dominante é o cinza, não o preto-e-branco ou mutiicolorida.

Foto Ernesto Geisel e o presidente romeno Nicolae Ceaușescu, durante visita do ditador romeno ao Brasil em 1975. Pragmatismo é o nome do jogo.

Quando se trata dos grande eventos e figuras históricas, o nome do jogo quase sempre é “pragmatismo”. Idealismo sem elevadas doses de realismo é pura fantasia e irresponsabilidade, especialmente para lidar com política e relações internacionais.
Peguemos alguns casos para exemplificar.
No auge da Guerra no Vietnã, em 1968, o establishment americano resolveu se aproximar da China comunista, como forma de provocar uma divisão no bloco de apoiadores do então Vietnã do norte. Os efeitos secundários dessa manobra foram tão grandes que mudariam o futuro do mundo. E esse movimento foi feito pela administração de um dos presidentes americanos mais anticomunistas da história dos EUA, Richard Nixon. Ou seja, ideologia em segundo plano, o que conta é a reapolitik.
Josef Stalin, o homem que usou como nenhum outro o terror para alavancar um projeto de nação autárquica, sem nunca perder de vista a agenda de subversão externa e, como é notório, foi um dos grandes líderes da história do comunismo.

Pois Stalin nunca se opôs a acordos econômicos com americanos, italianos e alemães, todos governados por regimes anti-comunistas, nos anos 1930, manobra que foi fundamental para o grande salto de industrialização da URSS. Stalin também nunca fechou as portas para a possibilidade de um acordo com o regime da Alemanha nazi, mesmo no auge da guerra, em 1942-43, após dois anos de terríveis combates que arrasaram a Rússia ocidental e custaram as vidas de milhões de russos.

O ditador soviético entendeu que, sem vantagens estratégicas – territórios, acordos geopolíticos, supremacia em regiões-chave -, manter a guerra a qualquer preço seria um desastre para a URSS. O nome do jogo para Stalin sempre fora pragmatismo, bem diferente de seu feroz inimigo dos tempos da guerra, o führer alemão e senhor do Terceiro Reich, que agia como um jogador de pôquer inveterado que não sabia quando parar, apesar de ter cartas muito ruins na mão, comportamento que foi a ruína da Alemanha.
Gamal Nasser, o líder egípcio, dono de uma forte retórica anti-imperialista, defensor das guerras de libertação no continente africano nos anos 1950-60 e ícone do pan-arabismo, manteve contatos com os americanos por muito tempo, inclusive dependendo de remessas de cereais do ocidente para equilibrar o mercado interno egípcio, carente de recursos alimentares.

Apenas quando os soviéticos deram garantias sólidas que compensariam materialmente o Egito, o regime nasserista se aproximou de forma mais intensa de Moscou, embora nunca fechasse as portas para os contatos com os EUA, tendo em vista a grande influencia dos americanos sobre o poderoso inimigo dos regimes árabes, Israel. Aqui, mais uma vez, a prática não segue exatamente o discurso.
Cito esses exemplos, mas há muitos outros, como por exemplo, os rasgados elogios que Churchill fez por muito tempo ao líder italiano Benito Mussolini, que também teve seus méritos como líder político reconhecidos por Leon Trotsky.

O próprio regime militar brasileiro entre 1964-84, tão defendido por uns e criticado por outros, teve no pragmatismo ideológico sua marca registrada. Último período da história nacional onde o país teve uma política de estado-nação, era anticomunista e anti-cubano, mas manteve boas relações com a URSS e o bloco comunista do leste europeu, como parte da busca por saídas diplomáticas para problemas econômicos sérios, sobretudo após a crise do petróleo de 1974.
Em resumo: retórica e ideologia podem servir para mobilizar massas, conquistar mentes e fazer propaganda. Mas se forem levadas até as últimas conseqüências, sem o suporte de pragmatismo e objetividade, invariavelmente levam ao esgotamento dos regimes e figuras públicas que as usam.
Mais um, prometo que é o último por hoje, hehehehe. Fica ao seu critério como sempre.


PAULO VINÍCIUS DINIZ

EDITOR ADJUNTO


Formado em História, com especialização em história militar, há duas décadas trabalha na iniciativa privada na área de educação, informação e pesquisa. Mantém o site e o canal Geo Smart News, dedicado a analises geopolíticas e históricas, além de organizar e ministrar cursos através do Instituto Logos & Clio e Analista do canal História Militar em Debate.