Os militares dos EUA já governam o seu país?

Charge do Izânio, reproduzida de Altos Humor

Autor- Peter de Mambla (PdM) para  Plano Brasil.

Tradução e edição- E.M.Pinto

 

O mundo foi lança em uma tremenda confusão enquanto todos tentam chegar a um acordo com o significado e a implicação da presidência Trump. De repente, todas as verdades estabelecidas na ordem mundial pós-Segunda Guerra Mundial parecem como se estivessem prestes a ser surpreendidas pelos vendavais do tornado Trump. A OTAN tem futuro? Será que a importantíssima Aliança Transatlântica será dividida? A América decidiu abandonar seu histórico papel de liderança para se concentrar e retornar ao isolacionismo? O que está acontecendo? E quais são as implicações para o Brasil?

Uma melhor compreensão do que está acontecendo pode ser obtida olhando por trás das cortinas e olhando nos bastidores para ver o que realmente está a se passar. Ou, mais realisticamente, dada a falta de acesso, pode-se procurar fazer suposições com base nas pistas disponíveis.

Uma coisa que se tornou particularmente evidente desde a presidência de Donald Trump é a ideia ou a percepção de que existe um estado profundo que opera em segundo plano, independentemente de qual administração está no poder. É a burocracia militar e de inteligência permanente que detém muito poder nos bastidores sobre a direção a qual o país tomará. Um dos exemplos mais óbvios de um estado profundo em ação foi visto na rede Ergenekon na Turquia, que detinha um poder significativo ao longo de muitas décadas.

Mas o que está se tornando evidente, especialmente desde a presidência de Trump, é que o estado profundo não é monolítico e é constituído por diferentes facções. Seria ingênuo acreditar que Trump é apenas um indivíduo que simplesmente se tornou presidente em vez de alguém com uma sofisticada rede de apoio de estado profundo que o apoia e protege. Esta rede pode inclusive ter  agido em coordenação com os russos para alavancar sua eficácia.

A rede mais conservadora e estabelecida pode ser assumida como tendo prevalecido desde o período do pós-Segunda Guerra Mundial até a queda do comunismo e o início do momento unipolar americano. Essa facção representa basicamente o establishment anglo-americano, manifestado em organizações como o Conselho de Relações Exteriores, a Comissão Trilateral e o Grupo Bilderberg. Tem-se a impressão de que havia um amplo consenso entre as elites dominantes ocidentais sobre a direção geral que deveria ser tomada durante a Guerra Fria, apesar de exemplos óbvios de lutas internas entre facções, como ficou evidente com o assassinato do presidente John F. Kennedy.

No entanto, após o fim da Guerra Fria, uma nova facção procurou explorar o momento unipolar da América e colocou a América em um rumo diferente. Essa era a facção neoconservadora, fundada por antigos trotskistas que estavam dispostos a reformular a ordem mundial através da força militar, dado que a União Soviética não mais se interpunha no caminho.

Eles procuraram se concentrar particularmente no uso do poder militar americano para eliminar ou neutralizar os inimigos de da única democracia do Oriente Médio de uma vez por todas. Eles foram bem-sucedidos nesse empreendimento, embora nunca tenham tido a chance de lidar adequadamente com o Irã. O general Wesley Clark, antigo Comandante Supremo Aliado da OTAN Europa, notoriamente revelou o plano dos neoconservadores de destruir sete países do Oriente Médio e Norte da África no espaço de cinco anos.

Antes que os neoconservadores pudessem eliminar seu alvo mais importante, o Irã, a facção mais dominante mencionada acima conseguiu o controle executivo do governo. Essa luta nos bastidores foi destacada no incidente de 2007 envolvendo um bombardeiro B-52  armado ilegalmente com seis mísseis de cruzeiro com armas nucleares que tentaram fazer um vôo não autorizado para o Oriente Médio a partir da Base Aérea de Minot antes de serem detidos a tempo Base da Força Aérea de Barksdale ( Clique para saber mais sobre este incidente   numa matéria do Washington Post).

O incidente foi evidentemente apresentado como uma espécie de acidente inocente, mas representou a última tentativa desesperada dos neoconservadores de acabar com o Irã por meio de um ataque furtivo. Deste ponto em diante, a presidência de Bush era um “pato manco”, apenas mantendo o poder formalmente, até que a facção principal confirmou seu retorno ao poder através da presidência de Obama.

Enquanto os neoconservadores se concentravam na reorganização do Oriente Médio, a Rússia usava esse tempo para estabilizar-se durante a primeira presidência de Putin e a China continuou calmamente seu crescimento meteórico. Em 2008, a Rússia estava preparada para não recuar contra os Estados Unidos na Guerra Russo-Georgiana, com Putin sinalizando a intenção da Rússia de desafiar a ordem mundial unipolar em seu discurso em Munique em 2007.

Não há dúvida de que a facção dominante do establishment anglo-americano estava exasperada com as ações dos neoconservadores, que permitiram que o espaço vital da Rússia se recuperasse a um ponto em que pudessem novamente desafiar os Estados Unidos. Em vez das divisões de tanques que os neoconservadores teriam preferido, o Oriente Médio continuaria a ser reformado, mas desta vez com uma pegada mais leve, confiando mais em forças especiais, drones e a Primavera Árabe, uma forma mais violenta de “revolução colorida” pautada no uso de terroristas islâmicos para desestabilizar os alvos.

Os países seriam, naturalmente, trazidos à Rússia e à China, dois países que têm a capacidade de desafiar a ordem mundial unipolar dos EUA. A Rússia seria desestabilizada através da Ucrânia e haveria um pivô geral americano em direção à Ásia para conter a ascensão da China.

… E então Trump apareceu e tudo foi jogado no caos. Ambas as facções conservadora e neoconservadora são fáceis de identificar e é relativamente fácil identificar seus objetivos mais amplos. Mas é muito difícil identificar quem ou o que está por trás de Trump.

Que existe uma facção do estado profundo, bem como poderosos interesses por trás dele, há poucas dúvidas. Um “reles mortal” não se torna simplesmente um presidente dos Estados Unidos exatamente assim. Mas essas forças facilitadoras estão muito na sombra e são difíceis de se delinear com clareza. Uma filosofia orientadora que tente explicar o fenômeno Trump, deve inclinar as pessoas primeiro a olharam para Steve Bannon, mas ele não durou muito tempo na administração. Qualquer filósofo que ele tenha oferecido parecia apelar para a tensão isolacionista que sempre existiu na história americana, além de oferecer indícios de nativismo e nacionalismo branco.

Mas, além do embasamento filosófico obscuro de Bannon, parece que ninguém sabe realmente o que Trump vai fazer, ou o que seus atores coadjuvantes pretendem que ele faça. As facções conservadoras e neoconservadoras do estado profundo concentraram-se em dirigir sua fúria contra a Rússia, enfurecidas com o fato de que os russos poderiam ter interferido tão descaradamente em seus processos políticos, parecendo ter se articulado com uma facção para ajudar a eleger Trump.

Quem parece fornecer alguma visão sobre a parte do estado profundo que está por trás de Trump é a figura de Steve Pieczenik. Ele é uma figura significativa na comunidade de inteligência dos EUA, que afirma, entre outras coisas, ter desempenhado um papel significativo na derrubada da União Soviética, além de ajudar a garantir que a África do Sul passasse suavemente da minoria para a maioria após o término do Apartheid.

Durante a administração Obama, ele apareceria na estação de rádio Alex Jones queixando-se do governo Obama e dos neoconservadores, parecendo ser a voz dos generais americanos insatisfeitos com todas as guerras que precisavam combater quando o interesse nacional dos EUA não era a subsequente super-representação de generais recém-aposentados (ou mesmo de um general que atua no caso do Assessor de Segurança Nacional HR McMaster) parece sugerir que os generais pelos quais Pieczenik falou, assumiram o comando do ramo executivo do governo. Na verdade, Pieczenik sugeriu que um golpe silencioso havia sido empreendido por esses generais e suas facções de apoio dentro da comunidade de inteligência dos EUA (obviamente em coordenação com os russos).

Embora possa ser difícil imaginar um golpe militar ocorrendo nos Estados Unidos ( “silencioso” ou “furtivo”, conduzido através de um processo eleitoral, uma tentativa pouco conhecida de conduzir um tipo mais tradicional de golpe foi feita em 1933 contra o Presidente Franklin D. Roosevelt. Conhecido como o Business Plot, os ricos interesses de Wall Street tentaram levar o general aposentado altamente condecorado Smedley Butler para liderar o golpe, mas ele informou as autoridades e deu depoimento ao Congresso.

Qualquer que seja a realidade por trás de Trump, o que está claro é que estamos passando por algumas mudanças muito significativas, com os militares dos EUA parecendo cansados ​​de obedecer às ordens para lutar contra essas intermináveis ​​guerras em nome dos neoconservadores ou da representação de facções de Obama e Clinton. Algumas dessas operações militares poderiam facilmente se tornar nucleares, especialmente quando confrontadas com a Rússia.

O que isso significa para o Brasil?

…é difícil de dizer…

Americanos e europeus assim como muitas outras pessoas não sabem o que isso significa para eles. Curiosamente, o Brasil está em processo de passagem por seu próprio processo de mudança de época, e muitos brasileiros clamam para que os siloviki brasileiros intervenham e assumam o governo. (Os americanos parecem ter mostrado como isso pode ser feito em silêncio.) Com um governo menos ideologicamente hostil aos Estados Unidos, estamos vendo mais cooperação militar mutuamente benéfica, como a compra de obuseiros americanos autopropulsados ​​M109 a preço modesto. A possível compra americana de Super Tucanos brasileiros (o contrato já havia sido adjudicado antes de ser disputado por um licitante rival e suspenso) e a possível compra dos brasileiros de helicópteros de ataque  Bell Cobra, e assim por diante…

Além disso, existe a possibilidade de cooperação espacial entre os dois países. A ordem mundial multipolar significa que o Brasil pode usar as outras potências emergentes para equilibrar a influência e o poder dos Estados Unidos. Isso significa que os americanos estão encorajados a tentar conquistar o Brasil, em vez de agir de maneira arrogante, que procura fortalecer os que considera estar em seu próprio quintal. Isso pode somente ser uma coisa boa…

O Brasil é um país ocidental e, portanto, tem afinidades naturais com os Estados Unidos. Mas o Brasil também é um país em desenvolvimento cujos interesses são mais bem servidos por meio de um mundo multipolar do que unipolar. Não faz sentido atrair a ira dos americanos sendo tão anti-ianque quanto os venezuelanos, já que os americanos ainda têm a capacidade de tornar a vida muito difícil para os que moram em seu próprio quintal. Mas, se o Brasil quiser realizar seu potencial, não há sentido em contentar-se em permanecer indefinidamente como lacaios dos Estados Unidos.

Um equilíbrio delicado terá que ser mantido entre o mundo unipolar existente (mas moribundo), e o emergente mundo multipolar do qual o Brasil pode exercer uma significativa participação. O Brasil está navegando em mar agitado. Pode ser um pouco de conforto saber que todo mundo está navegando nas mesmas águas agitadas. Todo mundo vai ter que segurar firme.


Sobre o Autor- Peter de Mambla é  bacharelado em ciências políticas pela Universidade Monash- Victoria, Austrália. Analista e escritor de assuntos relacionados às políticas e sociais e relações internacionais em sites de notícias dedicados a combater a narrativa da grande mídia em relação à Rússia e ao mundo multipolar.

 

2 Comentários

  1. Com todo o respeito mas poucas vezes na vida li tanta sandice! Quando li que “neoconservadores são ex-trotskistas convertidos” já pude vislumbrar o FEBEAPÁ (quem não sabe o que é pesquisem Stanislaw Ponte Preta no Google) que viria! E quando fez reiteradas menções ao assim chamado “Estado Profundo” que governaria de fato os EUA (delírio preferido de 10 em cada 10 conspiracionistas de extrema-direita ou de esquerda) e também aos Bildebergers como atores ocultos tive certeza! Só faltou falar nos reptilianos! No final é apenas e tão somente mais um manifesto em prol do “mundú multipolá” que é de extremo agrado do crápula do Kremlin e de incautos ou mal intencionados tupiniquins como o ex-chanceler Megalonanico

  2. Não consigo vislumbrar tanto poder assim do chamado ‘complexo militar’ norte-americano no pós-Guerra Fria, tendo em vista que, mesmo que a Rússia não tenha se convertido ‘integralmente’ ao capitalismo, a verdade é que ela passa de uma forma ou de outra a jogar pelas regras do capitalismo, algo que o verdadeiro grupo que domina o establishment norte-americano, o pessoal de Wall Street, quer. Só faço menção a Rússia, pois o outro ‘adversário’, a China, há muito já se decidiu pelo capitalismo tão logo Mao morreu e não há verdadeira razão em combatê-los, visto que os chineses trazem um ‘dote’ interessantíssimo para adentrar ao clube capitalista: ter 1.5 bilhão de consumidores, kkkkk. Esse é o verdadeiro ‘exército’ do século XXI e não porta-aviões CATOBAR, STOLBAR ou caças stealth ou quaisquer outros brinquedinhos desta natureza, até porque a humanidade se ‘decidir’ a presenciar uma guerra com proporções a das duas guerras mundiais do século XX, precisaria ultrapassar uma barreira ‘psicológica’ que, sinceramente, não sei se a sociedade (o establishment) – governos, cidadãos, militares e demais instituições – estaria decidido a cruzar: o uso de armas nucleares…
    Todo o texto acima, apenas, teoriza o futuro do Hemisfério Ocidental, mas o ‘centro gravitacional’ do mundo geopolítico no século XXI, recai sobre a Ásia, isto é, é claro que o Ocidente não deixará de ter sua importância no mundo, mas depois de quase meio milênio é Ásia, entenda-se a China, que dará as cartas no mundo. Assim como o século XIX foi da Europa, o século XX dos EUA, o atual será dos chineses. Quer os ocidentais, gostem ou não.

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