Continuidade de Assad no poder é símbolo de vitória para o Kremlin. Agora, porém, é hora de se retirar da Síria para não ficar no centro de um confronto entre Arábia Saudita e Irã, opina jornalista Konstantin von Eggert.
Assad se encontra com Putin em Sochi
O êxito do Kremlin – temporário, talvez, como costuma ser no Oriente Médio – surpreende muitos, inclusive o próprio autor destas linhas. Esse sucesso se deve, em primeira linha, à fraqueza dos EUA, que sob o governo de Barack Obama se retirou de fato da região.
Putin é um oportunista, um mestre quando se trata de preencher o vácuo político. Ele desenvolveu e implementou o conceito de Yevgeny Primakov [diretor da inteligência estrangeira russa, ministro do Exterior e primeiro-ministro sob Boris Yeltsin] sobre uma cooperação estratégica com o Irã.
Consta que o falecido Primakov acreditava que o programa nuclear iraniano não era um perigo para a Rússia. Sua tese era de que, caso o regime fundamentalista arriscasse um conflito com Moscou, no lugar de Teerã restaria uma grande cratera produzida por uma explosão. Vendo de outra forma, o regime fortemente antiamericano no Irã está em linha com os interesses do Kremlin: provocar o maior número de problemas possíveis para os odiados americanos.
Em três anos, o Kremlin ajudou os mulás de Teerã a realizar o sonho do aiatolá Khomeini – criar uma região controlada pelo Irã, de Bagdá a Beirute. O regime alauita do ditador Bashar al-Assad é uma peça-chave na esfera de influência iraniana. Depois de uma tomada de poder na prática no Líbano, este mês, pelos agentes de Teerã – o grupo islâmico Hisbolá –, o Irã pode falar de uma grande vitória geopolítica.
Então, por que Putin falou, ao receber Assad em 21 de novembro em Sochi, de um fim rápido da fase militar da missão na Síria, assegurando que somente permanecerão no país os militares russos necessários para garantir a funcionalidade e a segurança das bases em Tartus e Latarkia?
Não é a primeira vez que o presidente russo anuncia uma redução de contingente. Ainda não se sabe se a prometida retirada vai realmente acontecer. Sem o forte apoio aéreo russo, as forças fiéis a Assad não são muito eficazes.
Mas, na realidade, parece-me que Putin quer reduzir o papel da Rússia na região para não estar no centro de um futuro confronto entre a Arábia Saudita e o Irã. Além disso, contra Israel, que pode se aliar à Arábia Saudita. Os laços entre os dois países estão se fortalecendo. Sob o governante de facto do reino saudita, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que é fortemente anti-iraniano, fala-se de um possível estabelecimento de relações diplomáticas com Israel. Os sauditas e os israelenses não fazem nenhum segredo de que veem Teerã como um perigo existencial.
Moscou não quer tomar partido nessa disputa, mas Assad também não pode ser abandonado. A sua continuidade no poder é o principal símbolo da vitória do Kremlin e da transformação de Putin num líder informal de uma coalizão antiamericana de regimes autoritários. É justamente por isso que Putin foi o primeiro líder russo da história a receber um rei saudita em Moscou. O Kremlin procura melhorar suas relações com os sauditas, antes que os EUA “retornem” ao Oriente Médio e desafiem o Irã, ao lado de israelenses e sauditas.
Há também razões políticas internas para o anúncio do fim da operação síria, mesmo que, na realidade, isso ainda esteja muito distante. Primeiro, aumentou a necessidade de anunciar uma “vitória” antes das chamadas “eleições presidenciais” na Rússia em 2018. Em segundo lugar, as finanças estatais não estão nas melhores condições e é melhor economizar. Em terceiro lugar, Putin quer se concentrar em outras áreas – a Ucrânia, a resistência contra novas sanções e a manutenção do controle político sobre a própria Rússia.
Putin quer sair da Síria como vencedor. Mas não haverá solução política e uma guerra civil é possível a qualquer momento. Com a ajuda dos EUA, os curdos poderão proclamar seu próprio Estado. Ou a atuação agressiva do Irã poderá levar Israel a ações resolutas.
Konstantin von Eggert
Depois de se aliar ao regime em Teerã, o Kremlin terá que compartilhar com esse não somente as vitórias, mas também as dificuldades. A reunião em Sochi não é um ponto, mas uma vírgula na política de Moscou para o Oriente Médio.
- Konstantin von Eggert é comentarista e moderador da emissora independente de TV russa Dozhd.
Fonte: DW
Prezados
cenas dos conflitos que perduram na região do Oriente Médio vão se revelando aos poucos…
O próximo período de tensão deve se o confronto cada vez maior entre o Irã e os poderes árabes e seus parceiros…
As relações já difíceis entre os sunitas e os xiitas tem causado mais e mais medo ultimamente no Oriente Médio. O que faz pensar sobre a questão do quão provável é a superação da hostilidade política e religiosa em detrimento de verdadeiros conflitos armados.
Para os desavisados, vai aqui um alerta, o mundo árabe continua a revelar eventos que marcam o nascimento de uma nova realidade na região. A noite de 4 para 5 de novembro último, foi verdadeiramente reveladora, pois ali foram assentando as bases para mudanças profundas, tanto individualmente nos países do Oriente Médio como nas relações entre eles.
Em primeiro lugar, estamos falando de purgas maciças nas elites políticas do Reino da Arábia Saudita. Em 4 de novembro, o Rei Salman da Arábia Saudita ordenou a criação do Comitê Anti-Corrupção Superior, liderado por seu filho, Príncipe Herdeiro Muhammad. Sob sua mão de ferro, literalmente , em poucas horas, mais de 200 altos funcionários do reino foram detidos. Incluindo até representantes da casa dominante(11 príncipes da casa As-Saud), incluindo o homem mais rico do país, al-Walid bin Talal.
Uma operação “anticorrupção” sem precedentes na Arábia Saudita foi percebida no mundo como nada mais do que uma maneira sofisticada de conduzir purgas políticas . Como vocês sabem, o rei Salman, de 81 anos, está pensando em transferir o poder para o filho Muhammad, que é conhecido por sua rigidez em relação a oponentes reais e potenciais. Pois bem, agora, ele concentrou em suas mãos o controle sobre o bloco de poder do país e determina completamente sua política externa. Agora, após a supressão de outros candidatos possíveis para o trono por prisão, ele se sente um mestre completo da situação já que dita também a esfera da economia e das finanças do reino.
Os purgos iniciados pelo Príncipe Herdeiro e Ministro da Defesa da Arábia Saudita Mohammed bin Salman mostram que a sua posição na política do reino foi reforçada.
Em particular, neutralizar a oposição dentro da casa real de Al-Saud permitirá que o príncipe continue perseguindo sua política externa agressiva e intervencionista. Isso afeta diretamente a estabilidade regional no Oriente Médio. O príncipe Mohammed é um dos “falcões” em matéria de confronto geopolítico regional com o Irã. Consequentemente, o fortalecimento do poder de Mohammed bin Salman lhe dará uma “luz verde” para escalar o confronto com o Irã através de vários teatros de operações militares: Síria, Iêmen, Catar, Líbano, Iraque…
Aqui chegamos a outros dois eventos importantes da notória “noite das revelações”. Em primeiro lugar, é o ataque ocorrido contra a capital saudita Riad, pelo míssil balístico Burkan 2-H (modificação dos foguetes tipo Scud) do território do Iêmen, controlado pelas forças pró-iranianas. O reino percebeu isso como um ato de agressão por parte do Irã, que, de acordo com os sauditas, fornece aos militantes yemenitas armas e mísseis. O bombardeamento da capital, apesar de neutralizado pelas forças de defesa aérea, representou um grande risco para a vida de mais de 5 milhões de pessoas.
Em segundo lugar, em 4 de novembro, outra novidade alarmante chegou de Riad. O primeiro-ministro libanês Saad Hariri, que chegou na véspera à capital saudita, em uma entrevista televisiva endereçada a nação, anunciou sua renúncia. O motivo de sua partida do cargo, ele informou ser a interferência do Irã nos assuntos internos de seu país. Incluindo a presença de ameaças de morte contra ele. Como os amigos devem saber, em fevereiro de 2005, durante a explosão de um carro-bomba, seu pai, ex-primeiro-ministro do Líbano Rafik Hariri, morreu. Mais tarde, o ministro da Arábia Saudita para os Assuntos do Golfo Árabe, Samer Al-Sabhan, disse que seu país pretendia tratar o Líbano como um estado que declarou guerra ao seu país. Ele insinuou que a organização terrorista libanesa Hezbollah, apoiada pelo Irã, estava preparando ações anti-Saud, incluindo ataques terroristas. Como resultado , Riad, apelou a seus súditos com urgência para deixar o Líbano . Os sauditas inclusive foram seguidos por outros países aliados(Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, bem como o Kuwait).
E, como se mostra, não em vão. Aqui no Brasil, nem ficamos sabendo por vezes essas coisas, porque a nossa mídia nada informa sobre, mas, em 10 de novembro, um oleoduto explodiu no Bahrein, os perpetradores do bombardeio em Manama foram chamados sabotadores agindo sob instruções de Teerã de acordo com informações… Há vários exemplos de confronto indireto entre países sunitas e o Irã xiita. Isso leva ao surgimento de alianças não tradicionais no Oriente Médio…
Um dos rostos incomuns da mudança do Oriente Médio é a crescente união entre Israel e a Arábia Saudita. O crescimento da compreensão mútua entre dois países tão diferentes é causado pela presença de um inimigo comum, que é o Irã. Para contrariar este país, é planejada a criação de uma “OTAN do Oriente Médio”, que unirá os países árabes da região e Israel. De acordo com informações, esta união foi aprovada em Washington durante a visita de Donald Trump a Riad em maio deste ano. Ainda de acordo com esses informes, foi no interesse de materializar a aliança de sunitas e israelenses que Trump anunciou em outubro uma nova estratégia anti-iraniana para Washington.
Ao que parece a Casa Branca escolheu o curso da escalada do confronto com o Irã, revivendo a imagem antiga do inimigo na pessoa de Teerã. Após Barack Obama, que foi autor da reconciliação com o Irã e assinou o acordo nuclear de 2015, Trump decidiu modificar tudo em um giro de 180 graus. Os EUA voltaram a reviver a retórica anti-iraniana e chamaram o país “o principal patrocinador do terrorismo”. Como resultado da reversão da política dos EUA, o conflito entre o Irã e a aliança saudita-israelense também aumentou.
Israel e o Irã têm sido inimigos geopolíticos desde a muito tempo. Israel de certa forma como uma fortaleza dos Estados Unidos no Oriente Médio forma um obstáculo no caminho do Irã para a liderança regional. Além disso, não podemos jamais nos esquecer que a liderança iraniana várias vezes publicamente anunciou sua intenção de destruir o Estado de Israel…
No contexto do confronto entre o Irã e o “grupo Israel-EUA”, oficialmente Teerã lançou seus programas de mísseis e nuclear. Eles se tornaram uma ameaça real para a segurança nacional de Israel, uma vez que os mísseis balísticos, equipados com ogivas nucleares, poderão dar ao Irã o “trunfo” com o qual buscam contar. Agora, Israel é o único país com armas nucleares, embora não reconheçam isso. A presença de mísseis com capacidades nucleares no Irã iria violar esse equilíbrio e hipoteticamente elevar o Irã ao patamar de líder regional do Oriente Médio.
Segundo alguns informes, há no momento uma aliança militar tácita entre Israel e a Arábia Saudita formada apenas para travar a guerra contra o Irã.
Seu objetivo final é a expulsão da influência iraniana de vários países, que ocorreu nos últimos anos como resultado de conflitos regionais. Estes são a Síria, o Iraque, o Líbano, o Catar. Após a derrota real da Arábia Saudita na guerra na Síria, o Irã reforçou acentuadamente a sua posição neste país e tornou-se uma ameaça direta para as fronteiras de Israel. E o conflito diplomático entre o Catar e a Arabia Saudita contribuiu para o fortalecimento do Irã em relação a um dos aliados mais próximos de Riad, e a aproximação do Catar com a Turquia é vista como base em confrontar as ambições da Arábia Saudita.
Agora, a Arábia Saudita está tentando “lutar” com o Irã novamente, mas já em um novo campo de batalha. Desta vez, o Líbano foi escolhido. A demissão do primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, segundo consta dirigida em Riad e apoiada em Israel, catalisou a crise política no país e provocou rumores de uma possível guerra entre o Irã e a Arábia Saudita no Líbano.
Na verdade, Israel, neste contexto, atuaria como um “franco-
atirador”, com uma força psicológica impressionante no confronto com o Irã. O alvo, por sua vez, atua através do movimento xiita leal a eles,o Hezbollah. Este por sua vez, está baseado nas montanhas do Líbano perto da fronteira com Israel, o que incomoda Tel Aviv. O estado de Israel há muito tempo sonha em livrar-se destes militantes em suas fronteiras e empurrá-los para o norte, destruindo suas principais bases no Líbano.
Na verdade, em principio, as estratégias de Teerã realizaram um trabalho significativo, que já trouxe frutos nada magros. O apoio dos iranianos a seus irmãos xiitas nos países sunitas do mundo árabe, inclusive nas fronteiras de Israel, está se tornando cada vez maior e fortalece as posições do Irã nos campos do tabuleiro de xadrez regional…
O fortalecimento do Irã no Oriente Médio ameaça diretamente os interesses geopolíticos de Israel e da Arábia Saudita. Esta se vê oprimida pelo fracasso da sua intervenção no Iêmen e do emaranhamento há que está sendo submetido a partir daí, a perda da guerra na Síria, a emasculação da ideia de um “referendo curdo”, o colapso de sua “blitzkrieg” no Catar. Tudo isso em principio tornou o Irã mais forte e permitiu que ele se apoiasse nos países que cercam a Arábia Saudita e que poderiam futuramente incomodar também Israel.
Segundo consta o Irã hoje, controla a Síria, o Iraque, o Líbano, o Iémen e parte do Catar.
Agora vejamos, Ancara, ex-aliada da Arábia Saudita, iniciou aproximação com o Irã no âmbito da cooperação trilateral – Rússia-Irã-Turquia – na Síria e contra os Curdos. Outro aliado de Riad(Jordânia), retirou-se dos acontecimentos na Síria devido aos grandes custos econômicos e ao fracasso real dos programas da CIA para financiar militantes sírios, afinal, eles próprios começaram a ameaçar a estabilidade em Amã. O Egito, embora dependente da Arábia Saudita, não é um fantoche totalmente controlado. Tudo isso ameaça os interesses nacionais da Arábia Saudita e evidentemente de Israel, que precisam fazer evoluir uma nova estrategia para restituir o equilíbrio de poder na região e, possivelmente, obter certos “bônus” da situação que ajudarão a derrubar o Irã e enfraquece-lo, sem permitir que este, finalmente possa aproveitar o poder na região…
Portanto, para melhorar de alguma forma suas posições, os sauditas querem envolver Israel no jogo do seu lado. Mas Tel Aviv provavelmente não iniciará uma operação militar em grande escala na Síria.
Todo o poder se concentrará no Líbano. Além disso, a idéia de intervenção na Síria não receberia apoio dos EUA, e a derrota do exército sírio perto das Colinas de Golan poderia comprometer o próprio Israel. Isto é devido ao fato de que o território em torno desta região é controlado por elementos da al-Qaeda que rapidamente preencheriam o vácuo de poder e seriam mais ameaçadores para Tel Aviv do que o atual governo sírio que, nescessariamente não carrega uma ameaça militar a Israel, especialmente após a eliminação do arsenal químico em 2013.
O que se observa é que, se, uma nova guerra começar, com certeza terá sombras iraniana e saudita, esta com apoio dos EUA, e provável apoio de Israel. Será a guerra clássica por procuração. Isto é, uma guerra entre estes países, no território de países satélites. Esta tem sido a maneira mais comum de travar as guerras desde há muito tempo…
Por exemplo, se a guerra no Líbano começar, imagino, será limitada com a participação de unidades irregulares e através de guerrilha e métodos terroristas. Israel é capaz de usar um contingente militar limitado para eliminar alvos terrestres nas regiões montanhosas do Líbano. Eles também podem levar a cabo ataques aéreos contra alvos chave. A Arábia Saudita é capaz de criar e equipar a milícia sunita no Líbano. O Irã, por sua vez, atuará através dos destacamentos do Hezbollah através de sabotagem, explosões e assassinatos com um contingente limitado de suas unidades de elite da Síria.
Grato
Valeu mesmo pela explicação complementar