Editorial: Simplesmente J-20

Com anúncio oficial proferido pelo porta-voz do Ministério da Defesa Chinês, Coronel Wu Qian, o caça furtivo, J-20 entrou em serviço operacional na PLAAF.

E.M.Pinto

 

Com anúncio oficial proferido pelo porta-voz do Ministério da Defesa Chinês, Coronel Wu Qian, o caça furtivo, J-20 entrou em serviço operacional na PLAAF. Ele foi primeiramente apresentado na rede mundial por meio de fotos do protótipo em baixa definição, lançadas ainda em 2010, as quais careciam de confirmações de autenticidade e só em 2011, quando público foi tornado um vídeo amador do seu voo a partir do aeródromo de Huangtianba, é que o mundo veio conhecer o mais novo produto da indústria aeroespacial chinesa.

Com o anúncio desta semana, o caça chinês tornou-se oficialmente operacional, consagrando-se como o primeiro vetor furtivo fora do Estados Unidos a entrar em operação. Este legado segue os feitos históricos alcançados pelo caça furtivo, F-117 “Nighthawk”, pelo bombardeiro B-02 “Spirit”, pelos caças F-22 “Raptor”, F-35 “Lightning” e pelo não oficialmente declarado MH-X “Ghosthawk”, aeronaves desenvolvidas e produzidas pelos Estados Unidos, que, até então, usufruíam do monopólio no domínio tecnológico de plataformas, digamos, 100% furtivas. Para espanto de todos, apenas seis anos após o voo oficial do primeiro protótipo, o J-20 tornou-se operacional e apimentou os debates nas redes sociais e mídias especializadas.

Normalmente, são feitas inferências quanto à capacidade real e maturidade do programa. Pode-se, de uma maneira simplista, resumir tais pensamentos com as seguintes perguntas, cujas míticas das afirmações equivocados carecem de explicações:

 

 Seria o caça chinês uma aeronave de qualidade tendo tem pouco tempo para o seu desenvolvimento?

 

Primeiramente o programa J-20 não surgiu em 2010 ou 2011 e sim resulta de diversos programas menores iniciados ainda na década de 1990, altura em que o PLA decidiu-se pelo desenvolvimento de um vetor multifunção de alto desempenho.

A qualidade da aeronave só será conhecida ao longo de sua história operacional, até lá ficam os registros de seus fabricantes e de seus adversários. Atualmente esta resposta só pode ser dada aos B-2 e do F-117, os únicos vetores oficialmente testados em combate. Não foram tornadas públicas informações de perfis de combate ar-ar dos demais F-22 e F-35 embora não seja segredo que o Raptor já efetua, há anos, operações sobre o Oriente Médio e outras regiões.

Porém, na história da humanidade e, mais especificamente, da aviação, nunca se provou o contrário de que há evolução em projetos mais novos em relação aos seus predecessores. Seria demasiadamente esdrúxulo acreditar que o vetor chinês não possuiria a capacidade para enfrentar o cenário pelo qual ele foi projetado, nem mesmo que este não teria vantagens sobre seus oponentes projetados duas ou três décadas antes.

A evolução dos sistemas construtivos, eletrônica e armas possui um caminho bem definido que apontam para isto. Por outro lado é também imprudente acreditar que um caça que acaba de entrar em operação já supere plenamente seus oponentes, e esta regra é válida para todo e qualquer vetor independente de sua procedência.

Todo e qualquer programa avança para o seu período de maturação, que prevê melhorias constantes na célula, aviônicos e armas, mas o principal fator a ser desenvolvido aqui, certamente é o humano. Preparo, desenvolvimento de doutrina e respostas aos movimentos do adversário (que não fica parado) são os fatores que contribuirão para responder a esta pergunta que, em minha opinião, está em aberto.

O J-20 acabou de entrar em operação e tem um longo caminho, de pelo menos uma década, para sua maturação. Seria exigir demais dele e de seus operadores o índice de prontidão e aptidão desenvolvido pelos americanos em suas experiências de décadas e em diferentes cenários de operações de seus vetores furtivos.

 

Os chineses são tão bons assim que conseguem fazer em seis anos o que os Estados Unidos demoraram décadas para desenvolver?

 

É presumível, pois o poder computacional para o projeto e a curva de aprendizado construída sobre a experiência de quem deu os primeiros passos é algo inegável.

Recorde-se, também, que o caça só veio a público após uma campanha de comunicação de massa do Exército de Libertação Popular (PLA), que transformou o J-20 na vedete tecnológica da China ao exibir cada passo da evolução do programa no lançamento de cada protótipo ao longo dos últimos anos. Esta estratégia inédita do PLA visava marcar seus feitos e demonstrar que a China estava há tempos na corrida tecnológica e que, em certas horas, encontrava-se à frente de seus adversários americanos, europeus e russos.

Em verdade, o J-20 envolve duas décadas de esforços e desenvolvimentos e não apenas seis ou sete anos como parece. Ou seja, este período refere-se apenas à fase pública do projeto. Alterações perceptíveis no nariz, dorso, tomadas de ar e nas portas do tem de pouso demonstram e um processo de refinamento progressivo. Nova cobertura radar-absorvente, um sensor de rastreamento infravermelho e um sistema de entradas de ar de fluxo dissimilar (DAS) — bem como uma série de câmeras montadas no avião que permitem que o piloto “veja” em todas as direções usando uma tela de cockpit — também são tecnologias incorporadas recentemente e que comprovam diferentes estágios de evolução do projeto.

 

Segundo a inteligência dos EUA, o J-20 estaria pronto apenas a partir de 2018. Como obtiveram tais tecnologias? Espionagem?

 

Não há dúvida que a espionagem industrial é um fator de aceleração do programa, porém negar a capacidade chinesa, cujo orçamento militar declarado já é o segundo do planeta e que deposita em pesquisa e desenvolvimento grande cifra para sua evolução, é no mínimo infantil. A evolução natural da pesquisa e desenvolvimento é vista na campanha de testes e elucida bem o passo a passo do desenvolvimento.

 À medida que cada protótipo era lançado, novos refinamentos aerodinâmicos e de equipamentos eram introduzidos, até se chegar ao modelo definitivo. Ressalte-se, porém, que apenas um protótipo voou com o motor WS-10X (teoricamente mais potente que o Al-31F russo) que ainda não apresenta (em tese) a potência declarada para seu propulsor definitivo, o WS-15. Recentemente, Qian afirmou que a aquisição dos caças russos Su-35S está atrelada a diversos projetos de colaboração em pesquisa e que o desenvolvimento de motores é um dos programas previstos na parceria.

A China não é a única a fazer uso constante de espionagem industrial. Empresas do setor, estejam elas nos Estados Unidos, na Rússia ou qualquer outro país, exercem a mesma prática e isto não é segredo para ninguém. Bobagem é atribuir este fato a apenas um ator. É de conhecimento público que os revestimentos furtivos à base de ligas de ferrite, um material radar absorvente empregado nas fuselagens do F-117 e B-2, foram desenvolvidos na Rússia, mas são largamente empregado nos vetores americanos.

De fato, além da espionagem, há de se dar crédito aos programas de pesquisa e desenvolvimento chineses, que, além de receberem grandes investimentos, envolvem cooperação nos campos de armas e radares com Israel, Rússia e Ucrânia. Somados a desenvolvimentos tecnológicos próprios, beneficiados pela sofisticação cada vez maior da indústria local, ajudaram a superar um abismo que ainda existia nos anos 1990.

 

De onde eles desenvolveram a tecnologia furtiva, ela é melhor ou pior que a americana?

 

Respondendo a esta pergunta, primeiramente precisa-se esclarecer que furtividade não se resume a apenas a um tipo de tecnologia erroneamente atribuída à “tinta da aeronave”. É necessário lembrar que proteção às ondas de radar não se resume ao revestimento. Há camadas de proteção e inúmeras estratégias para absorver e/ou refletir desordenadamente a onda. Por vezes há, pelo menos, três a quatro tecnologias aplicadas num mesmo ponto e muitas delas vão de revestimento, composição e estrutura de materiais empregados.

Comparativos com os resultados americanos são inevitáveis, o grau de furtividade é um parâmetro muito importante, porém, não é ele quem define os atrasos tecnológicos dos programas 5G.

Certamente, será inevitável que a China enfrente uma curva de aprendizado íngreme no processo de introdução dos caças de 5ª geração. Isto porque, ao contrário do que se imagina nos Estados Unidos, Rússia e China não têm problemas em desenvolver as plataformas furtivas, material, estruturas e design furtivo. O desenvolvimento do F-117, diga-se de passagem, foi pautado em estudos russos. O problema está mais na ordem prática da escala, custo de produção e cadeia produtiva, ainda sem equivalente fora dos Estados Unidos.

Materiais radar-absorventes são tecnologias já dominadas por países como o Brasil, já empregada em alguns vetores, como no A-1M que incorpora novos materiais para redução do seu RCS em seções específicas da fuselagem. Em suma, não são novidades…

Para quem se recorda, os maiores problemas enfrentados no programa F-35, que caminha para três décadas, não residem na questão “furtividade”, mas envolveram a integração, os sistemas de combate, inteligência artificial, sistemas de propulsão e de manutenção da armadura furtiva. Todos estes processos, de alta complexidade operacional, resultaram em custos proibitivos para a maioria dos países.

Referentemente ao J-20, é presumível que a China enfrentará estes mesmos problemas, com radares, sistemas de comunicação passivas que não denunciem a aeronave, motores mais potentes que lhe permitam operações mais sigilosas e, o grande calcanhar de Aquiles para todos os caças modernos, um sistema inteligente de gestão de combate que possa reduzir a carga de trabalho e orientar o piloto sobre ameaças e respostas em tempo hábil, hoje cada vez mais reduzido.

É ai que estão os desafios a serem enfrentados. Quem ver, ouvir e responder efetivamente a estas ameaças terá vantagens no campo de batalha e este será um longo caminho a ser percorrido pelos chineses.

 

Considerações do Autor

 

Antes de escrever esta matéria refleti sobre a importância e o crédito devido aos chineses pelos feitos neste e em outros programas recentes, não há como admirá-los. De fato, o grande feito e consideração a ser discutida neste momento com relação ao J-20 é que até então a China dispunha de versões atualizadas de caças Su-27, em sua totalidade inferiores às versões russas mais recentes.

Tanto o J-15 quanto o J-16, as mais modernas, são comparáveis as versões mais modernas dos F-15 da USAF, inferiores ao Su-35S e este, até então, era um fator de desvantagem se analisado isoladamente. Num hipotético confronto, os F-35 e F-22 levariam vantagem inegável.

Porém, como relata Nate Jaros, piloto de testes da Lockheed Skunk Work, o J-20 venceria os “F” em situações especiais, com uma vasta vantagem em relação dos 4G. Em outras ele perderia. Isso por si só demonstra o objetivo do projeto de desequilibrar a balança que, inegavelmente, pendia para os Americanos.

Os chineses dispõem agora de um caça comparável aos produtos ocidentais e russos que, integrado a uma força defensiva composta de mix de J-10B, J-16 J-15 e outras aeronaves, reduz drasticamente a vantagem de seus oponentes prováveis.

A mídia ocidental sempre menosprezou e nunca deu crédito aos chineses e vejam: o caça furtivo deles entrou em operação antes do Sukhoi Su-57 com sistemas de combate plenamente desenvolvidos e com domínio dos ciclos de produção de turbinas, seu calcanhar de Aquiles.

Eles desenvolveram novas armas BVR e WVR e estão à frente de qualquer nação europeia na corrida pela furtividade. Hoje, nenhum país europeu, com exceção da França, domina o ciclo completo de armas. Quem produz célula, não faz eletrônicos, motores, radares, ECM.

O ambicioso programa J-20 consolida a posição de Pequim como segunda potência mundial e acirra a luta pela hegemonia com os EUA e diminui o abismo tecnológico que existia entre a nação asiática e as maiores potências militares do mundo, Estados Unidos e Rússia

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7 Comentários

  1. Um marco na aviação oriental, a balança de poder cada dia mais tende ao oriente, mais especificamente pra China, o J-20 concede não somente a capacidade de realizar ataques com maior furtividade, é mais do que isso, coloca a China no seleto grupo de dois países (EUA e agora China) que possuem um caça 5G operacional, e um 5G diferente do que muitos ainda pensam, não é somente caracterizado por um design furtivo, mas pelo nível de automação e interatividade do meio com os sistemas embarcados e desembarcados, e apesar das duvidas que pairam sobre os recheios do J-20, os caças anteriores produzidos na China nos dão suficiente prova que eles estão caminhando com as próprias pernas e produzindo tecnologia de ponta, diferente de uns países aí que só produzem mockups.

  2. Lucas - Treine enquanto eles dormem... estude enquanto eles se divertem... persista enquanto eles descansam... e então viva o que eles somente sonham...
    2 de outubro de 2017 em 00:03

    Vamos aguardar a resposta duzamericanos e russos a tecnologia embarcada do J-20 ching ling… talvez os 6a geração em pleno estudo…

  3. Temos que ver o custo de produção e manutenção, a industria dos EUA tem esses fatores como seu calcanhar de Aquiles, nem sempre o mais caro e complexo leva vantagem, a industria quer o seu lucro, se a China e Russia desenvolverem métodos de pesquisa e desenvolvimento focados em desempenho e custo por exemplo, como na época da URSS, com menos gasto e equipamentos mais simples e menos custosos eles chegam perto dos EUA.

    Temos vários exemplos disso na época da guerra fria.

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