Denúncia de que presidente teria dado aval a obstrução da Lava Jato elimina resquícios de legitimidade popular de um governo que, ao longo de um ano, viveu sob a sombra constante de crises e escândalos.
Michel Temer: um ano depois de assumir Presidência, governo tem apenas 4% de aprovação
O Brasil vive nesta quinta-feira (18/05) um terremoto político com a notícia, revelada na noite da véspera, de que o presidente Michel Temer teria dado seu aval à compra do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha para frear as investigações da Lava Jato.
A denúncia tem potencial para implodir o governo, nascido do impeachment de Dilma Roussef, erguido sob a sombra de uma crise permanente, índices irrisórios de aprovação e que falhou em todas as tentativas de ganhar legitimidade popular.
Para analistas políticos e observadores, se confirmado o conteúdo da denúncia, a pergunta não é mais “se”, mas “quando” e “como” o governo Temer vai cair: não haveria mais operação de engenharia política para salvar o atual presidente.
“Este caso é a arma fumegante contra Temer”, opina o cientista político Gaspard Estrada, do Instituto Sciences Po, de Paris. “É muito mais grave do que qualquer coisa que apareceu no governo Dilma: é um presidente em exercício agindo diretamente para fraudar a Justiça. E parece haver provas bastante concretas.”
Segundo a denúncia, publicada originalmente pelo jornal O Globo, Joesley Batista, um dos controladores do frigorífico JBS, gravou Temer concordando com pagamentos para manter o silêncio de Cunha.
Na conversa, gravada pelo próprio Joesley, o dono da JBS conta a Temer que pagava a Cunha e ao doleiro Lúcio Funaro, um dos operadores presos na Lava Jato, para que ficassem calados. Ao ouvir isso, o presidente teria dito: “Tem que manter isso, viu?”
O áudio é parte da delação dos executivos da empresa, homologada nesta quinta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF). Na sequência da decisão, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, autorizou abertura de inquérito para investigar a conduta do presidente.
O dilema de Temer
Brasília ainda aguarda a íntegra das gravações, mas a situação, na avaliação de especialistas, fica insustentável para um governo que, um ano depois de assumir, tem apenas 4% de aprovação e que, para 92% da população, leva o país para o caminho errado.
“A lógica sugere que Temer não tem mais condições de continuar”, afirma Estrada. “É o tipo de coisa que fere um governo mortalmente. Neste caso, seria a chance para eleições antecipadas. Mas o candidato mais bem posicionado nas pesquisas é justamente o ex-presidente Lula. Vai ser preciso esperar ver o que a elite política vai fazer a partir desse novo escândalo e se vai favorecer em peso a saída de Temer”, completa o analistas da Science Po.
A oposição não só defendeu o impeachment, como um de seus deputados já protocolou um pedido pedindo a abertura de um processo de impedimento de Temer. PDT, PT, PCdoB, PSOL, Rede e PSB pediram a renúncia ou o afastamento de Temer e a realização de eleições diretas.
Mas não foram só oposicionistas que se pronunciaram contra Temer: o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado, que é aliado do governo, defendeu a renúncia do presidente e a realização de eleições antecipadas para a Presidência e o Congresso.
Para Carlos Pereira, professor visitante da escola de governança Hertie, em Berlim, diante da gravidade do caso, não parece existir cenário realista que inclua a permanência de Temer no governo.
“Temer deve estar agora enfrentando um dilema. Se renunciar, pode sofrer consequências jurídicas imediatas, ficar sem foro privilegiado, arriscando ir para a cadeia pouco depois de deixar o cargo. Ele deve estar se perguntando agora: ‘Jogo pensando na história ou tentando me proteger?'”, comenta Pereira. “Parece muito provável que ele renuncie. Se não o fizer, ainda há uma chance de o julgamento do TSE em poucos dias decidir a questão.”
O escândalo atinge o governo às vésperas de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começar a julgar, em 6 de junho, a ação que pede a cassação da chapa Dilma – Temer, eleita em 2014.
“Corruptos não sabem o que fazer”
A denúncia reforçou a suspeita de que o governo tem uma postura duvidosa em relação à Operação Lava Jato e que teria sido montado de forma a preservar seus aliados – e o próprio presidente – das investigações.
Se confirmado, o áudio pode ser a base de um processo criminal ou de impeachment contra o presidente. Temer chegou a ser citado nas delações da Odebrecht, mas não poderia ser julgado como presidente por eventuais crimes cometidos antes de seu mandato. O encontro com o executivo da JBS aconteceu em março passado, no Planalto.
Para o professor Carlos Pereira, também é possível fazer uma leitura mais otimista disso tudo: “O episódio mostra que os corruptos não têm mais controle sobre os mecanismos de controle. O Ministério Público, a imprensa livre, a polícia estão fortalecidas.”
“Temos um presidente acossado por suspeitas, e essa elite política decadente não sabe o que fazer. Temer não foi o único presidente ou ex-presidente acusado de tentar interferir no trabalho da Justiça. Os mecanismos de controle estão explicitando o modus operandi deles. Não existe mais ambiente para continuar agindo assim. Os políticos corruptos não sabem mais o que fazer.”
Após a revelação de um áudio, também nesta quarta-feira, em que o senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, pede 2 milhões de reais a Joesley Batista, dono do frigorífico JBS, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu afastá-lo do mandato. A Procuradoria Geral pediu a prisão do tucano.
O dono da JBS relatou ainda, segundo o jornal, que o ex-ministro Guido Mantega, também investigado na Lava Jato, era seu contato dentro do PT. De acordo com Joesley, com esse político era negociado o dinheiro que seria distribuído aos membros e aliados do Partido dos Trabalhadores.
Fonte: DW
O rei está nu
Quando políticos não se constrangem em pedir propina nem mesmo em meio às investigações da Lava Jato, perde-se a capacidade de dimensionar a podridão do sistema, opina Francis França, editora-chefe da DW Brasil.
Foto: Andressa Anholete/AFP/Getty Images
O governo Temer já começou envolvido em uma série de escândalos, com boa parte de seu gabinete investigado na Operação Lava Jato, mas até agora a figura do presidente parecia blindada das acusações. Isso mudou nesta quinta-feira, com as revelações de que Temer teria consentido ao pagamento de propina em troca do silêncio do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Com os novos desdobramentos, Michel Temer deve perder seu bem mais precioso: o apoio no Congresso. Nas primeiras horas após a revelação do que se chamou de “bomba atômica no Planalto”, a própria base aliada do presidente defendeu sua renúncia.
É um sinal surpreendentemente claro, visto que até agora muitas falhas do governo foram toleradas. A democracia brasileira assistiu à blindagem de figuras investigadas por corrupção, a conflitos de interesse e a reformas profundamente impopulares que avançam a toque de caixa graças a apoio concedido em troca de favores políticos. E durante esse baile que já dura mais de um ano, segue-se comentando sem assombros sobre a nova roupa do rei.
Pois hoje finalmente ficou claro que o rei está nu. E isso não deveria surpreender ninguém, afinal, o fisiologismo e as negociatas são moeda corrente no Congresso desde sempre, e explícitas pelo menos desde o escândalo do mensalão. O apoio no Legislativo nunca vem de graça e geralmente custa caro ao contribuinte.
Agora quando políticos não se constrangem, nem mesmo em meio às investigações da Operação Lava Jato, em pedir propina a investigados, perde-se a capacidade de dimensionar a podridão do sistema. Conforme avançam as investigações, mais os poderosos trabalham para garantir a própria impunidade.
Neste momento, a Polícia Federal prestou um valoroso serviço à população brasileira, ao colher indícios concretos de conduta criminosa. Não apenas declarações, mas áudios e vídeos. Provas. Que haja mais operações controladas como esta.
Pois diante dos fatos sucumbem os argumentos. Se o áudio em que diz “Tem que manter isso, viu?” se refere de fato à compra do silêncio de Eduardo Cunha, Temer não tem escolha a não ser renunciar. Se não o fizer, espera por ele uma sentença no TSE, que a essa altura já não deve mais se sentir compelido a prezar pela governabilidade.
A crise política já se arrastou por tempo demais. O Brasil precisa agora encontrar uma maneira de sair deste beco sem saída em que se meteu desde 2014 – e as revelações sobre Aécio Neves mostram que o destino não teria sido melhor caso o resultado da eleição presidencial fosse diferente.
A democracia brasileira precisa de novas lideranças, porque nem mesmo eleições neste momento parecem capazes de livrar o país da crise ética em que se encontra. Só uma profunda reforma política, com a instauração de macanismos de transparência e controle, pode reverter esse cenário sombrio. Os políticos corruptos precisam ser responsabilizados por seus crimes contra o país. E parar de cometê-los.
Francis França
- Francis França, editora-chefe da DW Brasil
Fonte: DW
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