Defesa & Geopolítica

Em 2016, Brasil trocou de presidente e manteve a crise

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No ano que viu o impeachment de Dilma, a queda de Cunha, a derrota do PT nas urnas e uma galeria inédita de políticos presos pela Lava Jato, só a crise continua a mesma. E as perspectivas para 2017 não são animadoras.

“Sei que tivemos um 2015 difícil, mas estou otimista com 2016”, disse a ex-presidente Dilma Rousseff no final do ano passado, após ter enfrentado meses de turbulência política e econômica.

A expectativa de Dilma já soava irreal à época, mas nem mesmo os pessimistas foram tão ousados em imaginar que a política brasileira cairia num abismo tão profundo. Em um espaço de 12 meses, o Brasil viveu o impeachment de um presidente, as maiores manifestações de rua da sua história, a queda do presidente da Câmara, um conflito entre Judiciário e Legislativo e revelações explosivas na Operação Lava Jato, que envolveram centenas de políticos. Tudo isso em meio a um cenário econômico mais e mais precário.

Cada um desses episódios não era exatamente inédito na história brasileira, mas 2016 concentrou crises pontuais que foram observadas em anos tão diferentes como 1992 (impeachment), 1993 (escândalo dos anões do orçamento, que desmoralizou o Congresso) e 2005 (a queda do presidente da Câmara), além de protestos que superaram em tamanho manifestações históricas como as de junho de 2013 e as Diretas Já!, de 1984. Já a economia vive a pior recessão desde a década de 1930.

Impulso da Lava Jato

O maior catalisador de todos esses episódios foi a Operação Lava Jato, cujos membros abandonaram a postura discreta observada ao longo de 2015 para adotar uma imagem pública abertamente combativa na tentativa de forçar mudanças na política, como o lobby pela aprovação do pacote anticorrupção. A nova postura chegou a render críticas, como no episódio da divulgação dos áudios dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma, mas a operação segue, apesar de tentativas do meio político de freá-la.

Tantos acontecimentos mudaram o cenário político brasileiro. Após reinar 13 anos no governo federal, o PT se tornou um partido médio, praticamente incapaz de influenciar a política nacional após sofrer derrotas humilhantes nas eleições municipais. A perda de influência também castigou movimentos sociais ligados às administrações petistas, que não conseguiram convocar manifestações que rivalizassem com as contrárias a Dilma, mesmo diante das reformas propostas pelo novo governo que vão ter impactos pelas próximas décadas.

Prisão de políticos

O antes todo-poderoso Eduardo Cunha (PMDB), um dos mais influentes presidentes que a Câmara já teve, experimentou o auge do seu poder no primeiro semestre, mas terminou o ano na cadeia. Seu sucessor adotou um estilo menos personalista no comando da casa.

A prisão também atingiu outros políticos outrora poderosos, como os ex-governadores Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – responsáveis por algumas das fotografias mais marcantes do ano – e ex-ministros como Antônio Palocci, Paulo Bernardo e Guido Mantega. A galeria de presos na Lava Jato mereceu uma retrospectiva à parte em alguns jornais brasileiros.

Já o ex-presidente Lula, que foi encarado no início do ano como uma figura que poderia salvar o governo Dilma graças ao seu prestígio e habilidade política, chega ao final de 2016 como réu em cinco ações na Justiça e ameaçado de não poder concorrer nas eleições de 2018. Nos últimos doze meses, o ex-presidente se tornou um alvo preferencial da Lava Jato.

As eleições municipais sinalizaram novas tendências, com campanhas eleitorais mais baratas e o triunfo de candidatos que usaram um discurso antipolítico. Apesar disso, não surgiram lideranças nacionais capazes de trazer renovação para o sistema. O brasileiro continua avaliando mal seus políticos. Segundo pesquisa Datafolha de dezembro, 58% acham os membros do Congresso ruins ou péssimos.

Episódios como a desfiguração do pacote anticorrupção pelo Congresso acentuaram ainda mais o fosso entre os políticos e a população. “A classe política não entendeu que há um nível maior de controle sobre temas envolvendo corrupção ou a conduta política”, afirma o analista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências.

Substituto fraco

Do outro lado, o presidente Michel Temer foi tanto encarado como uma figura capaz de estancar a crise como um fator de desestabilização. Em pouco mais de seis meses, sua administração perdeu seis ministros e passou a ser acossada por acusações de corrupção, arrefecendo a euforia que alguns setores demonstraram com sua ascensão ao palácio do Planalto. Nas últimas semanas, até mesmo partidos aliados do presidente sentiram a fraqueza do governo e começaram a especular se o presidente irá sobreviver a 2017.

“Em vez de encerrar a crise que começou em 2015, Temer, um presidente fraco, está preparando um novo ano de turbulência em 2017”, afirma Thomas Manz, diretor da fundação Friedrich Herbert no Brasil, para quem 2016 foi um ano “horrível” para a política nacional. “O país está numa nova fase de desestabilização”, avalia Manz. “A crise e o impeachment provocaram um efeito devastador no sistema, como se um castelo de cartas tivesse caído. Muitos apostaram que haveria uma normalização após a queda de Dilma, mas a crise só se aprofundou. O sistema está doente e precisa de reforma.”

Guerra entre os poderes

No final do segundo semestre, um novo conflito surgiu, desta vez entre o Judiciário e o Legislativo. A Lava Jato já vinha colocando juízes e políticos em rota de colisão desde o ano passado, mas a atuação do Supremo Tribunal Federal levou essa queda de braço a níveis incendiários em 2016. “Com um Legislativo fraco, o papel do Judiciário cresceu ainda mais ao longo do ano”, afirma Michael Mohallem, professor da FGV Direito Rio.

Em 2016, o STF determinou o afastamento de Eduardo Cunha, uma operação nas dependências do Senado e se envolveu numa malograda tentativa de afastar o presidente da casa parlamentar, Renan Calheiros (PMDB), que também se tornou réu por decisão da corte suprema. Os episódios também revelaram conflitos internos dentro do STF, escancarando rivalidades entre os ministros.

“Depois de um ano desses, fica difícil fazer qualquer previsão. O cenário muda a cada 15 minutos. Só estou seguro que 2016 preparou o terreno para mais turbulência”, afirma Manz.

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: DW

Opinião: O ano em que o Brasil se apequenou

Estruturas democráticas estão debilitadas, e enquanto brasileiros se insultam nas redes sociais, corruptos de todas as ideologias se aliam para salvar a própria pele.

O Brasil começou o ano de 2016 em uma profunda crise política e econômica e vai sair dele ainda mais frágil. A tão esperada recuperação da economia deve ficar para 2018, e o combate à corrupção parece não ter pressa, enquanto os poderes preferem trabalhar em causa própria.

Os ajustes para recuperar a economia brasileira poderiam ter sido feitos já no início do ano, mas o Congresso estava mais interessado em derrubar a presidente. Os primeiros oito meses foram tomados pelo processo de impeachment, até o afastamento definitivo de Dilma Rousseff, em 31 de agosto.

Duas semanas mais tarde viu-se a queda do articulador do impeachment e ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, hoje preso em uma penitenciária do Paraná.

Só então a recuperação econômica voltou à pauta. E o preço pago por essa demora foi o avanço do desemprego e uma projeção pífia de crescimento de 0,8% para 2017 – depois de dois anos consecutivos de retração superior a 3% no PIB.

Quem apostava que o afastamento de Dilma Rousseff resolveria a crise política e econômica no Brasil  pôde rapidamente perceber que o problema é complexo e sistêmico, e que aqueles que assumiram o poder após a má gestão da petista são parte do problema.

Isso ficou evidente na forma como a classe política lidou com o pacote de combate à corrupção, principal bandeira dos protestos que levaram mais de um milhão de pessoas às ruas no início do ano. Em um grande acordo entre os maiores partidos do país, PT, PMDB, PSDB e PP boicotaram sistematicamente o projeto e, na calada da noite, enquanto o Brasil lamentava o desastre com o avião da Chapecoense, desvirtuaram a proposta, deixando claro que sua prioridade são os próprios aliados. Uma atitude que não é exatamente inesperada, visto que pelo menos uma centena de políticos são investigados por corrupção.

O pacote anticorrupção foi também pivô na guerra que se estabeleceu entre os poderes Judiciário e Legislativo. Uma disputa que mais uma vez colocou egos e interesses corporativos acima do espírito republicano. O ano testemunhou juízes deixando o Direito de lado para dar vazão ao ativismo, e a mesa diretora do Senado chegou ao ponto de afrontar uma ordem do Supremo Tribunal Federal.

No fim dessa guerra, concluiu-se que Renan Calheiros é ficha suja demais para assumir a Presidência da República, mas pode permanecer na presidência do Senado. Uma crise moral, portanto.

O combate sério à corrupção político-empresarial ficou a cargo da Operação Lava Jato, que, apesar das críticas e possíveis falhas, foi a única até agora capaz de punir políticos e grandes empresários, devolver dinheiro aos cofres públicos e desmantelar um esquema gigantesco que se estabeleceu há décadas no centro do sistema político.

O sucesso da Lava Jato, aliás, ameaça a lua de mel do atual presidente Michel Temer com o Legislativo, ao deixá-lo dividido entre políticos investigados por corrupção e a opinião pública. Até agora, as vitórias sucessivas no Congresso ante a uma aprovação popular de apenas 10% mostram que lado está mais satisfeito com o presidente.

A relação afinada com o Legislativo possibilitou a Temer, nos poucos meses em que assumiu a Presidência, encaminhar reformas de impacto duradouro, como a reforma da Previdência e a PEC do teto dos gastos, de maneira acelerada e controversa.

Ninguém questiona que o Brasil precisa de uma reforma do sistema previdenciário. O que se questiona é como um presidente – que goza de sua própria aposentadoria desde os 55 anos de idade – imagina que um trabalhador braçal terá saúde ou emprego para contribuir durante 49 anos, se quiser ter aposentadoria integral.

Da mesma forma, ninguém questiona que o Brasil precisa equilibrar as contas e aumentar a eficiência da máquina pública. O que não se compreende é por que, em vez de cortar privilégios e supersalários, taxar grandes fortunas e capital improdutivo, o governo resolve congelar justamente os investimentos em áreas-chave para o desenvolvimento, como saúde e educação.

Os acontecimentos do ano foram acompanhados de perto por uma população extremamente polarizada, com discursos acirrados, amplificados pelas redes sociais. E é natural que, em um país tão desigual, a solução para uma parte da população seja vista como um problema para outra.

Só que enquanto boa parte dos brasileiros investe sua energia em debates inócuos e insultos nas redes sociais, políticos corruptos de todas as vertentes e ideologias se aliam em pactos suprapartidários para salvar a própria pele.

Assim, se 2016 mostrou a agonia de um sistema político à beira do colapso, que 2017 possa indicar o caminho de volta ao diálogo. Porque a democracia é isso mesmo que aí está: um constante debate entre pessoas com ideias diferentes, muitas vezes opostas, mas que trabalham juntas para construir um país.

Francis França

  • Francis França editora-chefe da DW Brasil

Foto: Ana Volpe / Senado Federal

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: DW

 

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