Itália – Derrota de Renzi pode ser o início do fim da zona do Euro

Após derrota em referendo, Renzi anuncia renúncia

Vitória do “não” em consulta popular sobre reforma constitucional na Itália leva primeiro-ministro a abrir mão do cargo. “Assumo toda a responsabilidade pela derrota do ‘sim'”, afirma.

Em referendo realizado neste domingo (04/12), eleitores italianos rejeitaram uma reforma constitucional proposta pelo primeiro-ministro, Matteo Renzi, apontam pesquisas de boca de urna. O premiê, que havia dito que renunciaria caso o “não” vencesse, cumpriu a promessa e anunciou que deixará o cargo.

“A experiência do meu governo termina aqui”, disse Renzi em coletiva de imprensa pouco mais de uma hora após o fechamento das urnas. Ele descreveu a vitória do “não” como “extraordinariamente clara”.

“Não consegui levar o ‘sim’ à vitória”, reconheceu o premiê, visivelmente emocionado. “Assumo toda a responsabilidade pela derrota.”

Sondagens da emissora pública Rai indicam que o “não” recebeu de 58% a 60% dos votos, contra 40% a 42% para o “sim”. Duas outras pesquisas, encomendadas pelas emissoras Mediaset e La7, também atribuíram ao “não” entre 56% e 60% dos votos.

A reforma constitucional alteraria 47 dos 139 artigos da Constituição italiana, mas as principais mudanças atingiriam o Senado, que perderia muitas de suas competências legislativas e passaria a ter um caráter mais consultivo e de representação das regiões italianas.

Ao anunciar antes do pleito que renunciaria em caso de vitória do “não”, Renzi provocou temores de que a Itália mergulhasse numa nova fase de incerteza política e econômica.

Renzi, de 41 anos, assumiu o cargo em 2014, apresentando-se como um político contrário ao establishment disposto a reformar as instituições do país. No entanto, até o momento suas reformas tiveram pouco impacto, e a oposição reivindicou o slogan anti-establishment.

O Ministério do Interior informou pouco depois do final da votação que a participação chegou a 68,99% do eleitorado. Mais de 51 milhões de italianos tinham sido convocados a votar no referendo. Renzi falou numa “festa da democracia” ao elogiar o grande comparecimento às urnas.

O ministro das Finanças, Carlo Padoan, é o favorito para substituir Renzi.

LPF/efe/rtr/ap/dpa/afp/lusa

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: DW

Referendo na Itália pode ser início do fim da zona do euro

A probabilidade de que a Itália deixe a união monetária é maior do que nunca, segundo estimativas de uma empresa de consultoria com base em uma enquete realizada com mil profissionais da área financeira.

Depois que os britânicos votaram pelo Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), e os americanos elegeram Donald Trump, o referendo na Itália neste domingo (04/12) é visto como um pleito decisivo. A vitória do “não” pode significar o início do fim da zona do euro, acredita o primeiro-ministro Matteo Renzi.

O “não” significa a rejeição de uma reforma constitucional que reduziria o poder e o tamanho do Senado, a câmara alta do Parlamento. Junto a uma modificação da lei eleitoral, que entrou em vigor em meados deste ano, a nova reforma pretendia facilitar o trabalho do governo – a proposta é que o partido que recebesse 40% dos votos obteria maioria absoluta no Parlamento. Fortalecida dessa maneira, a legenda poderia levar à frente reformas urgentes.

Ponto fraco

Reformas sempre foram um ponto fraco da política italiana. Nos últimos 70 anos, o país passou por um total de 63 governos. “Muitas vezes, os governos fracassaram justamente no momento em que tentaram abordar reformas”, afirma Christian Dunstmann, professor de Economia do University College de Londres e que também lecionou durante vários anos na Itália. “Nas últimas cinco décadas, vimos que reformas importantes e necessárias na Itália só são implementadas com muita dificuldade”, explicou Dunstmann.

Os mercados financeiros estão nervosos diante da votação. Os juros sobre títulos soberanos italianos duplicaram para mais de 2% – uma indicação de que os investidores esperam um aumento da incerteza.

O argumento dos mercados: um “não” seria uma vitória para os populistas e os eurocéticos, que poderiam vir a assumir o poder na próxima oportunidade. O Movimento 5 Estrelas (M5S), maior partido de oposição italiano, quer que os cidadãos votem sobre a permanência da Itália na zona do euro.

A probabilidade de que a Itália deixe a união monetária é estimada atualmente pela empresa de consultoria Investment Consulting Sentix em 19,3%, ou seja, maior do que nunca. A Sentix se baseia numa enquete realizada com mil profissionais da área financeira.

Alta taxa de desemprego, baixo crescimento

Renzi assumiu o poder há quase três anos como um reformador. “Ele pôs muita coisa na direção certa, como a reforma do direito trabalhista”, apontou Dunstmann. “Isso tornou mais fácil para empresas demitirem pessoal, por exemplo.” Além disso, houve alívios fiscais para pequenas e médias empresas.

“O governo fez o seu dever de casa”, afirmou também Jörg Buck, diretor da Câmara de Comércio Itália-Alemanha em Milão. “O desejo claro da indústria é que o governo Renzi dê procedimento a seu trabalho nesse sentido.” E isso exigiria justamente a reforma constitucional que está sendo votada no referendo. “Do ponto de vista das associações empresariais, esta seria a mãe de todas as reformas”, declarou Buck à DW. Segundo ele, mais do que questões de conteúdo, o que está em jogo para os defensores do “não” é “afastar o governo”.

Na verdade, a má situação econômica do país enfraquece a posição de Renzi. Estão desempregados 12% dos italianos. Entre os jovens, a taxa chega a quase 40%. Hoje, o Produto Interno Bruto (PIB) da Itália é menor que há dez anos. E a dívida pública passa de 130% do PIB. Na zona do euro, esse é o segundo maior valor depois da Grécia.

Voto de protesto

Para muitos italianos, um “não” no referendo oferece a possibilidade de desabafar a sua ira. “Não” às reformas neoliberais. “Não” às medidas de austeridade econômica. “Não” ao establishment. “Não” ao euro e à UE. “Trump nos mostrou que se pode vencer contra tudo e contra todos”, disse Matteo Salvini, líder da legenda populista de direita Lega Nord.

O Banco Central Europeu (BCE) teme que um “não” possa desencadear um choque financeiro. “Dependendo do grau do choque, temos que considerar se devemos fazer algo ou não”, declarou o vice-presidente do BCE, Vitor Constancio. Segundo ele, quatro dias após o referendo, o BCE já poderia enviar sinais em sua reunião do conselho para acalmar os mercados. Uma flexibilização adicional da política monetária poderia reforçar ainda mais as fortes críticas vindas da Alemanha

Além disso, há ainda a crise não resolvida dos bancos italianos, que sofrem devido à montanha de “créditos podres” – empréstimos concedidos sem cobertura – com que têm que lidar. Até o fim do ano, o banco Monte dei Paschi di Siena está tentando levantar capital novo no valor de 5 bilhões de euros – muitas vezes mais que o seu valor de mercado.

Problema euro

Depois do referendo, esse será o primeiro teste para avaliar o clima nos mercados financeiros, assinalou a empresa londrina de consultoria Lombard Street Research (LSR), acrescentando que, no ano que vem, cerca de 70 bilhões de euros em obrigações bancárias italianas irão vencer.

“Mas o maior risco não é o referendo, porém a estagnação econômica”, afirmam os analistas da LSR, pois não apenas a Itália seria atingida, mas toda a zona do euro.

“O problema é que, com os atuais países-membros, o euro não pode funcionar e, além disso, é extremamente antissocial”, afirmou o economista-chefe da LSR, Charles Dumas, em entrevista à DW. Segundo ele, os alemães precisariam de uma política monetária completamente diferente da dos italianos. “Isso confere aos populistas uma base sólida. Após o referendo italiano, eles terão muitas outras oportunidades de abalar as bases do establishment da UE.”

Em março de 2017 haverá eleições na Holanda; em abril será a vez da França; e então a Alemanha, no segundo semestre. Em cada um desses países há um forte partido populista de direita que rejeita o euro e a União Europeia. Na Itália, as próximas eleições regulares deverão ser realizadas no início de 2018 – pressupondo-se que Reniz consiga permanecer no poder até lá.

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: DW

1 Comentário

Comentários não permitidos.