EUA: Uma eleição sem vencedores

Nos últimos meses, instalou-se nos EUA uma verdadeira batalha, em cujo final só pode haver perdedores. Para a jornalista Ines Pohl, o responsável por isso não é Donald Trump, mas sim o “establishment” político.

O mundo estremece diante da próxima terça-feira (08/11), dia em que os EUA vão escolher o seu novo presidente. E, até o último minuto, pode ser que realmente Donald Trump, junto à esposa Melania e a outros membros de sua empresa familiar, se mudem para a Casa Branca. A mera possibilidade já é preocupante. Como isso pôde acontecer? O que há com os americanos, que cogitam escolher um homem sem nenhuma experiência política para o mais importante cargo político do mundo?

As tarefas que o presidente Barack Obama vai deixar para a sua sucessora ou o seu sucessor são imensas. Tanto em termos de política interna quanto externa: a reforma do sistema de saúde não foi concluída; em grande parte do país, a educação e a infraestrutura se encontram em estado desastroso. A Síria é somente um exemplo de quão perigoso pode ser um vácuo de poder que surge quando a polícia mundial, representada pelos EUA, se retira, e ninguém, exceto a Rússia, está disposto a preencher o vazio. E quando os EUA também não recebem o esperado apoio militar da Europa.

Ainda é bem provável que Hillary Clinton venha a vencer no final. A sua liderança pode estar diminuindo, mas ela ainda existe, e graças ao estranho sistema de eleição, a candidata tem uma importante vantagem nos votos de seus delegados eleitorais.

No entanto, independentemente do resultado, já está claro que no final deste espetáculo vergonhoso, só haverá perdedores. Nos últimos meses, os EUA se tornaram um país dominado por teóricos da conspiração e demagogos. Isso tem muito a ver com Trump, com esse homem que não tem a mínima ideia sobre os processos políticos, mas que possui habilidades retóricas para transformar preocupações em ódio; medo da perda em xenofobia; e insegurança em fantasias de onipotência. E ele sempre consegue entrar em cena como o único salvador possível. Essa é a receita clássica para o sucesso de um demagogo.

Assim, em todo o mundo, muitas pessoas focam suas frustrações e seu desespero quanto à situação dos EUA em Trump, vendo nele o culpado por esse país estar a caminho da ingovernabilidade.

Mas isso não está correto, ao menos não em sentido político. Pois, até agora, Trump não é um político, alguém que, por definição, se esforça pelo bem-estar de todos e que assume a culpa quando não o faz. Trump é um homem de negócios. Portanto, ele só está interessado em seu próprio lucro. Foi assim que ele fez suas transações imobiliárias, e foi assim que conseguiu a nomeação a candidato do Partido Republicano. E, com essa atitude, ele poderá até chegar à Casa Branca.

Os americanos e americanas são, então, os culpados, por serem facilmente influenciáveis e porque são tolos demais para perceber os reais interesses de Trump? Isso também não é verdade. Quem, nos últimos meses, tentou viajar pelos EUA com os ouvidos abertos pôde escutar muitos apoiadores de Trump com bons motivos para a sua escolha. Quem deixa o burburinho das metrópoles, vivencia a grande miséria nesse país das possibilidades intermináveis. Depara-se com pessoas vivendo em bairros pobres e mal cuidados; com idosos e doentes que temem por sua subsistência diária; com crianças que não tiveram, desde o nascimento, nenhuma oportunidade nesse brutal sistema de duas classes.

E isso não é tudo. As revelações dos e-mails hackeados de Hillary nas últimas semanas provam exatamente aquilo de que Trump, o azarão, tem se aproveitado com tanto sucesso há meses. Eles mostram quão corrupto é o Partido Democrata e como a legenda está comprometida com os Clintons, que, com todo o seu poder, conseguiram impedir um candidato que teria sido uma real renovação democrática.

Neste ano fatídico, o egocentrismo arrogante se vinga do establishment político. Os republicanos mergulharam tanto em sua política de bloqueio que, simplesmente, estavam pouco se importando se decisões urgentes poderiam ser tomadas ou não. Eles não levaram Trump a sério durante tempo demais e tiveram, no final, de nomear um candidato que possivelmente vai dividir o partido.

Pois, mesmo que Trump venha a perder no final, os seus milhões de apoiadores não vão desaparecer. Eles vão obstruir qualquer tentativa de fechar acordos politicamente sensatos com a administração Clinton – fora do partido, mas também nos grêmios políticos. E não se vislumbra nenhuma figura de liderança republicana que seja suficientemente forte para canalizar a decepção e o ódio. Está completamente em aberto como os republicanos pretendem manter sua capacidade de ação política.

Da mesma forma, em caso de vitória, Hillary vai ter poucas possibilidades de ação, apesar de seu talento político e de toda a sua experiência. Também porque, ao contrário do esperado durante muito tempo, ela não vai conquistar a maioria nas duas câmaras do Parlamento para que possa realmente governar. Tudo isso é um desastre. Tanto para os americanos quanto para o resto do mundo, que precisa que os Estados Unidos funcionem.

Ines Pohl

 

  • Ines Pohl é correspondente da DW em Washington

Imagem: Caricaturas de Hillary Clinton e Donald Trump. – DonkeyHotey / flickr / cc

Edição: konner@planobrazil.com 

Fonte: DW

1 Comentário

  1. “… quão perigoso pode ser um vácuo de poder que surge quando a polícia mundial, representada pelos EUA, se retira, e ninguém, exceto a Rússia, está disposto a preencher o vazio. E quando os EUA também não recebem o esperado apoio militar da Europa.”

    A resposta a este tese está justamente aonde a própria missivista ignorou em todo o artigo: na ampliação do leque de países que compartilhem a responsabilidade de trazer estabilidade ao mundo. Ao tentar questionar a base moral/ética (ou a falta destes) dentro do sistema político- eleitoral dos EUA, que não é mais representativo dos anseios da população, lamentavelmente a jornalista ignorou que a Europa também é parte do problema e não da solução.

    Da mesma forma que o eleitor está sem alternativas viáveis para escolher pessoas comprometidas com as necessidades da população nos EUA, a Europa também segue sua própria onda de crise política com a ressurreição da xenofobia contra o resto do mundo, representado por políticos como Le Pen (pai e filha) que bradam o supremacismo branco como elemento único civilizador e que se encontra vitimado pelas turbas bárbaras do resto do mundo. Nada de diferente quanto ao que se apresentou até o momento na campanha dos dois candidatos a presidência dos EUA.

    O problema não está em Trump ou Hillary, e nem mesmo no sistema indireto de escolha do chefe do Executivo. O que temos aqui, novamente, é a velha estrutura do capital que está produzindo mais um de seus períodos cíclicos de desgraça econômica sobre a imensa massa dos pobres do mundo (os 99% da população), desta vez acompanhado por agentes que estariam determinados a apertar o botão nuclear. E esta estrutura tem servido apenas a seus donos (EUA e Europa) nos últimos 500 anos, lançando o resto do mundo em um lodaçal de ignorância sistêmica e estrutura econômica de papel. Na última vez que isto ocorreu Nixon deu uma banana ao mundo e decretou o fim (à fórceps) do padrão ouro para salvar a economia norte-americana. Foi, provavelmente, o último cartucho do saco de ideias para salvar, temporariamente, o Capitalismo desta sua crônica característica.

    Atualmente, em nome da falácia que atende pelo nome de “política de austeridade”, museus, escolas, universidades são fechadas neste tal mundo civilizador em nome da manutenção da bolha de crescimento econômico sustentado no Éter. O Estado, razão de ser da própria sociedade que anseia por desenvolver-se de forma equilibrada e estável, recebe a culpa pela situação que não criou visto que é chamada, sempre, em socorro aos tais empreendedores que dão passo maior que a perna e ignoram as tais leis de concorrência no livre mercado pois, como diz o mantra pós-moderno usando outra falácia, são grandes demais para quebrar.

    Trump e Hillary são consequências disto. Para chegarem aonde estão receberam apoio para destruírem qualquer elemento que pudesse representar a vontade popular. Bernie Sanders foi o mais recente no caso dos EUA. E se há um emburrecimento dentro da sociedade norte-americana tão forte a ponte da maior parte da população não enxergar o risco potencial que estes candidatos representam, sua origem está no passado onde a estrutura social que produziu elementos críticos foi destruída pelo poder do capital que necessita de mentes ocas para funcionar sem restrições.

    A herança deixada por Obama será de fato imensa, mas esta é responsabilidade direta de quem controla o sistema financeiro mundial, e não do político que prometeu mudança. Mais uma vez é provável que o mundo entre em conflito de proporções inimagináveis por consequência direta do impasse econômico. E serão os pobres a irem a guerra novamente.

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