Moscou e Washington sempre levantam o tom de voz para conversar. E o momento atual das relações entre os dois países mostra-se ainda mais obscuro.
Assim, enquanto o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano avisa que haverá novas baixas para as tropas russas na Síria, o Ministério da Defesa russo responde que seus sistemas de defesa aérea no país estão prontos a abater “qualquer objeto voador não identificado”.
Mas a história das relações entre a Rússia e os EUA após a Guerra Fria nem sempre foi assim. Elas dependem, entre outros, de ciclos eleitorais, e esses causam oscilações. Ao final de cada mandato, sempre começa um agravamento da situação.
Foi assim com Bill Clinton e Boris Iéltsin, por exemplo, que, oficialmente, consideravam-se “amigos”. O último, apenas três semanas antes do final de seu mandato, em 1999, fez declarações duras sobre o norte-americano:
“Bill Clinton se permitiu exercer pressão sobre a Rússia. Aparentemente, ele esqueceu que a Rússia é um país com arsenal nuclear completo. Gostaria de mandar uma mensagem para Clinton: não se esqueça do mundo em que vive. Ele nunca será o único a ditar ao mundo como viver. O mundo multipolar é a base de tudo.”
Suas palavras foram resposta à declaração de Clinton de que a Rússia pagaria “caro” por suas atividades na Tchetchênia. Então, o Ocidente preparava um pacote de sanções contra a Rússia pela guerra no Cáucaso do Norte.
Curiosamente, foi Vladímir Pútin quem teve que suavizar as consequências das declarações de Iéltsin, quando disse que as declarações do presidente não tinham o objetivo de resfriar as relações entre Moscou e Washington.
A história se repete
O episódio supracitado tem todos os elementos que vemos hoje no cenário das relações bilaterais: as advertências à Rússia por seu comportamento “inadequado”, a resposta irritada sobre o potencial militar russo e a relutância dos EUA em levar isso a sério.
É simbólico também que Iêltsin tenha feito essa declaração na China, apelando à influência de seu poderoso vizinho: tudo parece um protótipo da cordialidade entre Moscou e Pequim de hoje.
De 1993 a 1998, Washington e, pessoalmente, Bill Clinton agiram como o principal parceiro da “jovem democracia russa”. Aparentemente, fizeram muito para fortalecer as relações bilaterais nesse âmbito.
Mesmo assim, crescia a irritação mútua. Em agosto de 1998, houve uma crise econômica e muitos investidores estrangeiros perderam montanhas de dinheiro. Já no início de 1999, ocorreu a primeira expansão da Otan e começaram os bombardeios na Iugoslávia.
George Bush chegou à Casa Branca como um indivíduo diametralmente oposto a Clinton – a mesma classificação que se rendeu a Pútin em relação a Iéltsin. O cenário, porém, repetiu-se, só que com gravidade acentuada.
Tudo começou com gestos de simpatia mútua na primeira reunião entre Pútin e Bush em Ljubljana. Já em setembro de 2001, houve uma melhoria drástica quando a Rússia e os EUA se tornaram aliados na guerra contra o terrorismo.
Só depois começou a decadência: nova guerra na Tchetchênia, saída dos EUA do Tratado ABM, invasão do Iraque, revolução das rosas na Geórgia, a revolução laranja na Ucrânia, a decisão de se instalar um escudo de defesa antimísseis na Europa Oriental, Kosovo.
A atmosfera começou a pesar. A confiança mútua diminuía. Mas, em abril de 2008, ao final do segundo mandato de Pútin, uma reunião em Sôtchi resultou na assinatura de uma Declaração de Cooperação Estratégica.
Quatro meses depois, iniciou-se a guerra russo-georgiana, e as relações entre Rússia e EUA desceram até o ponto mais baixo desde a Guerra Fria.
Parecia o fim de tudo. Mas o colapso da Lehman Brothers e a crise financeira global colocaram as relações bilaterais em segundo plano.
Obama e Medvedev
Durante a presidência de Obama, as relações russo-americanas sobreviveram a oscilações do mesmo gênero. Primeiro, com o anúncio de um relaxamento quanto à Rússia, a simpatia mútua entre Medvedev e Obama, as negociações sobre o Irã, a adesão da Rússia à OMC.
Mas, depois, vieram a “Primavera Árabe”, a Líbia, as divergências sobre a Síria, o retorno de Vladímir Pútin à presidência, Edward Snowden, a Ucrânia e a Síria novamente.
É fácil perceber que cada final de ciclo é mais tenso e perigoso.
Obviamente, as relações russo-americanas dependem de seus presidentes. É fácil explicar, por exemplo, por que atingiu-se o ponto mais baixo durante a presidência de Obama: o presidente americano sempre se coloca no centro dos acontecimentos, não acha necessário construir relações pessoais nem com adversários, nem com aliados. Os norte-americanos também culpam uma única pessoa, o presidente russo, a quem atribuem qualificações inerentes a um demônio universal.
De um ponto de vista estrutural, a Rússia nunca esteve disposta a ser parte de um mundo liderado pelos EUA. Mas também não teve forças para lançar um desafio.
O último agravamento cíclico das relações levou a uma situação muito perigosa, já que o modelo de ordem mundial criado há 25 anos tornou-se totalmente obsoleto.
Hoje, esperamos os resultados das eleições nos EUA. Independentemente de quem for o próximo responsável pelo país, haverá uma pausa nas relações russo-americanas.
Aqui, recordo-me de um detalhe das atrações de parques temáticos que une – ou separa? – os dois países. O brinquedo que, nos Estados Unidos, chama-se “montanha russa”, na Rússia é intitulado “montanha americana”.
Quando a bordo do brinquedo, na Rússia ou nos EUA, os ânimos se elevam da mesma maneira, mas os motivos são sempre o outro. Na política, pelo visto, acontece o mesmo.
Fiódor Lukianov
- Fiódor Lukianov é editor-chefe da revista Russia in Global Affairs e presidente do Conselho de Política Externa e de Defesa, um grupo independente de reflexão com sede em Moscou.
Publicado originalmente pelo portal Gazeta.ru.
Edição: konner@planobrazil.com
Fonte: Gazeta Russa
OS EUA acham que a Rússia marionete deles que podem mandar e desmandar como fazem com a União Europeia… Eles não querem um adversário de peso que pode atrapalhar o domínio deles.
Mas agora esta ideia americana chegou ao final !!