Recuo da globalização pode causar próximo colapso das bolsas

O enfraquecimento da globalização está forçando gestores de ativos a repensar suas estimativas para a direção futura das bolsas.

As cotações das ações nos mercados de todo o mundo vêm há quase 30 anos sendo impulsionadas pela aceleração do comércio global e o fluxo mais livre de capitais, que estimulam o crescimento econômico e permitem que as empresas tenham acesso a novos mercados e tirem proveito de economias de escala.

Mas em vista da desaceleração no comércio mundial e agitações políticas que vão desde a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia até a conflituosa eleição presidencial americana, alguns gestores de recursos temem que a freada da globalização seja a próxima pedra no caminho do mercado global de ações.

Esse receio é evidente na gestora britânica Barings, que todo ano, no inverno europeu, reúne seus principais gestores em sua sede, em Londres, para elaborar previsões de investimentos para os próximos dez anos.

A firma, que administra US$ 275 bilhões em ativos, prevê para 2017 outra queda no que chama de “prêmio de globalização” sobre o valor das ações — ou até mesmo a anulação desse prêmio.

“Acreditamos que a globalização provavelmente atingiu o auge”, diz Marino Valensise, líder do grupo multiativos da Barings. “O mercado não vai gostar.”

Com políticas protecionistas ganhando força e iniciativas de incentivo ao comércio emperradas, o comércio global vai registrar neste ano seu crescimento mais baixo desde 2007, segundo a Organização Mundial do Comércio. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional alertou que as tendências contra o comércio, como alta de impostos, poderiam causar danos duradouros à economia mundial.

Alguns receiam que os efeitos possam atingir os lucros das empresas.

A MSCI, provedora de índices globais de ações, estima que, se as políticas protecionistas e os déficits orçamentários no mundo em desenvolvimento aumentarem consideravelmente nos próximos dois anos, o valor das ações pode recuar mais de 17% nos Estados Unidos e quase 20% na Europa.

Michael O’Sullivan, diretor de investimento do banco suíço Credit Suisse na Europa, diz que os investidores têm pela frente um cenário “pós-globalização”. “Para os mercados, a desaceleração da globalização significa ainda mais incerteza”, diz ele.

Empresas de todo o mundo, de transportadoras até o setor manufatureiro, já apontaram a desaceleração do comércio e o aumento do protecionismo como fatores que estão corroendo os lucros.

A americana Deere & Co., por exemplo, maior fabricante do mundo de tratores e colheitadeiras, afirmou neste ano que medidas protecionistas e as restrições ao comércio poderiam afetar seus resultados.

Não era para ser assim.

As cotações das ações saltaram nas bolsas do mundo no início dos anos 90, depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria. O comércio mundial teve forte crescimento, o McDonald’s Corp. começou a vender mais hambúrgueres na China e a Ford Motor Co. pôde fabricar carros a um custo menor na Tailândia.

O valor das ações nos EUA, por exemplo, saltou acima da média dos 120 anos anteriores, sob a premissa de que o comércio global continuaria se expandindo e o fluxo de mercadorias, serviços e capitais através das fronteiras se tornaria cada vez mais fácil, diz Christopher Mahon, diretor de pesquisa de alocação de ativos do grupo multiativos da Barings.

O prêmio de globalização significa que as ações nos EUA são coletivamente negociadas a um índice preço/lucro quase uma unidade inteira maior do que teriam na ausência da globalização, estima a Barings. O índice preço/lucro, obtido pela divisão da cotação das ações pelo lucro por ação, é um parâmetro comum para avaliar se as ações estão caras ou baratas.

Amparada por dados econômicos, previsões e pesquisas, a Barings calcula o prêmio com base numa análise do histórico das cotações, fazendo ajustes para o impacto de fatores como inflação e política monetária.

A equação, porém, está mudando.

A Barings já cortou o prêmio de globalização pela metade nos últimos dez anos, e as previsões das empresas para o valor das ações estão caindo com ele. Outros gestores de fundos afirmam que estão ficando mais seletivos, evitando setores e países que veem como mais propensos a sofrer com a desaceleração.

“A globalização está sob um ataque cada vez maior”, diz Stefan Scheurer, estrategista sênior de mercado na gestora Allianz Global Investors.

O’Sullivan, do Credit Suisse, diz que há uma boa correlação entre o ciclo de lucros dos EUA e o comércio global. “Nos últimos dois anos, tivemos lucros em queda e desaceleração no comércio”, diz ele.

As receitas fora dos EUA respondem por mais de 30% do faturamento total das empresas que compõem o índice de ações S&P 500, segundo a firma de dados FactSet.

As transportadoras globais de contêineres, que estão enfrentando o pior ano do setor desde a crise financeira de 2008, já mencionaram que a fraqueza do comércio é a grande culpada pelos lucros em queda.

O número de medidas protecionistas implementadas no mundo todo neste ano subiu para 338, segundo o Global Trade Alert, grupo britânico que monitora o comércio global. É o maior número registrado até este ponto num ano desde que o grupo começou a coletar os dados, em 2009, quando houve só 61 medidas no mesmo período.

Investidores argumentam que, mesmo que a globalização esteja em declínio na maior parte do Ocidente, outras regiões continuarão se abrindo para o comércio, criando oportunidades de investimento. Sandra Crowl, que é membro do comitê de investimento da gestora francesa Carmignac, cita a Argentina como exemplo de país que pode se beneficiar de uma abertura comercial mesmo que outros, como os EUA, tornem-se mais protecionistas.

O’Sullivan, do Credit Suisse, diz que, para se proteger do recuo da globalização no longo prazo, os investidores podem migrar das multinacionais para campeãs nacionais, como empresas de internet da China ou as companhias aéreas da América Latina.

Os gestores da Barings favorecem outra estratégia: migrar das ações para os ativos de renda fixa, como títulos de dívida, que são supostamente mais resistentes a turbulências.

RIVA GOLD / GEORGI KANTCHEV

Edição: konner@planobrazil.com

Fonte: WSJ

3 Comentários

    • Embora o globalismo possa interferir na economia, os grandes problemas são: protecionismo, politicas de estímulos e déficits, ou seja, keynesianismo. Se os governos não adotarem mais politicas de livre mercado, este grande câncer vai imobilizar e definhar o que ainda resta do atual sistema econômico.

  1. Já imaginou quando o Facebook deixar de valer US$60 bi para passar a valer $800mi?
    O que vai acontecer?
    E o Google?
    MS?
    GM?
    Citibank?
    Enfim, toda a economia dos EUA viven a BOLHA da Globalização!
    Quando o projeto morrer(já morreu mas devido a eleição, não podem anunciar) o que acontecerá?
    Já viram a série The Walking Dead?

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