Pútin sente saudade da URSS, mas não quer reconstruí-la

O presidente russo Vladímir Pútin declarou em várias ocasiões que o colapso da União Soviética foi um erro geopolítico. Embora seu discurso seja muitas vezes interpretado como um desejo de retomar o bloco, há pouca razão para acreditar nisso.

Será que Vladímir Pútin quer restaurar a União Soviética? Ninguém pode provar que ele não queira. No entanto, ninguém pode provar também que Barack Obama não quer transformar os EUA em  uma monarquia ou que Bill Bailey não tenha o desejo de se tornar o novo Dalai Lama.

É evidente que Pútin se sente nostálgico em relação ao passado soviético, já que isso é natural para muitos russos com sua idade – e, sobretudo, com seu histórico. Eu também sinto saudade dos anos 1970 e 1980; essa foi a época de minha infância e juventude, com todas as lembranças maravilhosas e inesquecíveis tão exclusivamente associadas a esse período da vida.

Mas, deixando de lado todos os sonhos, desejos (inclusive ocultos) e nostalgia, estaria Pútin realmente planejando o retorno da URSS? A resposta é um “não” definitivo, afinal, o líder russo é um político racional capaz de fazer uma avaliação realista das capacidades atuais da Rússia, bem como da natureza do atual sistema internacional.

Em primeiro lugar:

A União Soviética foi erguida sobre uma coesa e poderosa base ideológica comunista que contava – pelo menos durante a primeira metade do século 20 – com centenas de milhões de seguidores por todo o mundo.

A ênfase atual do Kremlin na “soberania” e sua preocupação com as “revoluções coloridas” indicam o caráter mais isolacionista do que expansionista do regime; ambos escancaram o medo evidente de ideologias estrangeiras penetrarem na Rússia, e não a intenção de promover uma ideologia universalista no exterior.

Em segundo lugar:

A União Soviética se baseava em um modelo de modernização exclusivo. Era cruel e implacável, mas, em vários aspectos, permitia uma mobilização social e política muito eficiente. O exemplo mais representativo dessa capacidade é, naturalmente, a Segunda Guerra Mundial, mas há outros, como o programa espacial soviético. Hoje, essa singularidade não existe mais – a Rússia tornou-se um Estado capitalista, ainda que sua transição do comunismo seja incompleta e incoerente.

Em terceiro lugar:

Não há simplesmente vontade política nem compromisso necessário para iniciar a restauração da ex-União Soviética. Após a reunificação alemã, Berlim introduziu o chamado “imposto de solidariedade” para facilitar a integração da antiga Alemanha Oriental à República Federal; e a sociedade alemã aceitou esse encargo adicional sem grande oposição. No entanto, a ideia de um imposto similar para reintegrar a Crimeia à Rússia não foi recebido com entusiasmo em Moscou, e a ideia foi rapidamente abandonada.

Será que isso significa que a Rússia não está tentando manter sua influência sobre o território da antiga União Soviética? Claro que não. As ex-repúblicas soviéticas não são para a Rússia o mesmo que as colônias britânicas na África foram para o Reino Unido; o nível de integração econômica, social e cultural soviética faz com que essas repúblicas sejam mais semelhantes a Irlanda e Escócia.

O histórico de políticas do Kremlin na vizinhança ao longo dos últimos 25 anos tem sido, em grande parte, marcado por diversas tentativas – sobretudo desajeitadas e mal sucedidas – de criar um cinturão de ‘Estados amigos’ ao longo das fronteiras russas, mantendo, assim, os laços econômicos, sociais e humanitários que tem raízes profundas na história dessa imensa região do planeta.

As prolongadas repercussões das crises na Geórgia e na Ucrânia tornam esse objetivo mais difícil e distante do que nunca, mas nem mesmo esses conflitos sangrentos alteram um fator fundamental: a Rússia só pode garantir segurança e prosperidade se o país estiver rodeado por vizinhos estáveis, vibrantes e amigáveis.

A tentativa mais recente de assumir essa grande tarefa vem do conceito da União Econômica da Eurásia (UEE). Os países do chamado Ocidente deveriam estar preocupados com essa iniciativa? Trata-se de um disfarce para uma nova União Soviética?

Mais uma vez, repito: não. A meu ver, a UEE é um projeto sem futuro ou inofensivo. É uma iniciativa inútil se continuar sendo essa “santa aliança” de regimes econômicos e sociais antiquados incapazes e sem disposição para gerar reformas significativas. E é inofensiva se a integração econômica da Eurásia continuar baseada em uma profunda transformação dos Estados-membros no sentido de estimular livre mercado, inovação social e pluralismo político. Neste último caso, a Rússia poderia, enfim, superar seu trauma pós-imperial sem despender mais sangue e dinheiro.

Andrêi Kortunov

  • Andrêi Kortunov é diretor do Conselho Russo para Assuntos Internacionais.

Foto: © Alexandr Demyanchuk / Sputnik

Edição: Konner/Plano Brasil

 

Fonte: Gazeta Russa

16 Comentários

  1. Muito sensacionalista a matéria
    Mas a Russia não precisa de uma nova URSS

    O que eu acho q o Putin esta (acertadamente) fazendo é expandir as fronteiras economicas da Russia atraves de tratados como a União Euroasiática… BRICS e etc

    Nada demais nisso

    • Não seria a União Eurasiana uma forma de Putin reviver à sua maneira a URSS? acho que tudo indica ser essa a direção Rafa! Tanto que se você for analisar em perspectiva ultimamente ele não anda dando muita atenção aos BRICS

      • Se vc me disser que o Putin quer reerguer a Força Militar que a Russia tinha outrora na época da URSS, então eu vou concordar (afinal, país fraco é alvo de invasão e pilhagem)… Reerguer o potencial militar russo é algo meio óbvio e que ia acontecer mais cedo ou mais tarde

        Mas do ponto de vista econômico?

        Nada a ver

        Praq? Não faz sentido

        Eu sou da linha de pensamento que o jogo do Presidente Putin é expandir as fronteiras econômicas do país… aumentar o intercambio comercial

        e ele não está errado quanto a isso… muito pelo contrario….

        quanto ao BRICS a gente deve ter em mente que a Russia foi um dos principais articuladores da criação do Banco comum….. Uma hora os paises que compõem os BRICS voltarão a crescer (nenhuma recessão dura pra sempre) e voltarão ao foco natural….

    • É mesmo papo furado de sempre!

      EUA vai construir uma dúzia de porta-aviões ultramodernos Classe Ford… uau!

      Rússia encomenda 2 Classe Mistral à França… Rússia se prepara para guerra, e provoca o Ocidente!

      É uma palhaçada mesmo!

      Rússia tem mesmo que fazer laços econômicos e políticos. Todo país tem. E eu adoraria que o Brasil desenvolvesse laços mais fortes com a Rússia.

      Isso não me transformaria em comunista, nem me faria querer ser Russo. Mas vale muito à pena aprender como um povo que tem tão pouco, consegue fazer tanto, hoje!

  2. eu acredito que no futuro a Rússia vai acabar retornando as suas fronteiras originais de 1917.Depois do colapso da união soviética e o pilhamento do ocidente,graças a Putin hoje a Rússia evolui assustadoramente enquanto as Ex republica soviéticas infelizmente só andaram para trás…Hoje vemos a Transnístria,Donbass,Ossétia do Sul todos querendo voltar a fazer parte da Rússia;as Ex-republicas soviéticas do Oriente,além da Bielorrússia também dependem muito da Rússia economicamente,o Quirguistão por exemplo tem boa parte de sua população trabalhando na Rússia,inclusive a Rússia abriu recentemente uma grande fabrica de produção lá para evitar o grande deslocamento de pessoas entre os dois países.Então não foi nada especial essas Ex-republicas Soviéticas se aliarem a Rússia em sua União Eurasiática.Com O avanço russo,é natural que nação que já foram parte dela se interessarem em uma fusão como ocorreu com a Crimeia que agora é só prosperidade,nem se compara com os tempos da Ucrânia ou desse regime atual nazi oligarca.

  3. A Rússia não quer e nunca mais vai querer recriar a URSS. Os países que eram vassalos da Rússia na URSS não eram explorados, como os EUA fazem com os seus vassalos. Ao contrário, a Rússia muitas vezes tinha que ela dispender seus recursos para ajudá-los. E mesmo depois de a Rússia libertar seus vassalos numa boa (qual o Senhor que faz isso?), os ex-vassalos da Rússia ainda a odeiam e aliam-se à OTAN, contra a Rússia. Vide Polônia, Ucrânia, Romênia, Geórgia, etc.

    A Rússia não quer e não vai tornar-se URSS. Cada um que se vire. A única coisa que a Rússia não quer é que seus ex-satélites não se integrem à OTAN. Só isso.

    • Eu tbm acho q os russos não estão atrás disso

      É claro que existe toda uma mística por trás da URSS

      O que o Putin pode tentar fazer é criar uma nova União, mas baseada em principios comerciais (que unem muito mais do que ameaça armada)

      E vamos ser claros: ao querer expandir a economia do seu país, Putin está fazendo seu dever… não vejo problema algum nisso

      Oq os russos querem é prosperar… como qualquer outro povo da terra

    • “””E mesmo depois de a Rússia libertar seus vassalos numa boa”””

      Libertaram os vassalos porque o dinheiro acabou e as tropas iam morrer de fome fome!!! Até pediram dinheiro no ocidente e ajuda técnica dos EUA.

      Os vassalos é que foram embora.

      “””ex-vassalos da Rússia ainda a odeiam e aliam-se à OTAN”””

      Se odeiam porque acharam ruim!
      Preferem a união Européia.

      E nós sabemos que Polônia, Ucrânia, Romênia, Geórgia entre outros, não voltam de jeito nenhum.

    • Professor

      vai lá na República Tcheca, Eslováquia, Polônia, Sérvia, Croácia, Romênia e outros países do leste europeu, e fala tudo isso em praça pública.

      se vc sair de lá INTEIRO, ae depois vc conta aki para nós, como foi a excursão.

      • Não preciso viajar para lá para ser execrado, Alessandro. Basta eu falar mal dos EUA ou de Israel, aqui mesmo no Brasil, que pessoas como você, Deagol, S-88, etc, vão me execrar. Mas se eu falar mal do Brasil, aí vocês batem palmas para mim.

      • não precisa falar mal de ninguém não, meu caro “professor”
        pra mim já basta conhecer e falar a VERDADE, só isso tá bom.

        e só pra esclarecimento para não deixar dúvidas, minha cunhada é filha de poloneses, segundo ela, a maioria da população desses países do leste europeu, não querem ver os russos pela frente nem “pintados de ouro”

        TRAUMA dos tempos de URSS, por isso os pais dela vieram para o Brasil quando eles ainda eram novos, fale isso em suas aulas para seus alunos, vai muito ajuda-los em CONHECIMENTO.

  4. “Em primeiro lugar:

    A União Soviética foi erguida sobre uma coesa e poderosa base ideológica comunista que contava – pelo menos durante a primeira metade do século 20 – com centenas de milhões de seguidores por todo o mundo.”

    —————————————

    Não está errado o que diz o autor, más ele esquece de mencionar que a URSS, enquanto entidade geográfica,
    “foi erguida” sobre os territórios com os quais o Império Russo tinha se constituído nos últimos 4 séculos, incluindo aí a Ucrânia….

  5. Quem dera, só assim os pseudos comunistas das Américas entenderiam que de ”comunistas” não tem nada, tirando a camisa da URSS.

    Acho bem improvável, para não dizer inviável, pesquisar recentes feitas demonstram que a sociedade é bastante dividida em relação a um possível retorno da URSS, e economicamente falando, apesar de ter não tanto conhecimento nesta área, mas acredito que seria totalmente inviável.

  6. Cara, depois eu é que sou firuleiro, ainda tem gente que acredita que Putin quer remontar a URSS, como se isso fosse alguma coisa, como se isso engrandecesse a Rússia de alguma forma, como o próprio Putin disse..”eu viajei de uma ponta a outra de meu país, e a viagem demorou mais do que o percurso entre Moscou e Nova York”, espaço geográfico, recursos e quaisquer outras coisas que se possa desejar a Rússia tem de sobra.

    • Segundo uns primos meus que são poloneses, o problema não é a volta da URSS e sim o pensamento imperialista que ronda o czar Putin. Não há interesse dos russos em reviver o império comunista e sim abocanhar alguns pontos geoestratégicos da europa oriental em proveito próprio, ainda que se tenha que invadir alguns paizecos hoje livres. Imperialismo russo não é diferente do americano. Muito menos do chinês.

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