O que promete o acordo de paz na Colômbia?

Pacto prevê, entre outras coisas, reforma agrária, transformação das FARC em partido político, desarmamento dos rebeldes e ajuda para reintegração deles na sociedade. Veja principais pontos do documento.

O tratado de paz entre o governo Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), alcançado após quatro anos de negociações em Havana, fala em “novo capítulo” na história do país.

As Nações Unidas devem ajudar a moldar e a monitorar a implementação do pacto histórico. Em 2 de Outubro, ele será levado à aprovação dos eleitores colombianos.

A consulta popular mostra quão profundas são as feridas que a sangrenta guerra civil provocou na sociedade colombiana. Para os defensores do acordo histórico, ele vai restaurar a dignidade das vítimas. Para os críticos, no entanto, ele é um “parque da impunidade”.

Mas no que consiste exatamente o pacto que promete colocar fim a mais de cinco décadas de conflito – o mais longo da América Latina e que custou a vida de mais de 200 mil pessoas?

 

Reforma agrária

As duas partes concordaram com uma redistribuição de terras em maio de 2013. Entre outras coisas, está prevista a criação de um fundo de terras, em que o Estado vai disponibilizar três milhões de hectares. A terra será proveniente de áreas improdutivas ou confiscadas devido a atividades ilegais. Deslocados por conta da guerra civil deverão, através dele, recuperar suas terras perdidas. Além disso, a compra de terras deverá ser apoiada com empréstimos a condições favoráveis, e o desenvolvimento da infraestrutura rural deverá ser promovido.

“Muitos temiam que uma revolução agrícola ocorresse e que latifundiários fossem expropriados de suas terras”, explica Günter Kniess, embaixador alemão em Bogotá entre 2012 e 2016. “Mas quando lemos o programa, vemos que ele poderia ter sido escrito pelo Banco Mundial”, completa o diplomata, acrescentando que as medidas propostas deveriam ter sido implementadas já há 30 ou 40 anos.

Desarmamento

Após a assinatura do tratado de paz, as Farc têm cinco dias para revelar os locais de seus esconderijos de armas. Nos primeiros 90 dias, um terço de todas as armas deve ser entregue, após o prazo de 180 dias, todos os cerca de 7 mil combatentes devem estar desarmados. O processo ocorre em 23 zonas de transição, sob a supervisão das Nações Unidas.

Reintegração

Nas zonas especiais e nos acampamentos das Farc, os ex-combatentes devem ter facilitada sua transição para a vida civil. Cada ex-combatente que entregue suas armas recebe, de acordo com o tratado, um subsídio do governo que equivale a 2.440 euros. Programas de desenvolvimento educacional e profissional devem apoiar a reintegração.

Justiça

As Farc se comprometeram a fornecer indenização e apoio para busca da verdade para as vítimas da guerra civil. O tratado prevê o estabelecimento de um chamado “tribunal para a paz” com uma comissão da verdade, assim como a criação de uma Justiça especial. Quem cometeu crimes graves e os admitir e cooperar na busca da verdade, pode pagar sua pena na forma de trabalho comunitário e mobilidade reduzida. Quem protelar ou negar uma confissão deve contar com penas de prisão de mais de cinco anos.

“Este acordo não faz do tratado um ‘parque da impunidade’, como críticos afirmam”, comenta Tom Koenigs, representante especial do governo alemão para o processo de paz na Colômbia, em entrevista à DW. “Quem quiser gozar dos privilégios da Justiça especial tem que primeiro ajudar na investigação, quer seja general do Exército ou comandante da guerrilha.”

Participação política

O partido político que surgir das Farc poderá participar nas eleições de 2018. Até 2026, isso é, durante as duas primeiras legislaturas, será garantido a ele um mínimo de cinco lugares em ambas as câmaras do Parlamento. Também é previsto um apoio público para financiamento partidário.

Tráfico de drogas

As Farc controlam, segundo estimativas, cerca de 60% a 70% do tráfico de drogas na Colômbia. No pacto, o governo e os rebeldes concordaram em cooperar no combate ao tráfico de drogas. Segundo o acordo, plantações ilegais de coca devem ser substituídas ou destruídas, mas não com produtos químicos.

Na opinião do ex-presidente da Colômbia Álvaro Uribe, antecessor de Juan Manuel Santos, só as Farc se beneficiam do tratado de paz, e não a população colombiana como um todo. “As Farc são o maior cartel de drogas do mundo”, disse ele à imprensa local. “Mas eles não têm que ir para a prisão. Pelo contrário: o Estado ainda permite-lhes um lugar no Congresso.”

Foto: AP – Secretário geral da ONU Ban Ki-Moon, o segundo à esquerda, e o líder rebelde Timochenko à direita, observam o Presidente Santos da Colômbia assinando o acordo histórico.

Edição/Imagem: Plano Brasil

Fonte: DW

Opinião: Na Colômbia, paz não será sem dor

Assinatura do acordo de paz na Colômbia é um ato histórico. Mas decisiva para o futuro do país será a ratificação dessa paz no referendo da próxima semana.

Quando o acordo de paz entre governo e os guerrilheiros das Farc for assinado hoje (26/09) em Cartagena, na costa caribenha da Colômbia, será um final bem-sucedido de longas e árduas negociações. Nada mais. Enquanto os cidadãos da Colômbia não se posicionarem claramente e de forma inequívoca a favor dessa paz, a assinatura histórica permanece um ato meramente administrativo.

Este consentimento não é algo tão certo como as sondagens podem fazer crer à primeira vista. O comparecimento às urnas vai desempenhar um papel tão importante quanto a convicção de muitos colombianos de que uma rejeição do acordo somente levaria a novas negociações com melhores resultados. É isso que almeja a campanha dos adversários, sob o lema “não é o verdadeiro sim para a paz”.

Da perspectiva europeia, uma rejeição do acordo de paz no referendo é algo impensável e absolutamente incompreensível. Paz após mais de 50 anos de guerra civil – somente isso já é, de uma perspectiva internacional, motivo suficiente para uma clara aprovação deste acordo tão controverso na Colômbia. O conflito armado custou a vida de mais de 200 mil pessoas, mais de 5 milhões são deslocados internos; inúmeros foram feridos, mutilados, violados, tiveram seus futuros roubados. O acordo de paz é uma oportunidade única para colocar um fim neste horror – ninguém poderia ser contra isso!

Esta é a posição da maioria esmagadora dos observadores internacionais, e esta aprovação internacional quase unânime do acordo de paz do presidente Santos amargura os adversários de forma especial. Além disso, ela dá à campanha pelo “não” motivo para teorias da conspiração. Por isso, é importante analisar os argumentos dos adversários e levar seus medos a sério. Eles se dividem, a grosso modo, em duas categorias: as vítimas e aqueles que não estão envolvidos no conflito.

Os que não estão envolvidos são os moradores das cidades grandes, principalmente os ricos. A maioria deles só experimentou a guerra civil através do noticiário, protegidos na segurança de suas casas. O conflito na Colômbia ocorre na área rural, e as vítimas que conseguem chegar às cidades acabaram nas favelas, onde um rico jamais pôs os pés. Estes temem que a paz traga o comunismo e que eles, com isso, se tornem vítimas de falta de liberdade e de desapropriações. Pois, afinal, as Farc, reconhecidamente comunistas e revolucionárias, devem ganhar a chance de uma participação política normal. O sucessor político das Farc, entretanto, não conseguirá obter maiorias. Somente o fato de a guerrilha desistir voluntariamente é a maior prova de que a ideologia deles não conseguiu nenhuma vitória.

O fato de, neste ponto, não haver objeções internacionais ao acordo de paz, aliás, também é baseado na experiência histórica, como dos alemães, por exemplo. Após a queda do Muro, ao partido socialista único da Alemanha Oriental foram concedidas até regras especiais para que pudesse entrar para o Parlamento alemão. O partido que o sucedeu tem ainda hoje muitos eleitores, e inclusive governa um estado alemão. Mas nem por isso a Alemanha sucumbiu ao comunismo, e um político como Manuel Santos seria considerado, na melhor das hipóteses, um social-democrata conservador.

Convencer as vítimas sobre o acordo de paz já é mais difícil. Pois é verdade: eles não terão justiça. A paz, mais especificamente a pacificação da sociedade, tem tão pouco a ver com justiça como o Estado de Direito com a moral. A Justiça de transição colombiana concede penas mais brandas a muitos criminosos e cargos políticos aos ex-guerrilheiros. Isso é uma verdade amarga. Mas aqui também a experiência histórica de muitos países mostra que uma sociedade nova, livre e pacífica não é possível sem acordos dolorosos. Seja no Chile, na África do Sul ou na Irlanda do Norte – em nenhum lugar todos os culpados foram condenados. E um incansável trabalho de revisão do passado só é possível longo tempo após o recomeço, como nós alemães também aprendemos.

Uta Thofern

Mas um novo começo vale esse preço. A paz requer renúncias, e ainda demorará um longo tempo e será preciso trabalho diário até que a sociedade colombiana esteja realmente curada. Mas sem a paz tudo isso não vale nada.

  • Uta Thofern é chefe do departamento América Latina da DW.

Foto: AFP –  Presidente Santos da Colômbia à esquerda, e o líder rebelde conhecido como Timochenko, apertaram as mãos após a assinatura do acordo.

Edição/Imagem: Plano Brasil

Fonte: DW

2 Comentários

  1. Um fim glorioso para uma das guerrilhas mais competentes da historia. Foi sem duvidas o melhor caminho pois os meios de financiamento já estavam sendo suprimidos. As FARC parou com os sequestros a um tempo e agora com as taxas sobre os plantadores de coca. O financiamento de Cuba não existe a 20 anos, portanto foi a melhor escolha. Vão ter uma base forte no interior do país, ainda mais com a reforma agrária onde os camponeses pobres serão empoderados. Vão ser um partido forte. Mas se chegarem a presidencia (tarefa dificil) tem que fazer como o Morales, não importunar os pequenos empreendedores, nesse ponto Chaves e Maduro erraram. É facil encaixar o pequeno empreendedor no discurso socialista, eles são pobres também.

    • Se vc acha as Farcs que sequestram crianças camponesas, matam suas famílias e fabricam veneno para vender em prota de escola gloriosa, com certeza votaria em um Fernando Beira Mar para presidente, e chamaria um Marcola de “heroi do povo”
      E eu acredito que vc faria isto mesmo meu caro, afinal vcs consiram crime ferramenta revolucionária não?!

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