Ao participar do G20 na China, presidente marcou pontos com líderes internacionais, mas benefício da dúvida não deve durar se não houver reformas. “Há urgência e muita expectativa”, afirma especialista.
Poucas horas após o fim do julgamento de Dilma Rousseff, Michel Temer, já na posição de presidente efetivo, embarcou para a China. A viagem era encarada com ansiedade pelo Planalto, que chegou a tentar apressar o desfecho do processo de impeachment para que a participação do novo presidente na reunião de cúpula do G20 não fosse afetada.
Essa foi a primeira oportunidade que Temer teve para tentar aprofundar suas relações com líderes estrangeiros já na posição de chefe de Estado. Encontros anteriores passaram em branco, como a abertura dos Jogos Olímpicos, no início de agosto, quando ele ainda estava na situação de interino.
A estreia de Temer nos salões do G20 foi bastante contrastante com encontros anteriores, como o de 2009, em que o então presidente Lula foi saudado como “o cara” pelo presidente americano, Barack Obama, ou o de 2011, quando Dilma estava em posição de criticar a lentidão da União Europeia (UE) de lidar com a crise da zona do euro. À época desses encontros, a economia brasileira estava a pleno vapor. Já o Brasil que Temer representou nos encontros em Hangzhou deve registrar crescimento negativo pelo segundo ano consecutivo.
Desta vez, uma das imagens simbólicas do encontro foi a foto oficial, que mostrou Temer isolado do núcleo principal de líderes e por pouco quase fora do enquadramento da imagem.
Primeiro teste
Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apesar da participação tímida e reservada de Temer, a viagem acabou servindo como um primeiro teste para que ele mostrasse aos líderes estrangeiros de que está no comando do país e é capaz de estabilizar a crise política e econômica que afeta o Brasil.
“É importante lembrar que, em janeiro, o FMI reduziu suas previsões de crescimento global e apontou a instabilidade do Brasil como uma das causas. Os estrangeiros estão preocupados com a situação do país. Temer quis mostrar que tem as respostas e que vai ser capaz de implementá-las”, afirma.
Segundo Stuenkel, apesar de todas as dúvidas causadas pelo processo de impeachment, Temer não teve que se esforçar para dissipar qualquer desconfiança com relação a sua legitimidade ou ao processo contra Dilma.
“A preocupação com a legitimidade é um fator para a Venezuela, Bolívia e Equador, além de alguns deputados de outros países. Nações como a China, EUA ou Alemanha são mais pragmáticas. A discussão sobre legitimidade e validade do impeachment não é uma questão para o G20. A preocupação é com a capacidade de Temer de estabilizar a situação”, afirmou.
Investidores cautelosos
Para Stuenkel, tirar fotos com líderes estrangeiros e aparecer no jornal ajuda a reforçar uma sensação de legitimidade, mas isso é muito mais para consumo interno, pois ajuda os brasileiros a se acostumarem com a nova realidade.
“Mas o fator principal dessas viagens vai ser tentar convencer que ele pode fazer reformas e atrair os investidores de volta ao país”, apontou, afirmando que, nesse sentido, essa primeira viagem foi positiva.
“Ele conheceu as grandes figuras do G20 e deu a sua versão. Por enquanto, ele conta com o benefício da dúvida entre os estrangeiros. Mas não basta só aparecer, ele vai precisar mostrar que é capaz de fazer essas reformas. Há urgência e muita expectativa. Os investidores, especialmente os chineses, ainda estão cautelosos”, disse Stuenkel.
Apesar de a viagem ter sido encarada como uma tentativa de passar uma imagem de tranquilidade para outros líderes do G20, Temer se viu obrigado ao longo dos encontros a encarar questões incômodas, como os protestos de rua que tomaram algumas capitais do país e até mesmo uma manifestação do papa Francisco, que pediu orações para o Brasil. Os jornalistas brasileiros que acompanharam o presidente também o questionaram repetidamente sobre questões do processo de impeachment e a suposta solidez da sua base aliada.
A viagem à China é apenas a primeira etapa de uma agenda intensa de compromissos internacionais de Temer nos próximos meses. Em setembro, ele falará na Assembleia Geral da ONU. Em outubro, deve participar da reunião dos Brics em Goa, na Índia. Para o mesmo mês, está prevista uma viagem à Argentina.
Foto: Da esquerda para a direita: Michel Temer, Narendra Modi, Xi Jinping, Vladimir Putin e Jacob Zuma
Fonte: DW
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