Defesa & Geopolítica

Brasil: Presidente Dilma Rousseff é cassada pelo Senado

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Senadores condenam presidente pelo crime de responsabilidade, encerrando 13 anos de governo do PT e instalando o PMDB de volta ao poder após mais de duas décadas. Petista mantém direitos políticos.

O Senado decidiu nesta quarta-feira (31/08), com 61 votos a favor e 20 contra, condenar Dilma Rousseff pelo crime de responsabilidade e afastá-la em definitivo da Presidência da República, dando posse efetiva ao antes vice Michel Temer. Os parlamentares, porém, pouparam a petista da perda dos direitos políticos por oito anos.

Com o resultado, o PMDB de Temer volta à Presidência após um intervalo de mais de 20 anos. O último presidente filiado à legenda foi Itamar Franco (1992-1994), que também assumiu o cargo na esteira de um processo de impeachment.

O impeachment também marca o fim do ciclo petista na Presidência, que foi iniciado em 2003, com Lula. Agora, o PT vai voltar oficialmente a ser um partido de oposição, algo que já vinha fazendo interinamente desde maio, quando Dilma foi afastada temporariamente do Planalto.

Dilma conseguiu preservar seus direitos políticos após alguns senadores petistas, no último dia do julgamento, convencerem o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão do Senado, a dividir a votação em duas etapas: uma sobre a perda do mandato e outra sobre a dos direitos políticos.

O Senado decidiu, então, contra a perda dos direitos políticos de Dilma, o que permite a ela se candidatar em novas eleições ou exercer cargos públicos. No total, 42 votaram a favor, 12 votos a menos que a maioria de dois terços necessária. Houve três abstenções.

“A votação em separado não trará prejuízo nem à acusação e nem à defesa, porque mantém íntegra a soberania das decisões pelo Plenário”, disse Lewandowski.

A votação encerrou um ciclo de nove meses, iniciado quando o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), um desafeto de Dilma, aceitou um pedido de impeachment elaborado por um grupo de juristas. Eles acusavam a petista de cometer crime de responsabilidade por causa das chamadas pedaladas fiscais e pela publicação de decretos sem a autorização do Congresso.

Com a queda de Dilma, chegou a seis o número de presidentes eleitos pelo voto popular que não conseguiram concluir o mandato após tomarem posse. Com índices recordes de impopularidade e em meio a uma das recessões mais graves da história brasileira, a petista deixa o cargo menos de dois anos depois de assumir o seu segundo mandato, pelo qual foi eleita por 54,5 milhões de votos.

Apoio se diluiu ao longo do processo

Desde o início do processo, Dilma perdeu todas as votações decisivas na Câmara e no Senado que envolveram a continuidade do processo. Em abril, ela não havia nem conseguido o apoio de um terço dos deputados para barrar o processo. O resultado desta quarta-feira já estava sendo previsto há semanas, conforme os aliados de Temer se mostravam confiantes, e Dilma demonstrava dificuldades em contornar a tendência de derrota.

Vários senadores admitiram que os debates e argumentações que ocorreram nas últimas semanas envolvendo o mérito das acusações não fizeram qualquer diferença, e que a maior parte dos parlamentares já havia escolhido o seu lado. Até mesmo alguns petistas já vinham admitindo que seria muito difícil reverter o quadro. Nos últimos dias, aliados de Temer vinham se preocupando apenas em ampliar a sua vantagem na votação.

Desde a votação no Senado que teve como resultado tornar Dilma ré em 10 de agosto, os aliados de Temer conseguiram ampliar sua vantagem em dois votos.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), resolveu votar desta vez e decidiu pela saída de Dilma. Em votações anteriores, o político alagoano vinha evitando tomar posição, alegando que seu posto exigia neutralidade. Já o senador Telmário Mota (PDT-RR), que havia votado contra o impeachment em votações anteriores, mudou de lado e se declarou contra Dilma.

Já o senador e ex-presidente Fernando Collor, que sofreu um processo de impeachment em 1992, também votou contra a petista. Antes da votação, Collor pediu a palavra no Senado e rememorou as circunstâncias da perda do seu mandato.

Vários membros de administrações petistas votaram contra Dilma. Entre eles oito ex-ministros – Edison Lobão (PMDB-MA), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), Marcelo Crivella (PRB-RJ), Marta Suplicy (PMDB-SP), Cristovam Buarque (PPS-DF), Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Romero Jucá (PMDB-RR).

Senadores como Romário (PSB-RJ) e Cristovam Buarque (PPS-DF), que chegaram a declarar ao longo do processo que tinham dúvidas sobre como votar, acabaram decidindo pela perda do mandato de Dilma.

Caso deve ser levado ao Supremo

Antes mesmo da votação final, a defesa de Dilma já havia anunciando que pretende contestar o processo de impeachment junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Duas ações nesse sentido já estão sendo preparadas.

Nos últimos dias, diante da tendência de derrota, Dilma ainda lançou mão de suas últimas cartas. Na segunda-feira (29/08),compareceu pessoalmente ao Senado e discursou por 45 minutos. O tom foi parecido com o de suas últimas declarações públicas. Ela reiterou que considerava o processo uma forma de “golpe” e denunciou o que chamou a deslealdade e traição de ex-aliados.

Desde o início do processo, Dilma afirmou que não pretendia renunciar e que iria resistir até o final. Ela chegou a propor aos senadores e à população que trabalharia para convocar novas eleições caso conseguisse vencer a votação de hoje. Mas a proposta encontrou pouco apoio, sendo rejeitada até mesmo pelo seu próprio partido.

A última fase do processo de impeachment havia sido iniciada na última quinta-feira. Na terça, um total de 63 senadores discursou em uma sessão que se arrastou por 12 horas.

Michel Temer vinha demonstrando impaciência e tentou a todo custo apressar o resultado final para que o peemedebista pudesse viajar para China, onde ocorrereria uma reunião do G20 entre os dias 4 e 5 de setembro.

Fonte: DW

“É o segundo golpe de Estado que enfrento”, diz Dilma

Em primeiro discurso após cassação, ex-presidente diz que foi alvo de um “golpe parlamentar” e que senadores “rasgaram a Constitução”. “É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as instâncias”, afirma.

Em seu primeiro pronunciamento após a decisão do Senado de destituí-la do cargo, a ex-presidente Dilma Rousseff declarou que a votação desta quarta-feira (31/08) consumou um “golpe parlamentar” no país e que os senadores que votaram pelo impeachment “rasgaram a Constituição Federal”.

“É o segundo golpe de Estado que enfrento na vida”, afirmou Dilma no Palácio da Alvorada. “O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.”

A petista classificou sua cassação como “uma inequívoca eleição indireta” e um fato que “entra para história das grandes injustiças”. “Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment”, disse.

Dilma afirmou que não desistirá da luta e que recorrerá “em todas as instâncias possíveis”. “Eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer”, acrescentou.

“Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”, prometeu a petista, ao discursar ao lado de vários políticos aliados.

A ex-presidente ainda convidou os brasileiros a lutarem “juntos contra o retrocesso e contra a agenda conservadora”, fazendo referência ao governo de Michel Temer (PMDB), que agora assume plenamente a Presidência da República até 2018.

“Falo principalmente aos brasileiros que, durante meu governo, superaram a miséria, realizaram o sonho da casa própria, começaram a receber atendimento médico, entraram na universidade e deixaram de ser invisíveis aos olhos da nação, passando a ter direitos que sempre lhes foram negados”, afirmou, pedindo para que as pessoas não sejam tomadas pela “descrença e mágoa”.

Na despedida, Dilma disse que viveu a sua verdade e nunca fugiu de suas responsabilidades, frisando que sai da Presidência como entrou, “sem ter incorrido em qualquer ato ilícito, sem ter traído qualquer um dos meus compromissos”. “Dei o melhor de minha capacidade”, garantiu.

Por fim, dirigiu-se às mulheres brasileiras: “Peço que acreditem que vocês podem. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar”. Dilma afirmou que “o machismo e a misoginia mostraram suas feias faces” com a decisão pelo impeachment.

EK/abr/lusa/ots

Fonte: DW

Opinião: Sentimento de alívio é o mais perigoso

Baixar a guarda após a catarse do impeachment de Dilma Rousseff é a atitude mais arriscada que os brasileiros podem tomar neste momento, opina Francis França, editora-chefe da DW Brasil.

O Senado Federal votou pelo afastamento definitivo de Dilma Rousseff, 36ª presidente da República, no segundo caso de impeachment na História do Brasil.

O desfecho ocorre nove meses após a abertura do processo, que seguiu o rito previsto na Constituição Federal, embora, no fundo, tenha sido apenas uma formalidade. O destino de Dilma Rousseff já havia sido selado no dia 17 de abril, naquela famigerada votação na Câmara dos Deputados.

E se ao longo do processo as provas contra a presidente afastada ficaram cada vez mais frágeis, cuidou-se para que, pelo menos na forma, o processo fosse impecável, para afastar as acusações de golpe. Os argumentos de defesa e acusação, porém, reverberaram no vazio, pois as convicções já haviam sido formadas.

“O processo é político”, disseram os defensores do impeachment repetidas vezes. Ou “os senadores estão votando o conjunto da obra”. O problema é que processos políticos não estão previstos na Constituição presidencialista, nem o conjunto da obra foi a julgamento. O fato de os Senadores terem votado por manter os direitos políticos de Dilma Rousseff, apesar de a terem afastado do cargo, evidencia a incoerência do processo.

Nada disso importou, porque o Senado encontrou respaldo na opinião pública. Não como no impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992, quando todos estavam contra o presidente. Dilma Rousseff ainda conseguiu manter o apoio de uma parcela da população e recebeu a chancela de diversos intelectuais ilustres.

Mas grande parte de uma população polarizada apoiou o impeachment. Mesmo sabendo que muitos dos que julgaram a presidente respondem a denúncias mais graves do que ela, a maioria dos brasileiros decidiu que os fins justificam os meios e que o mais importante é sair da crise. Uma crise financeira e econômica que foi fruto da lentidão do governo em encarar os problemas, combinada com as pautas-bomba que o Congresso lhe preparou. Dilma caiu na armadilha pelo descompasso crônico de seu governo perante os desafios que enfrentou.

E sem que as provas contra ela ficassem mais contundentes, Dilma foi perdendo respaldo. Já no início foi abandonada por parte de seus eleitores, que passaram a apoiar o impeachment. Ao final do processo, mesmo aqueles contrários ao impeachment não conseguiam imaginar a continuidade do governo Dilma. A única alternativa possível para seu retorno seria com o propósito de convocar novas eleições, uma ideia que ela, mais uma vez, abraçou tarde demais. E quando abraçou, seu próprio partido colocou uma pá de cal sobre o assunto: na véspera do início do julgamento, a cúpula do PT rejeitou a proposta por 14 votos a dois.

O PT certamente calculou que é muito melhor sacrificar Dilma agora e esperar pelas eleições presidenciais de 2018. Nesse meio tempo, aposta que seus adversários se desgastem. Por ironia do destino, o PT pode acabar ganhando mais com o impeachment de Dilma do que ganharia com a continuidade do governo dela.

E se alguém acha que alguma coisa mudou profundamente no Brasil, deveria saber que PT e PMDB – os arquirrivais do impeachment – fizeram alianças em nada menos que 200 cidades para as eleições municipais de outubro próximo.

Aliás, se há um aspecto positivo nessa crise em que o país se afundou, é o fato de o PT, após desperdiçar sua chance ao se envolver com o que há de pior na política brasileira, finalmente perder espaço para dar lugar a uma nova esquerda que possa contrabalançar com legitimidade a temerária onda de direita conservadora e religiosa que se alastra pelo Brasil dos anos 10.

Mas respirar aliviado após a catarse do afastamento de Dilma Rousseff é o sentimento mais perigoso que se pode ter neste momento. Primeiro porque um projeto neoliberal de governo que não foi chancelado por voto algum ditará os rumos do Brasil pelos próximos 28 meses. E, principalmente, porque o país continua nas mãos de dezenas de políticos investigados por corrupção, os quais já deram sinais de que farão o que estiver ao seu alcance para barrar o pacote anticorrupção no Congresso e as investigações da Operação Lava Jato. É preciso continuar atento.

Francis França

  • Francis França editora-chefe da DW Brasil

Fonte: DW

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