De Leon Petta*
Especial para o Plano Brasil
Se como geralmente é difundido de que o pai da AL-Qaeda e do Taleban é americano (CIA – Agencia Central de Inteligência), então sua mãe seria chinesa. Muito menos explorado do que a participação americana na resistência afegã durante a Invasão Soviética (1979-89) a participação chinesa foi igualmente fundamental. E para entender direito essa história, primeiro devemos fazer uma revisão sobre a situação geopolítica nos anos de 1980 na Ásia Central e Sul.
Já no inicio da década de 1970, Mao Tse Tung e Zhou Enlai (antigo premiê da República Popular da China) vinham tentando mudar a política externa chinesa. Rivalidade com o Japão, bases americanas na Coreia do Sul e Taiwan, desconfiança com a União Soviética e uma guerra com a Índia criaram um cenário geopolítico desesperador para a China Comunista, que ao olhar o mapa via um verdadeiro cerco que cedo ou tarde poderia romper sua soberania. Do outro lado, Estados Unidos sob o Presidente Nixon e o Secretário Henry Kissinger enxergaram numa China mais mansa, a oportunidade de cercar o Império Soviético.
As negociações que se alongaram durante a década tiveram o pontapé necessário quando a União Soviética decidiu invadir o Afeganistão em 1979 sob fortes protestos principalmente dos EUA e China. Para os Estados Unidos, a União Soviética estava finalmente se consolidando no poder da “Heartland” (Área Pivô) transformando-se no poder supremo da Eurásia; para a China, era um cerco soviético no longo prazo ameaçaria a própria existência chinesa.
O Afeganistão não apenas faz fronteira com a província chinesa de Xinjiang, (Turquestão) mas fontes da CIA e da MSS (serviço secreto chinês) indicavam que havia uma intenção soviética de, após a pacificação do Afeganistão, invadir a província paquistanesa do Baluchistão. O que no longo prazo significaria que a União Soviética não apenas teria acesso aos mares quentes, mas que também poderia bloquear o Estreito de Ormuz, no Irã em caso de guerra. Para piorar, a invasão vietnamita (Regime apoiado por Moscou) ao Camboja (apoiada pela China) significaria por sua vez a capacidade de bloquear o Estreito de Malaca. Em outras palavras ao olhar o mapa, os chineses que viam a União Soviética ao norte e oeste agora também poderia vê-los ao sul, isolando a China de qualquer capacidade de abastecimento. Algumas fontes da época indicavam até mesmo que a Índia estaria disposta a contribuir com a União Soviética durante uma eventual invasão ao Paquistão, alarmando ainda mais a China que via a possibilidade de lutar em três frentes contra três forças poderosas (União Soviética, Índia e Vietnã).

Guerrilhas afegãs escolhidas para receber tratamento medico nos Estados Unidos. Base da Força Aérea em Norton, Califórnia, 1986.
A participação americana é bem explorada e quase todos que leram sobre o assunto sabem dos misseis terra-ar FIM-92 Stinger de fabricação americana nas mãos de insurgentes afegãos derrubando aviões e helicópteros soviéticos durante a guerra. Porém, o abastecimento destes misseis se dá só depois de um ponto bem avançado na guerra, já que no inicio havia uma preocupação em Washington de não ser vista se envolvendo diretamente na guerra. E a solução foi abastecer os afegãos com armamento de “características” soviéticas , assim seria difícil provar qualquer envolvimento americano e ninguém melhor que a China, cuja indústria de armas era herdada dos soviéticos, para prover esses tipos de armas.

O congressista norte americano Charlie Wilson (segundo da esquerda para a direita) vestindo um traje afegão e portando uma AK-47 posando com mujahideen afegãos.
Ao longo da década de 1980 estima-se que os EUA deram 100 milhões de dólares para os chineses fornecerem essas armas aos afegãos, por sua vez também indiretamente. A estratégia da CIA e da MSS consistia em suprir os mujahideens de duas formas. A primeira e maior, através do porto de Karachi no Paquistão, onde assim que as armas chegavam em território paquistanês, o ISI (serviço secreto paquistanês) as pegavam e entregavam através de suas redes de contatos com o Taleban. E a segunda, através da província afegã de Badakhshan, na divisa da China com o Afeganistão usando a rede de contatos do grupo afegão islâmico e maoísta Shola-e Javiyd (também conhecido como “Grupo da Chama Eterna”).
Porém, devido ao fato de algumas dessas armas serem sofisticadas demais para os afegãos saberem usar, a PLA (Exército de Libertação Popular da China) enviou cerca de 300 oficiais para treinarem os insurgentes diretamente no Paquistão, em bases emprestadas pelas forças armadas daquele país. Em alguns casos, alguns insurgentes afegãos ligados a Al-Qaeda foram treinados até mesmo dentro da China, em bases na província de Xinjiang, que devido a movimentação soviética durante a guerra, triplicaram em tamanho no intervalo de apenas 10 anos.
O resultado bem conhecido foi a derrota Soviética e o aprofundamento das relações Sino-Paquistanesas que duram até hoje; a cooperação EUA-China, que além de jogar grandes volumes de dinheiro também envolveu transferência de tecnologia, que na maioria dos casos até hoje são mantidos em sigilo, mas se sabe que pelo menos boa parte do UH-60 “Black Hawk” teria sido fornecido aos chineses; e o aumento de influencia chinesa sobre o Afeganistão (incluindo até mesmo uma certa tolerância mutua na relação Taleban-China), principalmente, após a invasão norte-americana ao Afeganistão em 2001.
*De Leon Petta Gomes da Costa. Pesquisador de Doutorado da Univ de São Paulo. Pesquisador visitante da Virginia Commonwealth university (EUA) e Pesquisador Honorário da Universidade de Hong Kong (China).
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