NATUREZA SINGULAR DAS OPERAÇÕES ESPECIAIS

Por: Rodney Alfredo Pinto Lisboa, especial para o Plano Brasil

No âmbito militar o termo “não convencional” é empregado em referência ao conjunto de ações que fogem à doutrina usual utilizada pelas forças regulares (convencionais), que norteiam sua conduta a partir de rígidas normas de procedimento adotadas como padrão para situações que pouco diferem umas das outras. Quando utilizam de métodos pouco ortodoxos para cada uma das situações em que se encontram envolvidas, as FOpEsp – valendo-se do princípio de que não é a tática e sim a política a responsável por definir a forma do conflito – buscam aproveitar-se do fator imprevisibilidade, característico das ações irregulares (guerra de guerrilha), para gerar uma “assimetria” mediante o uso de formas de combate pelas quais o adversário não espera, percebe ou compreende, a fim de neutralizar ou minimizar o poder de combate das forças regulares inimigas, normalmente restritas a procedimentos previamente testados e estabelecidos.

A natureza assimétrica que opõe forças diametralmente contrárias em termos de poder de combate, impõe aos irregulares (FOpEsp) a necessidade de conjugar habilidades heterogêneas que lhes confere a autonomia necessária para analisar e solucionar a situação em questão com liberdade de ação, originalidade, simplicidade, praticidade e adaptabilidade. Para tanto, cada um dos operadores, conforme a especificidade de cada tropa, recebe elevados níveis de adestramento, de modo a qualificá-lo no desempenho de diversas capacidades que se estendem para além da metodologia formal do planejamento operacional adotado pelas unidades militares tradicionais.

Quando envolvidas em um confronto de natureza irregular, as FOpEsp devem empenhar-se para atender os seis princípios que lhe são inerentes (simplicidade; segurança; repetição; surpresa; rapidez; propósito), no intuito de obter o conceito militar conhecido como “superioridade relativa”. Obtida no momento mais crítico e também no de maior risco ao longo de um engajamento (podendo ocorrer mesmo antes do combate ser travado), a superioridade relativa ocorre a partir de uma ação ofensiva rápida e precisa, levada a cabo contra um ponto vulnerável defendido pela força inimiga. Em decorrência do limitado poder de fogo das FOpEsp em relação às tropas convencionais, é crucial para os irregulares que a superioridade relativa seja alcançada e mantida o mais cedo que for possível, pois à medida que o engajamento se estende maior a possibilidade da iniciativa ser perdida, sob pena de jamais ser recuperada, aumentando a vulnerabilidade da missão em relação aos fatores relacionados à casualidade (Fricções de Guerra), que por não poderem ser considerados nos planejamentos estratégicos, constituem influências que podem comprometer o êxito do engajamento.

Conforme apresentado, o desfecho das ações irregulares empregadas pelas FOpEsp dependem da aquisição de habilidades diferenciadas mediante adestramento, da qualidade e especificidade dos materiais (equipamentos) e meios (procedimentos), da capacidade de operar rápida, sigilosa, oportuna e coletivamente (responsabilidade compartilhada) respeitando o planejamento e a preparação, da faculdade de adaptar-se ao acaso encontrando soluções pertinentes para cada situação específica, do correto estabelecimento da tríade (comando, controle e execução da ação) considerando o tempo (quando), o espaço (onde) e as particularidades defensivas do adversário.

A condição velada do universo que envolve as FOpEsp, faz com que o conjunto específico de técnicas empregadas em determinados procedimentos operacionais, necessariamente, seja resguardado sob a égide do sigilo a fim de assegurar a consecução dos princípios supracitados. Embora muitos aspectos relacionados a essas técnicas sejam difundidos internacionalmente entre unidades análogas por conta do intercâmbio realizado em diferentes situações, os pormenores obtidos apenas mediante o empirismo, que por sua vez distinguem a metodologia adotada por cada FOpEsp, proporcionam um diferencial que deve ser protegido, sob pena de comprometer a eficiência da unidade em caso de exposição dessas técnicas. Essa “identidade metodológica”, nascida, sobretudo, da experimentação sistemática, é adquirida pela interação de fatores relacionados à capacidade humana (física, intelectual e psicológica) dos quadros operacionais e à versatilidade dos recursos (armas, equipamentos e vetores de lançamento/recolhimento) que lhes são disponibilizados.

Quando são identificadas e vêm a público, as operações militares revelam a identidade do Estado que as patrocinou, situação que dependendo da natureza da ação pode comprometer o desempenho de uma OpEsp. Desse modo, ações que requerem o emprego de FOpEsp devem ser realizadas como uma operação aberta, de baixa visibilidade, encoberta ou clandestina.

As Operações Abertas são declaradas publicamente pelo Estado patrocinador que assume a iniciativa da ação. Embora não sejam formalmente negadas pelo Estado patrocinador, as Operações de Baixa Visibilidade são realizadas da forma mais discreta possível. Nas Operações Encobertas o Estado patrocinador dissimula a ação, resguardando-se de modo a negar de maneira plausível que seja o responsável pela operação. Por sua vez, devido à natureza sensível da operação (que pode comprometer o Estado patrocinador) as Operações Clandestinas ocorrem de forma dissimulada, com as autoridades negando seu envolvimento. Particularmente nesse caso, as consequências da ação, necessariamente, devem ser percebidas pela opinião pública como obra do acaso.

Realizadas normalmente como uma operação de natureza “clandestina”, cujo sigilo constitui elemento fundamental para proteger a integridade da missão, as campanhas conduzidas por FOpEsp ocorrem de duas formas distintas: por Ação Direta (AD), quando a FOpEsp estabelece contato direto com o inimigo; por Ação Indireta (AI), quando a FOpEsp disponibiliza organização, treinamento e logística para que forças amigas estabeleçam o contato com o adversário.

Conforme ambiente operacional e tempo de engajamento, ambos métodos (AD e AI) podem ser planejados e conduzidos de forma independente ou conjunta, sendo levados a efeito de maneira autônoma ou em apoio às forças convencionais. Embora possam ocorrer de forma integrada, o efeito produzido será muito superior quando as AD e AI materializam-se separadamente.

Embora as FOpEsp de diversas nações guardem sensíveis diferenças entre si, a classificação das missões a que se destinam (Tabela 1) apresentam similaridades conforme a categoria e o método de execução.

No cenário contemporâneo, a globalização econômica fez surgir uma nova ordem mundial onde despontam atores com motivações político-ideológicas sem vínculos com os Estados Nacionais, que buscam impor sua posição pelo uso da força. Por não disporem de representatividade estatal, retirando do Estado o monopólio da guerra, essas “novas ameaças” (insurreições, crime organizado, narcotráfico, pirataria e terrorismo) apresentam-se como um desafio para as instituições militares como um todo, uma vez que a modalidade de “guerra assimétrica” proposta por elas, em alguns casos, ignora o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA/Law of Armed Conflict [LOAC]) que é regido pelos termos da Convenção de Genebra.

 

Classificação das Operações Especiais
Categoria Método Descrição
Ação de Comandos AD Operações destinadas a conduzir: interdição/destruição de alvos críticos; captura, resgate, evacuação ou neutralização de pessoal/material localizado em território hostil (todos avaliados como objetivo de valor estratégico); Planejadas para serem executadas como uma ação de choque, conduzida de surpresa, com alta intensidade e curta duração.
Guerra Irregular AI Ações realizadas em área politicamente sensível ou controlada pelo inimigo, mediante emprego de técnicas e táticas da “guerra de guerrilha”. Operações dessa natureza são realizadas por pessoal nativo da área de operações, a partir de organização, treinamento e logística (armas e equipamentos) ofertados por destacamentos de FOpEsp. Desenvolvidos de modo a possibilitar movimentos de resistência ou insurgência.
Operações contra Forças Irregulares AD/AI Decorrentes de ações executadas em função de objetivos atrelados à Defesa da Pátria (defesa externa), à Garantia da Lei e da Ordem/GLO (defesa interna), bem como em cumprimento aos compromissos assumidos com organismos internacionais. Em geral, consideram basicamente os procedimentos não convencionais empregados na condução da Guerra Irregular.
Reconhecimento Estratégico/Especial AI Ações objetivando o recolhimento de um conjunto de informações de importância estratégica ou operacional relacionadas à capacidade de combate do inimigo e características do ambiente (terreno e clima).
Operações Psicológicas AI Conjunto de medidas adotadas pelas FOpEsp de modo a influenciar o público-alvo a adotar comportamentos favoráveis que venham de encontro com a consecução de objetivos políticos, militares e econômicos.

Tabela 1: Classificação das operações consideradas como sendo de natureza especial. (Fonte: adaptado de PINHEIRO, 2012).

Para os países soberanos, o grande desafio de enfrentar o combate irregular e assimétrico encontra-se na capacidade de estudar e compreender os fenômenos relacionados a essa categoria de confronto, promovendo um conjunto de adaptações político-militares que contribuam para que ações dessa natureza sejam coibidas, uma vez que a postura conservadora de enfrentamento, considerando o emprego de tropas e métodos convencionais, mostra-se sujeita a falhas devido à inadequação dos procedimentos adotados. Os artifícios pouco ortodoxos utilizados pelo inimigo na conduta de um conflito irregular requerem uma resposta igualmente diferenciada, demandando a elaboração e/ou desenvolvimento de metodologias compatíveis, eficientes e aceitáveis de confrontação. Nesse ponto devemos esclarecer que o termo “aceitável” refere-se à legitimidade das ações militares em favor de um Estado, uma vez que elas são consideradas legítimas quando levadas a garantir a estabilidade política, econômica e social da nação em questão, mas perdem esse caráter quando atingem sua cultura, valores, interesses e pessoas.

No contexto internacional, a virada do século XX para o século XXI ficou marcada pela série de atentados terroristas promovidos pela al-Qaeda contra as cidades norte-americanas de Washington e Nova York em 11 de setembro de 2001. A partir desses eventos, as FFAA estadunidenses reagiram imediatamente, revisando sua estratégia de defesa para mobilizar todos os recursos necessários no intuito de desencadear uma Guerra Global contra o Terrorismo (Global War on Terror [GWOT]), cujos alvos prioritários seriam a al-Qaeda e o Talibã. Diferente das guerras travadas pelos EUA no passado, o conflito em questão requeria o engajamento de tropas norte-americanas contra inimigos sem fronteiras. Estendendo sua declaração de guerra contra qualquer nação, organização ou pessoa que corroborasse com a iniciativa terrorista, o governo de Washington iniciou uma campanha militar no Afeganistão (país que servia como reduto da al-Qaeda).

As particularidades restritivas do acidentado terreno afegão impossibilitaram o emprego de tropas convencionais, fato que levou os estadunidenses a valerem-se de suas FOpEsp para a execução das ações de campo. A importância estratégica que o Pentágono atribuía às FOpEsp na campanha afegã era tamanha, que o conflito foi classificado pelos militares como Guerra Centrada nas Forças de Operações Especiais (Special Forces Centric Warfare). O resultado do empreendimento norte-americano no Afeganistão evidenciou as tropas não convencionais de modo jamais visto em engajamentos militares anteriores. Sobre os procedimentos operacionais conduzidos pelas FOpEsp estadunidenses, são dignos de nota: coleta de dados de inteligência; marcação de alvos com dispositivos laser para aviação e/ou artilharia; formação, recrutamento e apoio às forças da Aliança do Norte; ataque à infraestrutura da al-Qaeda; captura de Alvos de Grande Valor; resgate de pilotos abatidos; apreensão de documentos; entre outros.

Operadores Tier 1, no Afeganistão

As campanhas levadas a efeito por FOpEsp na Guerra do Kosovo (1999) e na Guerra do Afeganistão(2001), são exemplos do emprego estratégico das unidades de elite em favor dos interesses dos Estados, uma vez que os resultados obtidos conscientizaram as autoridades estatais que grandes objetivos políticos podem ser alcançados por ElmOpEsp organizados em pequenas unidades e sem a onerosa necessidade de utilizar os grandes contingentes das tropas convencionais.

Sobre a relevância estratégica das FOpEsp, Colin Gray afirma:

“As Forças de Operações Especiais são um ativo da grande estratégia nacional: elas constituem uma ferramenta de política que pode ser empregada cirurgicamente em apoio à diplomacia, assistência estrangeira (de inúmeras formas), bem como um das forças militares regulares, ou como uma arma independente.”

Ponderando sobre a utilização das FOpEsp em favor da Grande Estratégia dos Estados, Gray evidencia as unidades de elite como um importante instrumento do Poder Militar que pode ser empregado em favor dos interesses estatais (política).

Especificamente no caso do Brasil, cuja sociedade não se mostra devidamente identificada com suas FFAA e tampouco reconhece a abrangência de suas atuações, os inúmeros problemas sociais enfrentados pelo país dificultam maiores investimentos nos setores de Segurança e Defesa. Outro agravante que compromete a consciência do povo brasileiro em relação às FFAA, bem como à necessidade de promover mudanças na Política de Defesa Nacional (PDN), é a sensação de que o país, mesmo dispondo de uma ampla diversidade de recursos naturais, não está sujeito a qualquer tipo de ameaça. Para reverter esse quadro, é fundamental que os diferentes setores da sociedade sejam introduzidos no debate que têm a PDN como foco, discutindo os programas a ela relacionados como medidas comprometidas, não com o programa político de um determinado governo, mas com sucessivos governos que se empenham em estabelecer uma política de Estado duradoura.

Referencial:

PINHEIRO, Álvaro de Souza. Knowing your Partner: the evolution of Brazilian Special Operations Forces. JSOU Report 12-7. Hurlburt Field, FL: Joint Special Operations University (JSOU), 2012.

Notas sobre o autor: Professor universitário; especialista em História Militar; mestre em Estudos Marítimos pela EGN (Escola de Guerra Naval). É fundador da Poseidon: Análises de Defesa e editor do blog FOpEsp (Forças de Operações Especiais). É membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB) e da Associação Brasileira dos Estudos de Defesa (ABED). Foi agraciado em 2014 com o título de Mergulhador de Combate Honorário e em 2016 com o título de Submarinista Honorário. Publicou diversos artigos em periódicos e revistas especializadas abordando a temática da Guerra Irregular e das Operações Especiais.