“Perigo de catástrofe nuclear hoje, é maior que durante a Guerra Fria”

Os países da OTAN encerraram no sábado (9) uma reunião de cúpula em Varsóvia que foi a última para o presidente dos EUA, Barack Obama.

Seu primeiro mandato na Casa Branca começou a partir do “reset” nas relações com a Rússia e com intenções de reduzir a presença militar norte-americana no exterior. Agora, porém, Washington e a OTAN expandem sua presença militar na Europa Oriental, perto das fronteiras russas.

Em entrevista à Gazeta Russa, o ex-secretário de Defesa dos EUA, William Perry, que chefiou o Pentágono entre 1994 e 1997, falou sobre possíveis ameaças e soluções.

Pergunta – Você foi secretário de defesa dos EUA na época em que muitos acreditavam que a Rússia um dia poderia se tornar um membro da OTAN. Como era possível imaginar uma perspectiva tão inconcebível hoje?

William Perry: Eu arranjei a primeira reunião de um ministro da Defesa da Rússia com a OTAN, em 1993. Naquela época não estávamos falando sobre a adesão à OTAN, nem os russos. Mas nós formamos a “Parceria para a Paz”. A proposta era conduzir exercícios e treinamentos conjuntos para missões de paz. Os membros da OTAN vieram para a Rússia, na verdade, para participar de exercícios militares.

A liderança norte-americana e ocidental tinha a intenção de integrar a Rússia à arquitetura de segurança europeia após o fim da Guerra Fria?

O desenvolvimento mais significativo daquele período foi a participação da Rússia na grande operação de segurança na Bósnia. Eu negociei um acordo em que as tropas russas iriam operar como parte de uma divisão norte-americana. Este não era um exercício, foi uma operação de verdade e potencialmente perigosa. Funcionou muito bem. O comandante da divisão norte-americana, o general William Nash, me disse na época que a brigada russa era uma das melhores que já tinha visto. E ele recomendou a mim que déssemos uma medalha dos EUA ao comandante da brigada russa.

Por que os EUA e a OTAN consideram hoje a Rússia como uma ameaça?

Eu acho que os EUA foram responsáveis por isso nos primeiros anos. Em 1996, a OTAN decidiu se expandir para o Oriente. Argumentei veementemente contra isso. Não porque eu fosse contra a entrada de países do Leste Europeu na OTAN. Mas eu achava que isso deveria ocorrer no momento em que a Rússia estivesse pronta também. Se nós íamos ampliar a OTAN e incluir países da Europa Oriental, deveríamos ter considerado a inclusão da Rússia também.

Havia algum oficial que compartilhasse da mesma ideia na administração norte-americana?

Não. Eu era muito solitário (risos).

Você acredita que a Rússia tenha sido tratada como a perdedora da Guerra Fria na década de 1990?

Algumas pessoas nos EUA e na OTAN se sentiam assim. Elas achavam que poderiam administrar os problemas que a expansão da OTAN causaria nas relações com Moscou. E diziam: “E qual a importância disso mesmo?”. Então, além dessas duas ações específicas, havia um sentimento na Rússia que foi ignorado.

O que você pensa sobre a ideia da adesão da Ucrânia à OTAN?

Quando a administração Bush começou a falar sobre oferecer um papel de membro da OTAN à Ucrânia e à Geórgia, foi um erro significativo por parte dos EUA. Não temos capacidade logística para defender a Geórgia, por exemplo. A OTAN não é um clube social nem uma fraternidade. Ela não deve permitir a adesão de qualquer país onde não seja possível realizar a missão.

Quão eficiente é o sistema de defesa antimíssil dos EUA na Europa, visto pela Rússia como uma ameaça?

Eu não acho que seja um sistema eficaz. O escudo contra mísseis balísticos é uma despesa desnecessária. Quando eu era secretário da Defesa, tivemos um programa de pesquisa e desenvolvimento desse tipo, mas nunca um programa de produção e implantação. Eu podia perceber que era um motivo de atrito para as relações EUA-Rússia. Mas a administração Bush acreditava que era suficientemente importante implementar o sistema, mesmo em oposição às objeções da Rússia.

Este sistema pode, tecnicamente, ser usado contra Moscou?

Meu melhor julgamento técnico é que este sistema não terá nenhum efeito significativo por si só. O melhor que posso dizer é que, embora este sistema não esteja ameaçando a Rússia, ele pode eventualmente levar a um sistema que afete a dissuasão – o que é uma perspectiva muito remota. O sistema que está sendo implantado tem pouco ou nenhum efeito contra a dissuasão nuclear russa.

O ex-secretário de Defesa Chuck Hagel criticou os planos de enviar mais soldados norte-americanos para a Europa Oriental, sugerindo ameaça de uma nova Guerra Fria. Você também acredita nisso?

Washington vê a Rússia se rearmando, então, as forças da nossa elite política que querem rearmar os EUA irão prevalecer. Vamos enviar soldados para a Europa Oriental. Existe o perigo de que os lados tomem ações que nos movam mais perto de algum tipo de conflito militar. Um incidente gerado por um coronel em qualquer força poderia desencadear uma ação que nem um presidente quer tomar.

Mas existe ameaça de uma nova corrida armamentista nuclear?

Nos últimos dez anos, muito do incômodo nas relações bilaterais partiu de Moscou. Houve um princípio de grande acúmulo de forças nucleares russas. O que impressionava era como alguns oficiais do governo falavam sobre isso, em tom ameaçador para os EUA e países europeus. Um dos exemplos mais dramáticos foi o do famoso apresentador de TV Dmítri Kiseliev afirmando que “a Rússia era o único país capaz de transformar os EUA em cinzas radioativas”. E ninguém no governo desmentiu sua declaração. Isso causou uma profunda preocupação [nos EUA]. Assim, os EUA estão agora começando a reconstruir o seu arsenal nuclear. Podíamos ter evitado isso.

Moscou também está preocupada com o desenvolvimento de sistemas de armas alternativos, incluindo mísseis hipersônicos ou o conceito de Prompt Global Strike…

Armas não nucleares com capacidade nuclear. Eu não sou a favor desses programas. Eles são, em grande parte, ineficazes. Além disso, são fatores de perturbação desnecessários que causam preocupação na Rússia.

No ano passado, o ‘relógio do Juízo Final’ foi movido para 23:57. Você acha que esta é uma estimativa precisa de ameaça de confronto nuclear?

Eu acho. Acredito que o perigo hoje de uma catástrofe nuclear é maior do que era durante a Guerra Fria. Hoje temos o perigo do terrorismo nuclear, que não existia na época. Outro novo perigo é de uma guerra nuclear regional. Acrescente a isso as duas possibilidades que existiam na Guerra Fria: uma guerra nuclear acidental, devido a um falso alarme, por exemplo, ou guerra nuclear devido a erro de cálculo. Eu mesmo testemunhei três alarmes falsos, quando nós praticamente evitamos um confronto nuclear. Toda vez eu pensava que poderia ser o último dia da minha vida. Junte todas essas quatro possibilidades e você tem hoje uma maior possibilidade de catástrofe nuclear do havia durante a Guerra Fria.

Você acredita que os EUA, a OTAN e a Rússia deveriam superar o congelamento das relações desencadeado pela crise na Ucrânia?

É indispensável tanto para o governo da Rússia como o dos EUA encontrar uma maneira de consertar esse relacionamento ruim. Os EUA e a Rússia [devem] criar um grupo de trabalho conjunto para reduzir o perigo do terrorismo nuclear. Talvez, então, teríamos a base para começar a reparar essa ruptura em nossas relações.

ÍGOR DUNAEVSKI

Fonte: Gazeta Russa