Brexit: O princípio do fim para a União Europeia?

Uma Europa sem o Reino Unido nunca poderia ser suficientemente forte”, afirmou, em 1975, o então chanceler da Alemanha, Helmut Schmidt, por ocasião da vitória do “sim” em um plebiscito sobre a entrada britânica no Mercado Comum Europeu.

Quarenta e um anos mais tarde, as palavras de Schmidt serão postas à prova.

A vitória dos partidários da saída do Reino Unido do bloco político-econômico, decretada por plebiscito na última quinta-feira, colocou todo o processo de integração regional em uma situação inédita.

O chamado Brexit entra em uma lista de problemas como a severa crise migratória, o crescimento econômico modesto e a ascensão dos movimentos de extrema-direita nos 28 paíes que compões a UE, que já se via em crise antes da revolta de um de seus membros mais importantes.

Seria este o começo do fim do projeto de uma Europa unida?

“O Brexit é um golpe muito forte na ideia de integração europeia, que se baseia na ampliação sucessiva de seu alcance. O Brexit faz justamente o contrário: é a primeira vez que um país decide por vontade própria tomar o rumo da saída”, explica Pol Morillas, pesquisador do Centro de Estudos Internacionais de Barcelona (Cidob), em entrevista à BBC Brasil, o serviço em espanhol da BBC.

Morillas ressalta que, após o Brexit, existe a possibilidade real de que outros países em que o euroceticismo esteja em alta também sigam esse caminho. Ainda que cada país tenha suas próprias dinâmicas, o que não permite imaginar um processo imediato.

“Na França, por exemplo, isso dependeria de que Marine Le Pen (líder da Frente Nacional, o maior partido de extrema-direita do país e cuja plataforma é marcada pela oposião à UE) ganhe as eleições – algo que não é evidente neste momento. Na Holanda, por outro lado, é muito mais fácil convocar plebiscitos, seria menos complicado emular o caso britânico”, afirma o pesquisador.

Efeitos do Brexit

Joaquín Roy, diretor do Centro de Estudos sobre União Europeia da Universidade de Miami, nos EUA, acredita que o Brexit terá um impacto muito negativo sobre o projeto europeu porque enfraquecerá as realizações da integração.

“A saída de um membro importante, ainda que (um membro) incômodo durante muitos anos, terá efeitos lamentáveis. Não acredito que o Brexit vá levar a UE à desintegração, mas seus efeitos serão notados”, diz Roy.

O especialista explica que os acontecimentos no Reino Unido darão fôlego para movimentos nacionalistas em outros países europeus, mas destaca que não se trata da primeira vez em que a integração europeia enfrenta situações difíceis.

Roy cita, por exemplo, o episódio, em 1967, em que o então presidente francês, Charles de Gaulle, vetou a entrada do Reino Unido do Reino Unido na então Comunidade Econômica Europeia.

“Os sucessos da UE não ocorreram da noite por dia. O bloco foi aprendendo com seus erros”.

Efeito duplo

Charles Grant, diretor do Centro para Reforma da Europa (CER), um instituto de análises com sede em Londres, vê o Brexit enfraquecendo o argumento por maior integração da UE.

“O Brexit é um evento transcendental na história da Europa e, de agora em diante, a narrativa será de desintegração”, escreveu Grant, em um artigo publicado no site do CER.

“Mas isso não quer dizer que a UE vai quebrar ou mesmo que outro país possa sair. Isso é pouco provável em um futuro próximo. Mas os de centro que governam quase todos os países membros estarão da defensiva diante das forças populistas que se opõem a eles e à UE”, completou.

Mas Roy vê as forças “separatistas” enfrentando um obstáculo: os efeitos negativos mais evidentes do Brexit no Reino Unido, sobretudo na economia.

“Há alguns que acreditam em uma saída que conservará as vantagens de antes, como o acesso ao mercado único europeu. Isso não é tão fácil”, disse.

Impulso

Mas os analistas acreditam que o Brexit servirá de estímulo para mudanças no funcionamento da União Europeia.

“Será necessária uma melhora dos mecanismos de funcionamento da UE, mais participação democrática e una reforma profunda de da política de imigração, por exemplo. É preciso uma saída rápida para as crises que rondam o projeto, para evitar que ele caia em descrédito”, disse Morillas.

Grant vê a UE enfrentando esses desafios de forma pragmática, por meio de acordos intergovernamentais mais do que pelo fortalecimento das instituições comunitárias, para evitar uma reação negativa dos cidadãos contra a UE.

“Isso fará com que os responsáveis pela UE adotem mecanismos de reforço da integração com mais tratados, abandonando a norma de unanimidade”, diz Roy.

“Provavelmente teremos um sistema em que os países da Zona do Euro serão sócios privilegiados, mas isso ainda não está decidido”, acrescente Roy, referindo-se à possibilidade de uma situação de integração diferenciada, em que nem todos os países membros participam de todos os acordos.

A única coisa que parece clara, por enquanto, é que os britânicos estão navegando em águas desconhecidas”.

BBC Brasil

Fonte: Terra