O compromisso nuclear e os testes de mísseis iranianos

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Raquel Gontijo

 No dia 08 de março, o Irã anunciou a realização de novos testes de mísseis balísticos, dando continuidade a uma política que atraiu críticas internacionais, após o sucesso inicial do acordo firmado em 2015, restringindo o escopo de suas atividades nucleares. A insistência do Irã em promover avanços em seu programa de mísseis balísticos parece contraditória à sua disposição em cumprir as determinações do Plano Compreensivo de Ação Conjunta (JCPOA) no setor nuclear, mas o país sugere que os mísseis são fundamentais para sua defesa, e constituem componente dissuasório importante frente às ameaças regionais.

 No entanto, a capacidade dissuasória associada a mísseis munidos apenas com explosivos convencionais é incerta. Mísseis têm, de fato, algumas vantagens relevantes, como sua maior capacidade de penetração em território inimigo em comparação com outras formas de ataque aéreo, principalmente quando o país atacado possui uma defesa antiaérea eficiente, capaz de aumentar expressivamente a fricção sofrida por aeronaves.

 Com efeito, Israel, cuja defesa antiaérea demonstrou sua eficácia em conflitos anteriores, parece ser o principal interlocutor dos recentes testes iranianos. Portanto, o desenvolvimento de mísseis capazes de alcançar seu território pode impactar sobre as relações já tensas entre os dois países, ao aumentar a capacidade das forças iranianas de executarem um ataque bem sucedido sobre a população israelense, na eventualidade de um conflito (o que assume grande importância ao considerarmos que, atualmente, o Irã é percebido como a principal ameaça à segurança de Israel, segundo representante das Forças de Defesa Israelense).

 Além disso, mísseis balísticos são muito mais velozes do que aeronaves, e podem ter um forte efeito psicológico sobre as populações atacadas, devido ao baixo tempo de alerta e à dificuldade de defesa, sobretudo de alvos civis. Essas características podem trazer alguma capacidade de dissuasão, na medida em que líderes inimigos tenham menor disposição a arcar com os custos políticos de ataques com mísseis sobre a sua população.

 A despeito dessas vantagens, os elevados custos associados à aquisição de mísseis balísticos são, frequentemente, percebidos como incompatíveis com seus reais benefícios. Isso porque bombardeios aéreos podem ser realizados através de aeronaves, que, apesar de mais lentas e mais vulneráveis à defesa antiaérea inimiga, são mais versáteis, tem maior precisão, e podem ser reutilizadas em vários bombardeios. Assim, ainda que o Oriente Médio tenha já um histórico de emprego de mísseis balísticos nos conflitos regionais, o número de mortes associadas aos mísseis tende a ser muito baixo. De fato, mísseis balísticos são um armamento de eficiência comprovada apenas quando conjugados com ogivas nucleares (ou outros armamentos de destruição em massa).

 Contudo, para o Irã pós-JCPOA, os mísseis balísticos podem ter um significado simbólico importante. Esses armamentos, imbuídos de elevado teor tecnológico, são associados a uma noção internacional de prestígio, de modo que Estados que possuem mísseis de longo alcance fazem parte de um seleto grupo de países dotados de capacidade militar avançada e pouco difundida. Esse valor simbólico pode ser importante para acalmar os grupos mais radicais da política iraniana, como uma compensação pela perda do programa nuclear. O acordo nuclear, que foi produto de um governo associado às alas mais moderadas da política iraniana, não foi bem aceito pelos adeptos de uma corrente política mais conservadora no país.

 Portanto, ainda que o Irã tenha seguido admiravelmente as imposições do JCPOA, os testes de mísseis podem evidenciar a permanência de pressões internas para políticas agressivas no cenário regional. Isso parece condizente com a intensa participação do país nas tensões locais, como o conflito no Iêmen e o combate ao Estado Islâmico, que indicam uma ambição do Irã de assumir, cada vez mais, um papel de liderança no Oriente Médio.

 Assim, a potencial capacidade de dissuasão dos mísseis balísticos munidos de explosivos convencionais, conjugada ao valor simbólico que armamentos de alta complexidade tecnológica têm na política internacional e às pressões políticas internas, pode ser motivação suficiente para que o Irã se empenhe em manter uma política que atrai represálias diplomáticas. Essas represálias, no entanto, não devem ser demasiado precipitadas, uma vez que reações excessivas aos mísseis iranianos poderiam reduzir a disposição do país de se comprometer com o acordo nuclear, cuja importância para a estabilidade internacional tem, sem dúvida, precedência sobre as outras eventuais infrações do Irã.

Raquel Gontijo é Doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP)  Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação da PUC Minas Linha de pesquisa: Segurança Internacional

7 Comentários

  1. E olha que os iranianos ainda não testaram o Shahab-3 nem o Sejil, este último o mais poderoso deles capaz de alcançar alvos na Europa e coloca toda Israel sob sua mira.

    Até agora foram testados apenas os Qadr e os Shahab-2 com 1800 / 2000 km de alcance.

  2. Não adianta nada (snq), agora que israel putenphinha conseguiu desenvolver o sistema de defesa antiaéreo mais avançado do mundo….

    “Nem os Estados Unidos têm algo tão complexo e sofisticado” (chora americanófilos). 😀

    E se bibiltre tivesse um pouquinho mais de paciência, não passaria vergonha perante a comunidade internacional ao ficar ameaçando (ad nauseam) em bombardear as usinas nucleares Iranianas.

    🙂

      • …………..o iranianos não são tão trouxas…assinaram o acordo,perderam seu programa atômico porém não pararam o desenvolvimento de mísseis…… se na época do Ahmadinejad estivessem de posse do S-300 já teriam sua bomba atômica……..mas………..

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