Plano Brasil Tecnologia: Reator Multipropósito Brasileiro: um laboratório nacional de nêutrons para a comunidade de pesquisa em Materiais.

Prédio do reator e laboratórios.
Prédio do reator e laboratórios.

No final de setembro de 2015, no contexto do XIV Encontro da SBPMat, cerca de 40 pesquisadores da área de Materiais participavam de um simpósio sobre o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), projeto que está sendo desenvolvido pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e que, quando inaugurado em Iperó (SP), agregará uma importante ferramenta de pesquisa às atuais facilidades de que o Brasil dispõe.

De fato, o RMB fornecerá feixes de nêutrons que, na interação com amostras e com a mediação de diversas técnicas experimentais, poderão fornecer informações únicas sobre a estrutura dos materiais. Para isso, o projeto RMB prevê a construção de uma série de laboratórios com equipamentos de difratometria (de alta resolução, de alta intensidade, Laue, de tensão residual); espalhamento de baixo ângulo; análise de gamas prontos; espectrometria de três eixos e neutrongrafia, entre outras técnicas. Essa infraestrutura de pesquisa deve constituir um laboratório aberto à comunidade científica e funcionando dia e noite, mais de 300 dias por ano: o Laboratório Nacional de Nêutrons.

Como seu nome indica, o RMB atenderá vários objetivos. Além de fornecer feixes de nêutrons para pesquisa científica, será usado em testes de irradiação de materiais e combustíveis utilizados em usinas nucleares geradoras de eletricidade e submarinos propulsados por reatores nucleares, por exemplo. O reator também terá a importante missão de produzir radioisótopos e fontes radioativas para a saúde, indústria, agricultura e meio ambiente, substituindo importações e até mesmo gerando exportações.

Entrevista com o coordenador técnico

Para explicar com um pouco mais de detalhe o projeto RMB, e, em particular, suas aplicações na Ciência e Tecnologia de Materiais, entrevistamos José Augusto Perrotta, coordenador técnico do empreendimento RMB. Mestre em Engenharia Nuclear pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e doutor em Tecnologia Nuclear pela Universidade de São Paulo (USP), Perrotta trabalha como tecnologista na CNEN desde 1983.

Boletim da SBPMat: – Comente brevemente todas as possibilidades que o futuro RMB oferecerá à comunidade de Ciência e Tecnologia de Materiais. De que maneira os feixes de nêutrons poderão ser aproveitados para pesquisa e desenvolvimento nessa área?

José Perrotta: – O RMB é um empreendimento que possui como parte central um reator nuclear de pesquisa multipropósito e vários laboratórios para realizar as pesquisas, serviços e produtos propostos.

O reator foi concebido com um alto fluxo de nêutrons para:

  1. Produzir radioisótopos na qualidade e quantidade necessárias ás aplicações brasileiras;
  2. Ter capacidade de irradiar e testar combustíveis nucleares utilizados nas várias aplicações e condições de irradiação do programa nuclear brasileiro;
  3. Ter capacidade de irradiar materiais com nêutrons e verificar seu desempenho sob irradiação;
  4. Ter possibilidade de irradiar amostras para realizar análise química por ativação de nêutrons;
  5. Extrair feixes de nêutrons para pesquisas de estrutura de materiais em várias áreas de aplicação.
Núcleo de produção e pesquisa
Núcleo de produção e pesquisa

Com relação ao item (ii), o reator é preparado para receber amostras de combustíveis e circuitos de irradiação que simulem as condições de reatores PWR, ou seja, testar combustíveis dos reatores de potência utilizados ou desenvolvidos no país.

Com relação ao item (iii), dentro do núcleo do reator existem duas posições com alto fluxo de nêutrons para irradiação de materiais. Nessas posições podem ser colocadas amostras em cápsulas com ambiente (temperatura e meio da inserção da amostra) controlado. Nessas posições podem ser testadas amostras de materiais estruturais e amostras de componentes de reatores de potência utilizados no país.

O reator e infraestrura do reator (piscinas, células quentes e blindagens de transporte) são projetados para atendimento dos dois itens anteriores (ii e iii).

Um Laboratório de Análise Pós-Irradiação está projetado com células quentes e toda infraestrutura para análises mecânicas, físicas e de microscopia das amostras irradiadas, tanto para as amostras de combustíveis irradiados quanto de materiais estruturais.

Com relação ao item (iv), está projetado um laboratório de radioquímica e análise por ativação. O laboratório é conectado ao reator por tubos pneumáticos que permitem enviar amostras para irradiação no reator e trazê-las de volta ao laboratório para análise. Foram definidas várias posições de irradiação no reator, variando a gama de fluxo de nêutrons em que as irradiações podem ser realizadas. O laboratório possui células quentes para recebimento e manuseio das amostras irradiadas antes de sua destinação aos equipamentos de análise (radioquímica ou espectrometria gama). O laboratório será gerenciado como um laboratório nacional o que permitirá sua utilização pela comunidade científica brasileira.

Com relação ao item (v), o reator está projetado com um tanque refletor de água pesada que, mecanicamente, permite a extração de feixe de nêutrons. Esses nêutrons são térmicos e para obter nêutrons frios está projetado um pequeno tanque com deutério a 19 ºK (fonte fria). Serão extraídos nêutrons térmicos em duas posições, e nêutrons frios em outras duas posições. Cada tubo de extração pode conter até três guias de nêutrons. Essas guias conduzirão o feixe de nêutrons para posições em um saguão de experimentos no prédio do reator, e para um prédio chamado prédio das guias de nêutrons. Nessas guias de nêutrons poderão ser acoplados os equipamentos de base científica e tecnológica para as análises das amostras com o feixe de nêutrons. Existe um tubo de extração adicional de nêutrons térmicos para realizar imagens com feixe de nêutrons (neutrongrafia). O saguão de experimentos no prédio do reator e o prédio de guias formarão o que denominamos “Laboratório Nacional de Nêutrons”.

Boletim da SBPMat: – Haverá estações experimentais para Ciência e Tecnologia de Materiais, análogas às do LNLS? Quais? Estarão abertas a toda a comunidade científica? Operarão constantemente enquanto o reator estiver funcionando?

José Perrotta: – As linhas de nêutrons, como mencionado são cinco: três com nêutrons térmicos e 2 com nêutrons frios. Quatro das linhas podem ter até três guias. Nessas guias serão colocados os equipamentos (ou estações) experimentais.

As seguintes estações podem vir a ser utilizadas no início de operação do Laboratório Nacional de Nêutrons (LNN):

  1. Prédio das Guias de Nêutrons.
  • Para nêutrons térmicos: Difratômetro de Alta Resolução; Difratômetro de Alta Intensidade; Difratômetro Laue; Difratômetro de Tensão Residual
  • Para nêutrons frios: Espalhamento de Baixo Ângulo; Análise de Gamas Prontos
  1. Saguão de Experimentos no Prédio do Reator
  • Nêutrons Térmicos: Espectrômetro de Três Eixos; Neutrongrafia

O RMB trará para a comunidade de pesquisa do país um importante laboratório de utilização de feixe de nêutrons. Este laboratório, por suas características técnicas, é complementar ao Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que também tem um projeto de grande vulto que é o Sirius. É proposta do empreendimento RMB que o Laboratório de Feixe de Nêutrons seja, a exemplo do LNLS, um laboratório nacional. Isto facilitará o acesso da sociedade científica brasileira à instalação.

O funcionamento das linhas de nêutrons está associado à operação do reator. O reator operará 24 horas por dia, em ciclos de 25 a 28 dias, de forma a atingir uma disponibilidade superior a 80% do tempo anual (acima de 300 dias em operação plena). O LNN poderá operar durante todo esse tempo.

Um ponto importante é que o LNN terá independência operacional em relação à operação do reator, ou seja, a operação do reator oferece o feixe de nêutrons e não interfere na operação do LNN.

Boletim da SBPMat: – Do ponto de vista da Ciência e Tecnologia dos Materiais, quais serão as vantagens do futuro RMB com relação aos demais reatores que atualmente existem no Brasil?

José Perrotta: – O Brasil possui quatro reatores nucleares de pesquisa em operação. O mais antigo, e também o de maior potência (5 MW), é o reator IEA-R1 do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) em São Paulo que foi inaugurado em 1957. Outros dois reatores de pesquisa de baixa potência, o reator IPR-R1 do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN) em Belo Horizonte (100 kW) e o reator Argonauta do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) no Rio de Janeiro (500 W), foram construídos na década de 60. Esses três reatores, de projetos norte-americanos, foram construídos dentro dos campi universitários da USP, UFMG, e UFRJ, respectivamente, e originaram os principais institutos de pesquisas nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), os quais se desenvolveram à proporção do tamanho dos reatores e de suas aplicações. Esses reatores e os institutos da CNEN que cresceram ao seu redor foram fundamentais no desenvolvimento e utilização de tecnologia nuclear que temos hoje no país, e na formação dos recursos humanos associados. O quarto reator nuclear de pesquisa, o reator IPEN/MB-01 localizado no IPEN, é uma instalação do tipo unidade crítica (100 W) e foi construído na década de 80, já com tecnologia nacional, visando o desenvolvimento autônomo da tecnologia para reatores nucleares de potência.

O reator do RMB é de 30MW e possui concepção e projeto modernos. Os reatores hoje existentes no país não possuem fluxos de nêutrons para garantir operação comercial ou características adequadas para uma pesquisa de alto nível. Além de ser uma instalação mais moderna, o fluxo de nêutrons do RMB é uma ordem de grandeza superior ao do reator IEA-R1 e possui funções que hoje não são atendidas por esse reator. Os outros três reatores são de baixíssimo fluxo de nêutrons.

Boletim da SBPMat: – Você poderia estimar quando ocorreria a inauguração do RMB e seus laboratórios de pesquisa?

José Perrotta: – O empreendimento RMB pode ser executado em um período de 6 a 7 anos. No estágio atual de desenvolvimento isto ocorreria em 2022, caso sejam disponibilizados os recursos integrais para o projeto. É importante destacar que, além da necessidade de recursos financeiros intensivos para sua realização, o empreendimento, por ter instalações nucleares e radiativas, requer licenças ambientais e nucleares para sua construção e operação. Isso implica em tempos adicionais para sua implantação.

Financiadores e parceiros no desenvolvimento do RMB

A execução do projeto do RMB ocorre sob responsabilidade da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O empreendimento é coordenado pela Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da CNEN e desenvolvido por meio de seus institutos de pesquisa: Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste (CRCN-NE) e Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD).

Ao longo das etapas de desenvolvimento do RMB, a CNEN conta e contará com parcerias e contratação de empresas nacionais e estrangeiras. Alguns dos parceiros que participaram até o momento: a Marinha do Brasil e o governo do Estado de São Paulo, na cessão do terreno onde será localizado o RMB; o Centro de Tecnologia da Marinha em São Paulo (CTMSP), e a Comissão Nacional de Energia Atômica (CNEA) da Argentina que desenvolve o reator nuclear de pesquisa RA-10, similar ao RMB, na Argentina. Empresas contratadas: a empresa argentina INVAP, que projetou o reator de pesquisa OPAL da Austrália, e a empresa brasileira Intertechne desenvolveram o projeto básico de engenharia do empreendimento.

Com custo estimado em US$ 500 milhões, o RMB é patrocinado pelo Governo Federal através do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI).

A tabela apresenta a potência de outros reatores nucleares de pesquisa do mundo. O RMB terá 30MW. Dados fornecidos por José Perrotta.
A tabela apresenta a potência de outros reatores nucleares de pesquisa do mundo. O RMB terá 30MW. Dados fornecidos por José Perrotta.

Fonte: Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat)

11 Comentários

  1. Essa instalação ficara ao lado das instalações da Marinha em Ipero. Junto com o novo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que esta sendo construido em Campinas, muito maior que o atual , são duas das maiores instalações de seu tipo no mundo e a prova consistente de que quando o Brasil quer consegue fazer pesquisa científica de qualidade mundial. Uma pena que, assim como defesa, ciência e tecnologia não sejam prioridades neste país e assim vamos ficando para traz! Ja comentei no passado que diferente do que muitos pensam, o poder dos EUA não vem somente de sua força militar e sua enorme economia mas principalmente de suas excelentes universidades e cetros de pesquisa privado e governamental o quais eles cuidam com muito carinho pois sabem muito bem que o verdadeiro poder advém do conhecimento.

  2. SERÁ QUE TAMOS ACORDANDO ???!!!… a presidAnta, creio que muito a contra gosto, mas por razões prática óbvias, baixou uma lei desembaraçando a relação entre as universidades públicas e o setor privado… isso só acontecia porque a ala idiota e canina da esquerda radical não queria… mas a realidade obriga a mudanças profundas… e ela percebeu isso… era mudar ou morrer na inanição das pesquisas… agora pode ser que a pesquisa & tecnologia no país progrida sem ser parasitada pelos cumpanheiros… 🙂

  3. senhores…esta confirmada a noticia de que mais uma vez a Bombardier esta a beira da falência e sendo socorrida pelo tesouro Canadense para não quebrar….pela segunda vez esta empresa é socorrida pelo o estado/pais…assim como uma serie de corporações estadunidenses estratégicas na época do auge da grande recessão econômica de 2008….como a GM e Citibank..desde que a crise de confiança se agravou e se generalizou paralisando o sistema de empréstimos interbancário mundial o governo estadunidense decidiu pôr de lado suas teorias neoliberais e passou a socorrer ativamente as empresas financeiras em dificuldades…para evitar colapso o governo estadunidense chegou a reestatizar as agências de crédito imobiliário Fannie Mae e Freddie Mac privatizadas em 1968 que agora estão sob o controle do estado por tempo indeterminado….um pacote aprovado às pressas pelo congresso estadunidense destinou setecentos bilhões de dólares de dinheiro do contribuinte estadunidense a socorro dos banqueiros…desde a quebra do Bear Stearns até outubro de 2008 o governo estadunidense e a Reserva Federal já haviam despendido cerca de dois trilhões de dólares na tentativa de salvar instituições financeiras….e o mais interessante de se notar nisso tudo é que nunca vemos nenhum destes ditos “Neo Liberais” tupiniquins fazendo qualquer panelinha contra estas praticas nestes países…mas somente contra estas praticas no Brasil…enquanto estes países sempre protegem suas empresas estratégicas independente do governo que administra…aqui esta gente curiosamente só milita privatização de tudo a estrangeiro e ausência completa de qualquer forma de ajuda/apoio do estado a alguma empresa nacional mesma que estratégica….que coisa não….

    “A Rússia nunca fez nada ao Brasil. Já os Usa interferiram diversas vezes aqui. A aberração intelectual é exatamente apoiar os Usa e,se dizer patriota. Isso sim é aberração.”

    Wagner

    http://2.bp.blogspot.com/-PB9pPtSepig/U1Djns4RX6I/AAAAAAAAd_0/CQ9hSCH-IWg/s1600/manifestante+EUA.jpg

    • Troll, concordo com tudo isso que você falou sobre as ações do governo americano para salvar ou estabilizar algumas grandes companhia chave nos EUA, e que saber de uma coisa? concordo com tudo isso que fizeram. O cerne da questão que você omitiu é que diferente daqui lã não tem jantar de graça, as companhias mencionadas tiveram que apresentar planos de recuperação que incluiu demissão de funcionários, reestruturação de sua operações, fechamento de fabricas deficitárias entre outras coisas. Todos os empréstimos ate onde eu sei já foram reembolsados ao tesouro americano, ou seja, lá se respeita o contribuinte e o dinheiro publico, diferente do que acontece por aqui com suas estatais deficitárias, cabidão de emprego…mas isso tudo você já sabia é claro, só “esqueceu ” de mencionar!!!!

      • “Conan
        Hoje 10:41

        O cerne da questão que você omitiu é que diferente daqui lã não tem jantar de graça, as companhias mencionadas tiveram que apresentar planos de recuperação que incluiu demissão de funcionários, reestruturação de sua operações, fechamento de fabricas deficitárias entre outras coisas. Todos os empréstimos ate onde eu sei já foram reembolsados ao tesouro americano, ou seja, lá se respeita o contribuinte e o dinheiro publico, diferente do que acontece por aqui com suas estatais deficitárias, cabidão de emprego…mas isso tudo você já sabia é claro, só “esqueceu ” de mencionar!!!!”

        ~~

        “Se a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, o cinismo é a afirmação ostensiva do vício como virtude.” Olavo de Carvalho

        e como vc acha que o BNDES funciona?!…eles não dão dinheiro a ninguém e sim emprestam com juros e correções cobrados …lugar onde nada se faz de graça é aqui senhor conam….aqui ninguém faz nada por empresa nacional a não ser que patrocine partido/político/candidatura..pare de falácias e mentiras por aqui …

        “Quando uma pessoa mente para justificar seu ponto de vista fica evidente que o ponto de vista no mínimo está errado.” Carl_Carl

      • Que tal esta aqui..”Quando uma pessoa não tem como justificar seu ponto de vista com argumentos ataca os outros e pior ainda, usa de sentenças de outros foristas para tentar se justificar”!!

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