Em depoimento à Estevão Bertoni
Com experiência em desminagem humanitária adquirida nos anos 1990 na Nicarágua e em Honduras, o Coronel Moura Gomes, 50, foi enviado à Colômbia em 2014 para treinar militares na identificação e destruição de explosivos.
O país é hoje o segundo em número de minas, atrás do Afeganistão, e desde 2006 recebe ajuda brasileira. Nos últimos 25 anos, 8.968 pessoas se feriram e 2.234 morreram nas explosões. Leia abaixo o seu relato.
Minha mulher e meus dois filhos sabem que a minha profissão envolve riscos. Na missão em Honduras e Nicarágua, a primeira de desminagem humanitária da qual participei, no fim dos anos 1990, um fuzileiro naval nosso perdeu uma perna.
Foi em maio de 1997. O Rui Xavier da Silva [capitão-de-corveta que teve o pé direito decepado pela explosão] era muito amigo meu. Ele foi levado aos EUA, ficou no hospital naval [em junho, internado, Silva recebeu a visita da princesa Diana, que fazia campanha mundial contra as minas terrestres], foi bem atendido e voltou desempenhando suas funções na Marinha até ir para a reserva. Ele morreu em 2014.
Felizmente, na Colômbia, não vivenciei momentos de perigo [o problema de minas terrestres no país é grave por causa das décadas de conflito entre a guerrilha das Farc, o governo e os paramilitares].
Em desminagem humanitária, evita-se trabalhar em lugar tenso, de conflito. A área tem que ser tranquila. Em julho do ano passado, assumi a chefia em Bogotá e fiquei lá até julho deste ano.
O Brasil, desde os anos 90, com as guerras civis na América Central, sempre procurou aperfeiçoamento e formou um quadro capacitado. Desde 2006 os brasileiros vão todos os anos para a Colômbia. Mais de 40 já foram enviados para treinar militares e monitorar as operações.
O principal objetivo da desminagem humanitária é liberar terras para a população, para que voltem a semear uma lavoura, por exemplo. A preocupação com minas é muito grande na Colômbia, porque o país tem muitas vítimas. Em torno de 62% delas são militares, e 38%, civis. Se houve um acidente, se uma pessoa se feriu ou morreu [só em 2015, segundo dados oficiais, o país registrou 154 feridos e 27 mortos], se há notícia de que tem uma mina, a área é logo isolada.
São poucas as minas fabricadas. A maioria na Colômbia é improvisada. E você não as desarma. Você as destrói para ter certeza de que não serão usadas novamente. Seria possível tirá-las intactas, mas o próprio operador estaria em risco se fizesse isso. O lugar onde será feito o trabalho é designado pelo próprio governo do país. Estudos vão aumentar ou diminuir essa área.
Você faz então um procedimento de abrir faixas usando detectores de minas ou cães farejadores. Eles têm muitos cães e expertise grande nisso. São mais de mil. Quando o cão passa na área, você marca a mina, e a pessoa que está comandando o local vai explodi-la imediatamente ou no final do dia. Pode ter uma mina em 4.000 metros quadrados. Pode ter duas, três. Não segue um padrão. É muito difícil de determinar a densidade, pois são campos improvisados.
Independente do grupo armado ilegal que esteja atuando no país, quando é designado o local, a gente não sabe quem colocou a mina ali. E nós não questionamos isso.
A gente não sabe qual o tamanho do problema na Colômbia [o país passa hoje por negociações de paz ].
Houve, na ONU um pedido de prazo para a desminagem até 2021, mas a Colômbia pode pedir prorrogação. Vai demandar algum tempo para a região se ver livre. Eles estão tentando.
Fonte: Folha de São Paulo