Cúpula no Panamá expõe disputa de potências sobre o controle da rota marítima entre o Atlântico e o Pacífico

No caminho para o hotel onde presidentes de multinacionais se reuniram nesta semana durante a Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá, um edifício envidraçado em forma de parafuso se destacava em meio a gruas e outros arranha-céus.

A poucos metros da torre, sede panamenha do banco espanhol BBVA, operários davam os últimos toques a um shopping que terá lojas da Gucci e da Louis Vuitton. O boom imobiliário na região, que se estende até a beira do Pacífico e vem tornando a Cidade do Panamá uma espécie de Dubai das Américas, é um dos trunfos do governo panamenho para influenciar empresários numa disputa que trava nos bastidores da cúpula.

O embate, que envolve o controle da rota marítima entre o Atlântico e o Pacífico, põe em lados distintos as duas maiores potências globais: Estados Unidos e China.

Hoje o único atalho para essa rota é o Canal do Panamá, escavado pelos Estados Unidos em 1914 e território americano até 1979. Mas a exclusividade da passagem está ameaçada pela polêmica construção de um canal na Nicarágua, que se iniciou em 2014 e é financiada por um empresário chinês.

Se concluído, o canal nicaraguense será a maior obra de engenharia do mundo, estendendo-se por 276 quilômetros. O empreendimento tem custo estimado de US$ 50 bilhões (aproximadamente R$ 154 bilhões), cerca de cinco vezes o valor financiado da hidrelétrica de Belo Monte. Ele permitirá a passagem de navios com até 25 mil contêineres, quase o dobro do limite do Canal do Panamá.

O governo nicaraguense espera que, a exemplo do ocorrido no vizinho centro-americano, o canal atraia uma série de investimentos, tornando a Nicarágua o principal centro logístico entre as Américas do Sul e do Norte.

O Panamá, porém, tenta preservar esse posto, apresentando-se aos empresários como um país mais moderno e seguro para investimentos que o vizinho. Os arranha-céus são o aspecto mais visível do vigor da economia panamenha, que cresceu 6,5% em 2014 (maior índice da América Latina) e deve manter o ritmo nos próximos dois anos.

O canal é considerado um pilar da economia do país: por causa dele e de benefícios fiscais e trabalhistas, dezenas de multinacionais – entre as quais Caterpillar, Dell e HP – optaram por instalar suas sedes latino-americanas na Cidade do Panamá.

Relações públicas

Os anfitriões têm usado a cúpula para promover seu canal e minimizar os riscos gerados pela iniciativa nicaraguense. Em discurso a empresários, o presidente da autoridade do canal panamenho, Jorge Quijano, disse que é possível que outras rotas marítimas surjam, mas que o Panamá “está preparado a fazer os investimentos necessários para continuar sendo a decisão óbvia dos nossos clientes”.

Há dois anos, o então chanceler panamenho, Fernando Núñez Fábrega, chegou a afirmar que “é mais fácil chegar à Lua do que construir um canal na Nicarágua”. A obra enfrenta uma série de desafios, como a escavação de dezenas de quilômetros em mata fechada.

Os panamenhos contam com o apoio dos Estados Unidos em seus esforços. O presidente americano, Barack Obama, visitou nesta sexta as obras de ampliação do canal panamenho e agradeceu o país aliado por administrá-lo.

Os Estados Unidos também vêm criticando a forma como o canal nicaraguense tem sido construído.

Em evento no início do mês, a secretária assistente do Departamento de Estado americano para Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, disse que falta transparência à obra e que o governo em Manágua deve responder a cidadãos nicaraguenses “que estão preocupados com questões ambientais e fundiárias.”

Moradores de regiões que serão afetadas pela obra – entre os quais indígenas e pequenos agricultores – têm protestado contra o empreendimento. Eles dizem temer ser desalojados e não receber compensações adequadas.

Há também a preocupação de que o canal cause grande impacto ambiental, prejudicando especialmente comunidades que vivem da pesca ou do turismo no Lago Nicarágua, santuário ecológico que será atravessado pelo canal.

O governo em Manágua rebate as críticas e diz que a obra terá um plano robusto de compensações. Os estudos de impacto ambiental estão a cargo da consultoria britânica Environmental Resource Management.

Os questionamentos americanos devem ampliar o distanciamento entre Washington e Manágua. O presidente nicaraguense, Daniel Ortega, é um dos maiores desafetos globais dos Estados Unidos e com frequência acusa a Casa Branca de ter ambições “imperialistas” na América Latina.

Analistas avaliam que as preocupações americanas são mais abrangentes. Em artigo publicado em março, o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel diz que a obra pode “alterar a dinâmica regional” e dar a Pequim uma posição estratégica numa área que Washington considera seu quintal.

Para Stuenkel, os objetivos chineses em financiar o canal são mais geopolíticos do que comerciais. A Hong Kong Nicaragua Canal Development Investment Co (HKND), companhia chinesa a cargo da obra, terá o direito de operá-lo e de erguer portos, aeroportos, estradas e ferrovias ao longo do canal. A empresa firmou ainda um contrato para construir uma rede de telecomunicações no país.

Stuenkel afirma ainda que uma reforma recém-aprovada na Nicarágua pôs fim à proibição de que soldados estrangeiros transitem pelo país, o que abre o espaço para a construção de uma base militar chinesa no longo prazo.

Cautela e oportunidade

Presidentes de empresas presentes na cúpula expressaram cautela sobre a iniciativa nicaraguense. Para Ingo Plöger, presidente do Business Council of Latin America, empresários gostam de competição e recebem bem investimentos que lhes ofereçam alternativas para seus negócios.

“A questão é: existe disposição de fazer um canal dentro dos moldes ambientais corretos? A administração do canal será independente e terá a mesma competência que a do Canal do Panamá? Tenho minhas dúvidas”, ele afirma.

Ele questiona ainda se a China e a Nicarágua têm a estabilidade política necessária para levar a obra até o fim. Manágua diz que a construção durará cinco anos, mas especialistas avaliam que, dada a sua complexidade, o prazo dificilmente será cumprido.

Para Stanley Motta, presidente da companhia aérea panamenha Copa, “o canal nicaraguense ainda é uma aventura que se está tratando de financiar”. “Ainda há um caminho muito longo para que ele se torne uma realidade”, diz.

Empresários e observadores parecem concordar num ponto: a conclusão da obra só ocorrerá se o governo chinês encampá-la oficialmente. Por ora, porém, Pequim tem mantido certa distância do empreendimento.

Para Oliver Stunkuel, da FGV, a postura dá aos chineses a possibilidade de recuar caso problemas logísticos e políticos relacionados à obra se mostrem insuperáveis.

BBC BRASIL

Fonte: Terra

4 Comentários

  1. É obvio que o governo de Pequim esta por trás das obras do canal nicaraguense, se não porque a Nicarágua iria por fim à proibição de que soldados estrangeiros transitem pelo país ?

    Pequim também tem competência para projetar e fazer tamanha obra, a China vem provando isso ao longo dos anos com inúmeros projetos de grande porte,os EUA agora vão usar as táticas de sempre, ou seja usar a sua poderosa mídia para questionar a capacidade chinesa,usara as suas bondosas ONGs cheias de boas intenções e etc!

    Esse canal nicaraguense é ruim,porque não é tocado pelos EUA,se fosse seria uma maravilha só,e quando estiver pronto os empresários do mundo todo irão lá se estabelecer, empresário gosta é de lucrar essa é a verdade !

    Eu só tenho receio do povo nicaraguense,sera que essa riqueza sera distribuída, também com o povo,como ficarão os que serão desalojados para construção do canal ? essa é minha maior preocupação pois riquezas certamente virão para o país !

  2. O dia que states começarem a perceber que suas ações ambiciosas de ingerencia é que os tem transformado em adversários no continente, poderão arrefecer a animosidade contra eles. Deve pensar mais, pragmaticamente, sobre seu futuro que as pequenas e não duradouras vantagens economicas que adquirem nessas situações. Considerando que hoje o jogo do poder politico não é o mesmo do seculo passado, que até por seus interesses a questão economica ficou muito mais evidente no jogo politico, com muitos atores concorrendo, deveriam se precaver melhor.

  3. o texto começa a louvar o canal do panamá justamente porque atrai divisas para o pais
    e depois começa a falar mau do canal que esta sendo construído na nicaragua rsrs

    o canal do panamá foi muito mais prejudicial a natureza do que o canal que sera construido na nicaragua ,pois hoje em dia as obras são muito mais pensadas para o lado ecológico

    mas o lado ecológico não pode servir para os estados unidos melarem dificultarem a construção do canal da nicaragua que assim como a petrobras faz parte do futuro do brasil o canal da nicaragua também é o passaporte do futuro daquele pais

    igual o canal do panama se demostrou ser .

    mas no texto você percebe que os índios são usados pelos estados unidos para tentar brecar uma obra que vai ajudar não apenas os índios mas os mestiços de índios que são a maioria da população daquele pais .

    e sobre a conclusão dessa obra eu não tenho duvidas que sera concluída pois ali é mais uma passagem de mercadorias e o mundo necessita disso . sobre o prazo eu já acredito que 5 anos é curto ,mas como são os chineses que estão construindo em prazos bem baixos não me espantaria se eles conseguirem em 5 anos mas acredito que durara mais que isso .

Comentários não permitidos.