Fedorov Avtomat – 1916
Aleksandr Verchínin
Se a lenda da era soviética deve ser mantida, foi o tsar Nikolai II que teria impedido a produção russa do rifle automático desde o início. “Nós não temos munição suficiente”, ele supostamente disse ao projetista enquanto os projetos da nova arma eram apresentados. Mas essa história está longe de ser realidade – o rifle automático ou de assalto foi, de fato, desenvolvido na Rússia quase que inteiramente por entusiastas de armas independentes antes da Revolução Russa de 1917.
A vanguarda neste campo estava com Vladímir Grigorievitch Fiodorov, que escreveu seu nome nos anais da fabricação de armas como o projetista do primeiro fuzil de assalto do mundo.
Em princípio, qualquer tentativa de adaptá-lo ao carregamento automático dependia, em última instância, do calibre. O Exército russo usava munição 7,62 milímetros, mas a guerra russo-japonesa tinha mostrado como a vantagem de um calibre maior era praticamente anulada em condições modernas de batalha.
Do ponto de vista de design, isso significava que o calibre poderia ser sacrificado para aumentar a velocidade do ciclo inicial e consequente redução do peso do cano, uma característica explorada por Fiodorov.
Em 1913, ele produziu um protótipo de desenvolvimento do rifle com calibre 6,5 milímetros e seu projeto de cartucho próprio. O novo rifle tinha muito em comum com o seu antecessor, mas, em campo, apresentava uma vantagem crucial: cano mais curto.
Esses avanços em tecnologia de arma levaram paulatinamente à criação do fuzil automático moderno. No entanto, a eclosão da Primeira Guerra Mundial obrigou os armeiros a alterar os seus planos, e muitos tiveram que deixar suas pesquisas para enfrentar os desafios de natureza mais prática. As trincheiras de guerra exigiam a adaptação de fuzis de cano longo por combates a curta distância.
Isso deu a Fiodorov inspiração para cortar o cano de seu rifle de 1913 e adaptá-lo com um punho para disparo. E assim nasceu o que hoje chamamos de fuzil de assalto, a principal arma de qualquer exército contemporâneo.
Sua cadência de tiro de 100 disparos por minuto a uma distância de 300 metros tornou o projeto incomparável a qualquer outra arma de qualquer exército daquele tempo. Fiodorov adaptou o rifle para disparar os cartuchos de rifle japonês Arisaka 6,5 milímetros, que o governo tsarista comprara em grandes quantidades durante os anos de guerra.
Lenda nova
A ideia de infantaria com armas automáticas de disparo rápido nasceu na reviravolta da Guerra Russo-Japonesa, nos anos de 1904-1905. Metralhadoras leves tinham começado a aparecer nas linhas de frente e rapidamente demonstraram a sua eficácia. Se fosse possível equipar todos os homens com tal arma, o seu valor como unidade de combate seria imensamente multiplicado.
Logo depois da derrota para o Japão, o armeiro russo Fiodorov começou a redesenhar o honroso rifle de “três linhas” Mosin, de 1891, com o objetivo de automatizar e transformá-lo em uma temível arma de infantaria. Depois de meses de experimentação, o primeiro rifle automático calibre 7,62 milímetros entrou em produção.
Mesmo assim, possuía as qualidades integrais que ainda distinguem as armas russas de seus equivalentes estrangeiros mais elaborados e pouco confiáveis: simplicidade e facilidade de uso. Nos testes, o rifle foi submerso em um lago e untado em lama antes dos disparos.
O projeto de Fiodorov deu conta do recado, foi agraciado com um título estatal, e o primeiro lote de fuzis começou a ser produzido na fábrica Sestroretsk, nos arredores de Petrogrado (atual São Petersburgo).
Fiodorov ainda não estava satisfeito, entretanto. Tendo estudado todos os detalhes e características do rifle de três linhas, o designer acreditava que a máxima eficiência em armas automáticas modernas só poderia ser alcançada ao reformar completamente a estrutura do cano existente. O principal problema era o fato de o rifle de três linhas ser simplesmente pesado demais.
Último suspiro
O rifle de Fiodorov rapidamente ganhou elogios por suas inovações, e, no final de 1916, uma companhia do Exército Russo disposta no fronte romeno estava inteiramente equipada com a nova arma. A decisão também foi tomada para iniciar a produção em massa da arma, embora isso só tenha acontecido mesmo no final da Guerra Civil Russa. Em 1925, uma metralhadora compatível também foi colocada em produção.
No entanto, a história do primeiro fuzil de assalto teve, na sequência, um fim abrupto e em grande parte inexplicável. Foi quase como se alguém nos corredores do poder de Moscou não gostasse da arma, mas ninguém pudesse dizer exatamente o motivo. Alguns acreditam que isso aconteceu porque era incapaz de penetrar estruturas blindadas, enquanto outros alegam que os estoques de munição japoneses tinham se esgotado.
Seja qual for a verdade, a despedida do rifle de Fiodorov aconteceu nas florestas da Carélia, em 1940, durante a Guerra de Inverno contra os finlandeses. Mas o legado de Fiodorov encontrou continuidade no trabalho de outros armeiros, fazendo, assim, com que seu projeto assumisse a posição de “precursor” das armas russas modernas.
Aleksandr Verchínin: Doutor em Ciências Históricas e pesquisador sênior do Centro de Análise de Problemas.