Contradições de Hollande: é possível combater o terrorismo e vender armas à Arábia Saudita ao mesmo tempo?

Filipe Figueiredo | São Paulo – 14/01/2015 – 10h30

Governo saudita usa armamentos para se fortalecer em disputa regional com o Iêmen, país em que atua o braço da Al Qaeda responsável por ataque em Paris

Agência Efe (arquivo)

Em dezembro de 2013, Hollande foi à capital Riad para estreitar laços com o rei da Arábia Saudita, Abdullah bin Abdulaziz al-Saud

Construir uma relação sólida e próxima da Arábia Saudita gera resultados diametralmente opostos ao repúdio ao extremismo presente no discurso de Hollande. Pior, tal relação é raramente apontada. Sob a perspectiva francesa, o comércio bilateral entre os dois países dobrou nos últimos cinco anos, chegando a cerca de € 10 bilhões em 2014. As exportações francesas para o reino saudita dobraram na última década, assim como alto crescimento no intercâmbio de turistas. A Arábia Saudita é, hoje, o maior fornecedor de petróleo da França, e o país europeu é o terceiro que mais investe na economia saudita; a França vê a possibilidade de essa participação aumentar, já que as relações entre sauditas e seu principal parceiro, os EUA, estão afetadas pela disputa sobre o preço do petróleo.

A aproximação recente não é apenas entre as duas economias. Em dezembro de 2013, o François Hollande fez visita oficial a Riad, recebido pessoalmente pelo Rei Adbullah. Em setembro de 2014, a reciprocidade. O príncipe-herdeiro Salman bin Abdulaziz al-Saud visitou Paris; o rei está restrito a seu país, por razões de saúde. Em ambas as visitas de Estado, um elemento em comum: comitivas de políticos e empresários do ramo de defesa. A França é uma dos maiores fornecedores de armamento ao reino árabe. Embora o país tenha perdido a concorrência para fornecer novos caças à Força Aérea saudita, a França ainda possui uma série de contratos que somam bilhões de euros. O mais recente foi o de modernização de seis navios da marinha saudita, em agosto de 2013, incluindo quatro fragatas originalmente compradas da França.

Agência Efe

No domingo, Hollande recebeu o representante saudita, chanceler Nizar bin Obaid Madani, enviado para comperecer à marcha em Paris

Além de contratos de fornecimento direto de armamento entre os dois países, três meses atrás, em novembro de 2014, foi assinada uma operação triangular. A França fornecerá US$ 3 bilhões em armamento ao Líbano, com o suporte financeiro da Arábia Saudita. A justificativa de um aporte tão grande é o de preparar as forças regulares do Estado libanês para eventuais (ou já previstas) lutas sectárias na complicada demografia da região. O Líbano possui uma população com cerca de 60% muçulmana, dividida igualmente entre xiitas e sunitas. O Hezbollah é ligado ao islã xiita, apoiado pelo regime alauíta sírio. Alauítas são uma derivação do islã xiita. Desta maneira, fortalecer o Exército nacional libanês é criar um contraponto forte ao Hezbollah, algo do interesse da sunita Arábia Saudita.

Disputa local: rivalizando com o Iêmen

Existe outro elemento geopolítico nessa aproximação entre França e Arábia Saudita. O país árabe mantém grande influência sobre seu vizinho ao sul, o Iêmen. Um dos focos políticos dos sauditas, de fato, é a fronteira entre os dois países, que é acompanhada por uma cerca em toda sua extensão e objeto de diversas disputas entre os vizinhos. O governo saudita considera o Iêmen uma prioridade geopolítica; um Iêmen unificado e forte significaria um rival regional no controle do Golfo de Áden, por onde passam mais de 20 mil navios anualmente na travessia do Canal de Suez. O Iêmen, assim como a Arábia Saudita, é de maioria sunita, mas, desde 2004, o país vive um clima de turbulência doméstica, com a revolta dos grupos zaiditas, outra derivação dos xiitas.

Em 2009, o governo do Iêmen lançou a Operação Terra Arrasada, para suprimir os grupos zaiditas no norte do país. Parcialmente para apoiar o regime aliado, em parte pelo conflito ter ultrapassado as fronteiras, a Arábia Saudita interveio diretamente. Foram realizadas operações aéreas e mobilização de tropas, e especula-se algo em torno de 20 mil soldados sauditas, com cerca de 500 baixas. Em 2011, após a revolução iemenita, no contexto da chamada Primavera Árabe, o governo local foi derrubado; a transição entre o então presidente Ali Abdullah Saleh e a oposição foi acordada justamente em Riad , em novembro de 2011, sob mediação saudita. O conflito entre sunitas e zaiditas, entretanto, está longe de acabar, com a luta envolvendo a capital do país, Sanaa.

Foi nesta cidade que um atentado à bomba matou 38 policiais e agentes do governo, além de deixar mais de 60 pessoas feridas. A explosão ocorreu em 7 de janeiro de 2015, mesmo dia do ataque à Charlie Hebdo. Embora nenhum grupo tenha assumido a responsabilidade pelo atentado iemenita, a principal suspeita recai sobre o braço iemenita da Al Qaeda, a AQAP (Al Qaeda da Península Arábica), mesma organização que, nesta quarta-feira (14/01), publicou vídeo reivindicando a autoria do ataque em Paris, confirmando as declarações não oficiais da organização terrorista ainda na semana passada. Segundo relatórios de serviços de inteligência dos EUA, a AQAP também teria treinado os irmãos Kouachi no Iêmen. Não é possível fazer uma relação incontestável entre os dois eventos, mas é preciso reconhecer que ambos possuem ingredientes similares.

Agência Efe

Em vídeo, liderança iemenita da Al Qaeda, Nasr bin Ali al Anesi, reivindica responsabilidade do ataque à revista francesa ‘Charlie Hebdo’

A Arábia Saudita é, há décadas, um dos principais pilares de grupos extremistas. O governo saudita foi um dos três países — junto com Paquistão e Emirados Árabes Unidos — que reconheceram diplomaticamente o Talibã como uma entidade política de direito internacional. Em um documento vazado pelo WikiLeaks, a então secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, afirmou, em dezembro de 2009, que a “Arábia Saudita ainda é a base crítica do apoio financeiro à Al Qaeda e ao Talibã. Doadores da Arábia Saudita constituem a fonte mais significativa de financiamento ao terrorismo sunita”. O termo “terrorismo sunita” compreende o conjunto de grupos extremistas que hoje dizem respeito ao Estado Islâmico, o Talibã, a Al Qaeda e seu braço iemenita. Fortalecer os laços com a Arábia Saudita, hoje, é tornar-se um ator nessa intrincada situação e fortalecer o extremismo.

François Hollande afirmou “devemos estar unidos para combater o terrorismo”. Um dos meios que seu governo pode usar para realizar isso é não fortalecer os laços com uma monarquia absoluta, que fere vasta gama de direitos humanos. Um regime que reconhece organizações extremistas como legítimas e, em suposto nome de uma divergência religiosa, patrocina diversos grupos radicais. Se hoje temos um suposto califado que degola jornalistas, é porque tais grupos sunitas receberam financiamento para combater o regime xiita sírio. Contratos bilionários de armamento com os sauditas colocam a França no fervente tabuleiro étnico e político do Oriente Médio. Não é possível combater o terrorismo e manter uma parceria com a atual Arábia Saudita.

(*) Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal

Fonte: OperaMundi

9 Comentários

  1. esse roland rs ridículo tomara que ganha a maria rs

    sobre as atitudes dele é assim vai tomar toco da russia sobre os mistral e vai acabar tomando toco da índia sobre os caças

    e ai vai la abrir as pernas para a arabia saudita que junto com a CIA financia os mesmos grupos que atacaram a frança

    quando as gerações que virao lerem a historia vao se perguntar como esse poodles fantoches igual a esse roland foram tao ridículos ????

      • “Meu amigo.Depois das afirmações acima, você acha que adianta conversar com esse cara?
        Deixa ele prever futuro, sempre erra mesmo.
        Nem perca tempo.
        Sds.” (Deagol)

        E aí, vai praticar o que vc escreveu?

      • quem fez essa tabela ???
        para mim estão todos no vermelho tirando uns 4 ,
        estados unidos cheio de truques rsrs esta amarelo , mentira !!

        não é porque a corrupção aparece que é sinal de ser mais corrupto mas sim porque se investiga

        não adianta para a nação o pais ficar na cor amarela ,mas na verdade esta no vermelho

        exemplo o secretario de segurança disse que esta tudo ok em são Paulo

        então a tabela dele esta ótima ,mas na verdade o povo sabe como que esta a segurança

        apenas um exemplo e use ele na tabela da corrupção

        tem países que a corrupção já esta na alma de todo lobista

        alias a corrupção em algum países tem o nome de lobista

  2. “é possível combater o terrorismo e vender armas à Arábia Saudita ao mesmo tempo?”
    —————————————————-

    Esta pergunta se encaixa com muito , más muitíssimo mais propriedade! Se for dirigida as elites que comandam o EUA…

  3. O hipócrita e propagandeado discurso estadunidense de defensor da liberdade de expressão/democracia e a nua crua realidade:
    ————————————-

    Blogueiro “paga” 50 (vezes 20) chibatadas semanais por criticar rei saudita. Barbárie pró-EUA pode…

    15 de janeiro de 2015

    Raif Badawi é um blogueiro da Arábia Saudita e foi condenado por criticar o governo monárquico da dinastia Saud, cuja família controla o poder e a economia do país, um estado islâmico.

    A pena – não está escrito errado, não – é de mil chibatadas, “parceladas” em 20 sessões de chicote semanais, cada uma com 50 lambadas nas costas e nas pernas, em praça pública.

    Além de dez anos de cadeia.

    Está marcado para amanhã o pagamento da “segunda parcela” da brutalidade e a mulher de Raif, que fugiu para o Canadá com os filhos, teme que ele não resista aos novos ferimentos sobre as chagas abertas na semana passada.

    Os governos ocidentais fizeram “protestos” pró-forma.

    Ninguém retirou embaixador.

    Ninguém ameaçou com sanções econômicas.

    Os suprimentos de jatos, tanques e mísseis norte-americanos ao governo saudita segue sem problemas, armando o seu maior aliado na região.

    Ninguém é Raif, porque Raif critica “o governo errado”.

    Não é a Yoani Sanchez, a blogueira cubana.

    Não é sequer um esquerdista: define-se como liberal e diz que “secularismo é respeitar todos e não ofender ninguém … é a solução prática para levantar países (incluindo o nosso)) para fora do 3° mundo e em direção ao 1° mundo“.

    As costas cortadas pelo látego de Raif são a crua e sangrenta evidência de que não há princípios humanitários no leme da política externa das nações ricas e que a liberdade que apregoam como universal só serve quando os serve.

    Ninguém é Raif.

    Raif n’est pas Charlie.

    http://www.theguardian.com/world/2015/jan/14/saudi-blogger-lashes-amnesty-international-raif-badawi

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