Porque a Arábia Saudita decidiu não cortar a produção de petróleo

O ministro do Petróleo da Arábia Saudita, Ali al-Naimi (centro) durante a abertura da última Conferência Árabe de Energia em Abu-Dhabi. MARWAN NAAMANI/Agence France-Presse/Getty Images

JAY SOLOMON / SUMMER SAID

No início de outubro, o representante da Arábia Saudita na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) surpreendeu os participantes de um seminário em Nova York ao revelar que seu governo estava contente em deixar os preços do petróleo caírem.

A mensagem de Nasser al-Dossary rompeu com décadas da ortodoxia saudita que buscava manter os preços elevados limitando a produção global de petróleo, disseram participantes do encontro. Isso criou o cenário para os mandarins do petróleo saudita derrubarem os preços do petróleo bruto no fim de novembro, depois de persuadirem outros membros da Opep a manter a produção estável.

Os países mais afetados, como Irã, Rússia e Venezuela, suspeitam que a queda foi um esforço coordenado entre os sauditas e o seu aliado de longa data, os Estados Unidos, para enfraquecer a economia e a posição geopolítica de seus inimigos.

Mas a história da nova estratégia da Arábia Saudita quanto ao petróleo, levantada por meio de entrevistas com autoridades seniores do Oriente Médio, dos EUA e da Europa, não se baseia na velha aliança com os EUA. É, em vez disso, uma história de crescente rivalidade, movida pelo que a Arábia Saudita considera ameaças representadas pelas empresas de petróleo americanas, dizem essas autoridades.

A produção de petróleo de xisto em locais como Texas e Dakota do Norte elevou a oferta americana, substituindo as exportações de membros da Opep para os EUA, o que aumentou o volume excedente global.

A mensagem de outubro de Dossary sinalizava um desafio direto para as empresas de petróleo da América do Norte, já que a monarquia árabe acredita que foram elas que geraram o excesso de oferta através das novas tecnologias de petróleo de xisto, segundo pessoas a par do seminário.

As autoridades sauditas estão convencidas de que não conseguem sozinhas elevar os preços com a nova enxurrada de petróleo disponível. Elas também concluíram que muitos outros membros da Opep se recusariam a promover cortes significativos, assim como grandes produtores fora da organização, como a Rússia e o México. Se a Arábia Saudita cortar a produção sozinha, as autoridades sauditas temem que outros produtores iriam ocupar esse espaço e roubar fatias de mercado.

O ministro saudita do Petróleo, Ali al-Naimi, testou essa conclusão apenas 48 horas antes da decisão da Opep de 27 de novembro, quando se reuniu em Viena com lideranças do setor de outras grandes nações produtoras para sugerir um corte coordenado na produção. Como suspeitava, ele não conseguiu um acordo, disseram fontes a par da reunião.

A opção foi deixar os preços caírem para testar por quanto tempo, e em que níveis, os produtores americanos conseguem continuar extraindo petróleo de xisto.

A decisão da Opep ajudou a derrubar os preços do barril para menos de US$ 60, ante mais de US$ 100 em meados do ano. Isso aprofundou a discordância entre os membros da Opep — e entre outros produtores —, que se acostumaram com preços de três dígitos do barril engordando as contas dos governos.

“Em uma situação como essa, é difícil, se não impossível, para o reino ou para a Opep tomar qualquer medida que possa resultar em queda de fatia de mercado e maior participação para os outros, em um momento em que é difícil controlar os preços”, disse Naimi, segundo a imprensa oficial saudita. Naimi não respondeu a perguntas. Os representantes do Ministério do Petróleo saudita não comentaram.

A abordagem saudita é parte de uma evolução significativa da relação de Riad com Washington ao longo dos últimos dez anos. Aliados próximos desde a Segunda Guerra Mundial, os países prosperaram com o acordo pelo qual a Arábia forneceu um fluxo constante de petróleo em troca de os EUA garantirem a segurança de suas fronteiras.

Mas o surgimento dos EUA como um concorrente do setor de petróleo está testando esse alicerce de uma forma ainda não totalmente compreendida, dizem autoridades americanas e sauditas, assim como as principais diferenças em relação à política americana no Oriente Médio.

A Arábia Saudita está se arriscando ao deixar os preços despencarem, dizem autoridades árabes, americanas e europeias. Autoridades sauditas já disseram que sua economia pode sobreviver pelo menos mais dois anos com os preços baixos, graças em parte a reservas de US$ 750 bilhões em moeda estrangeira. As autoridades árabes acreditam que muitas petrolíferas menos eficientes terão que deixar o mercado.

Ainda assim, alguns executivos do setor dizem que governo da Arábia Saudita e Naimi podem estar subestimando o modo como a tecnologia e o boom da exploração de formações de xisto nos EUA mudaram fundamentalmente os mercados de petróleo. Muitas empresas americanas, dizem esses executivos, podem lucrar mesmo com o petróleo abaixo de US$ 40.

A posição da Arábia Saudita também expôs rachaduras dentro do seu círculo de poder. Em outubro, enquanto os preços do petróleo caíam, o príncipe bilionário al-Waleed Bin Talal, sobrinho do Rei Abdullah, criticou severamente Naimi em uma carta aberta pelo que parece ser uma falta de preocupação com as quedas nos preços. Menosprezar o impacto, escreveu o príncipe, “é uma catástrofe que não pode deixar de ser mencionada”.

Um porta-voz do Conselho Nacional de Segurança dos EUA disse, no domingo, que a aliança entre o país e a Arábia Saudita permanece forte e concentrada na cooperação em várias questões econômicas e de segurança. “Nossa relação bilateral foi construída durante 70 anos de cooperação próxima, seja em contraterrorismo, treinamento militar, trocas educacionais, segurança energética ou incentivos ao comércio e investimentos, diz o porta-voz do órgão, Alistar Baskey.

Mas as relações entre EUA e o país árabe azedaram nos últimos anos devido a divergências sobre como o governo americano tem lidado com a instabilidade no Oriente Médio, inclusive a decisão dos EUA de não atacar a Síria após as forças do presidente Bashar al-Assad terem supostamente usado gás venenoso contra civis.

“A dependência que a Arábia Saudita tinha da proteção americana é coisa do passado”, diz Nawaf Obaid, que é acadêmico visitante do Belfer Center, da Universidade Harvard, e já assessorou o governo saudita em política externa. “Os sauditas continuarão sendo os mais importantes parceiros estratégicos dos EUA no Oriente Médio, mas não os mais próximos.”

Washington está entrando em uma nova era de sua relação com a Arábia Saudita, embora a aliança permaneça crucial para a economia global, diz Amos Hochstein, enviado especial do Departamento de Estado e coordenador internacional dos EUA para assuntos de energia.

“Nossa relação com a Arábia Saudita nunca foi dependente da energia. Nossa relação está evoluindo”, diz. “Nunca seremos independentes do petróleo porque ele é uma commodity global. Mas podemos ser mais eficientes e autossuficientes.”

Ao defender a manutenção da produção pela Opep, Naimi não estava forçando uma queda nos preços para prejudicar as petrolíferas que exploram petróleo de xisto nos EUA, dizem pessoas a par da questão, mas alertando que, se a Opep cortasse a oferta, petróleo de fora do cartel iria substituí-lo.

Ordens de venda inundaram os mercados, as ações das grandes empresas de petróleo caíram e as moedas dos grandes exportadores, como Rússia e Nigéria, recuaram ante o dólar.

Autoridades americanas e árabes secretamente desejaram que a queda poderia reduzir a capacidade do Irã, Rússia e Venezuela de desestabilizar o mercado global e se mostraram otimistas que os problemas financeiros do Irã poderiam forçá-lo a fazer mais concessões quanto a seu programa nuclear.

“Se, no processo, 30% da receita do Irã sumir, tudo bem”, disse uma autoridade árabe envolvida nas discussões sobre petróleo. “Se, no processo, 30% da receita da receita da Rússia sumir, tudo bem.”

Há o risco de que os preços não se recuperem tão cedo. Parte da mídia saudita vem criticando Naimi por uma política que pode ser desastrosa para a economia do reino. A Arábia Saudita depende do petróleo para 90% de seu orçamento.

“Todas as autoridades da Opep e fora dela estão em estado de choque”, diz Muhammad al-Sabban, ex-consultor de Naimi. “Esperar para ver é a única opção.”

Colaboraram: Benoît Faucon, Sarah Kent e Kejal Vyas

Fonte: Wall Street Journal

5 Comentários

  1. Eles sabem que tem a chave do cofre do parceiro, que pode a qualquer interesse emitir moeda sem lastro, ou melhor lastreado pelo mundo que cobre suas contas.
    Enquanto estiverem obedecendo ao adestramento e lambendo a mão de seus treinadores, terão reconhecimento e ajuda, é com isso que eles contam.

    • Julio o problema ao meu ver é mais complexo,a OPEP quer matar o xisto na raiz,e praticando esses preços baixos eles conseguentemente prejudicam um futuro fornecedor de Petroleo,o Brasil,as empresas produtoras de xisto tem dívidas bilhonárias,e que em grande parte terá que ser bancada pelo Governo dos E.U.A caso o preço do petroleo continue a cair.

      • Na possibilidade disto ser verdadeiro, o que sinceramente não acredito, os States estariam praticando e apoiando um politica anti americana sob falsa bandeira publicitaria de fortalecimento de sua produção de hidrocarbonetos. Acredito sim que eles sejam atualmente tenebrosos, mas nesse nivel, acredito quase com certeza, ainda não terem chegado. Sds.

  2. O caminho para a independência energética dos Estados Unidos, que se tornou possível devido graças ao atual boom do óleo de xisto, será muito mais difícil do que parece.

    Estes são apenas alguns dos obstáculos: produtores independentes investirão US 1,50 em perfurações neste ano para cada dólar de retorno; a produção de óleo de xisto está caindo mais rapidamente que a produção de petróleo por meio dos métodos convencionais; serão precisos 2.500 novos poços por ano apenas para sustentar a produção de 1 milhão de barris por dia na formação Bakken, no Estado de Dakota do Norte, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris. O Iraque poderia fazer o mesmo com 60 poços.

    Vejamos o caso da Sanchez Energy Corp. A empresa, com sede em Houston, planeja investir até US$ 600 milhões neste ano, quase o dobro de sua receita estimada para 2013, na formação de xisto de Eagle Ford, no sul do Texas, que juntamente com a de Dakota do Norte é um dos focos do frenesi de perfuração que elevou a produção de petróleo dos Estados Unidos ao nível mais alto em quase 26 anos.

    Mas o poço de óleo de xisto Sante North 1H, da Sanchez Energy, bombeou cinco vezes mais água que petróleo, disse a empresa em um documento regulatório, em 17 de fevereiro. As ações mergulharam 7%.

    “Estamos começando a viver em um mundo diferente, onde ter mais petróleo demanda mais energia e mais esforço e será mais caro”, afirmou Tad Patzek, presidente do Departamento de Engenharia de Petróleo e Geossistemas da Universidade do Texas, em Austin.

    As perfuradoras estão se esforçando para manter o ritmo do inédito aumento de 39% da produção americana de petróleo desde o final de 2011.

    Contudo, chegar à autossuficiência energética nos EUA depende de crédito fácil e de preços do petróleo altos o suficiente para cobrir os custos dos novos poços. Mesmo com o petróleo acima de US 100 o barril, os produtores de xisto estão investindo dinheiro mais rapidamente do que lucrando.

    As empresas estão deixando transparecer a tensão. A Chesapeake Energy Corp., empresa com sede em Oklahoma City e fundada por Aubrey McClendon, divulgou ontem um lucro que não correspondeu às previsões dos analistas, com a mais ampla margem de diferença em quase dois anos. As ações da empresa caíram 4,9%.

    A indústria de petróleo dos EUA precisa correr apenas para continuar no lugar. As empresas exploradoras americanas deverão investir mais de US 2,8 trilhões até 2035, embora a produção possa chegar ao pico uma década antes, afirmou a AIE. O Oriente Médio investirá menos de um terço disso para obter três vezes mais petróleo.

    Os poços de xisto podem variar de preço. A Chesapeake investirá uma média de US 6,4 milhões em cada um neste ano, segundo uma apresentação a investidores atualizada pela última vez ontem mesmo. A Goodrich Petroleum Corp., com sede em Houston, investirá até US 13 milhões em alguns de seus poços, disse Robert Turnham, presidente e diretor de operações da empresa, em 20 de fevereiro.

    Analistas otimistas e executivos do petróleo têm motivos para manifestar alegria. Embora a perfuração de poços no Iraque possa chegar a um ponto de equilíbrio em US$ 20 o barril, a produção será limitada por riscos políticos, disse Ed Morse, diretor global de pesquisa de commodities do Citigroup Inc. em Nova York, em um relatório publicado em janeiro.

    Em contraste, o preço de equilíbrio do óleo de xisto dos EUA é estimado entre US$ 60 e US$ 80 o barril, segundo a AIE. O preço do barril não fica abaixo de US$ 80 desde 2012 e tem estado acima de US$ 90 desde maio. Além disso, os custos nos EUA continuarão caindo à medida que as perfuradoras se tornarem mais rápidas e melhorarem os resultados, afirmou Morse.

    A produção americana de petróleo estará em torno de 9,2 milhões de barris por dia em 2015, acima dos 7,4 milhões do ano passado, segundo o órgão de estatísticas do Departamento de Energia dos EUA. O Estado do Colorado aumentou a sua produção em 11% nos primeiros 11 meses do ano passado, Wyoming incrementou em 12% e Oklahoma somou 24% a mais.

    “Eu não vejo o boom do xisto chegando ao fim”, disse Andy Lipow, presidente da Lipow Oil Associates, uma empresa de consultoria em energia de Houston. “Nós estamos apenas começando em lugares como Colorado, Wyoming e Oklahoma.”

    Até o momento, os preços do petróleo têm sido altos o suficiente para manter os investidores interessados nos lucros potenciais a serem produzidos com o xisto, afirmou Ryan Oatman, analista do setor de energia da SunTrust Robinson Humphrey Inc., um banco de investimento de Houston.

    “Há um ponto em que os investidores ficam preocupados com os níveis da dívida e em como o investimento será financiado”, disse Oatman. “Como acelerar e perfurar sem deixar os investidores preocupados com o balanço da empresa? Esse é o ponto de tensão nesse setor”.

    http://udop.com.br/index.php?item=noticias&cod=1111117

  3. A Petrobras ja fez pesquisas nesta area do xisto no Brasil alguem pode me informar se teve algum resultado eu tenho uma vaga lembrança mas faz tempo que ouvi falar é que os custos para tal obtenção de petroleo não compensava.

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