Teerã vê a milícia sunita como ameaça a todo Oriente Médio e quer apoiar o Iraque na luta contra o EI. Cooperação com EUA é negada, mas analistas dizem que ela já acontece.
O Departamento de Defesa dos Estados Unidos divulgou no começo desta semana que existem indícios de que caças iranianos do tipo F-4 Phantom atacaram posições do “Estado Islâmico” (EI). Antes, a emissora árabe de notícias Al Jazeera havia mostrado imagens de aviões bombardeando alvos na província iraquiana de Dijala, na fronteira com o Irã. As aeronaves se assemelhavam aos F-4 iranianos.
O porta-voz do Ministério do Exterior do Irã não confirmou a informação. Sob anonimato, um alto funcionário do governo de Teerã foi enfático em suas declarações à agência de notícias Reuters: “O Irã nunca esteve envolvido em ataques aéreos ao EI no Iraque”.
Por mais incerta que seja a situação, é indiscutível que o Irã vê a milícia terrorista como uma ameaça e aja em diferentes frentes contra o autointitulado califado. O EI é um perigo para todo o Oriente Médio, afirmou o ministro do Exterior do Irã, Mohammad Javad Zarif, em entrevista à televisão estatal em setembro. Segundo ele, o governo do Iraque deve ser ajudado na luta contra o terrorismo. Ele defendeu uma ampla ação internacional contra a milícia jihadista e evitou excluir categoricamente uma cooperação com os EUA.
De forma extra-oficial, essa cooperação já está em curso há muito tempo, opina o professor de ciência política Houschang Hassan Yari, da Academia Militar Real do Canadá (RMC-C). “Washington tem conhecimento de todas as atividades iranianas no Iraque. Claro que o Irã não precisa pedir permissão aos EUA para agir no Iraque, mas Teerã não agiria no Iraque sem antes informar os EUA. Afinal, ambos têm o mesmo objetivo: derrotar o “Estado Islâmico””, avalia Hassan Yari.
Envio de armas e unidades militares de elite
Assim, já há algum tempo o Irã fornece armas aos curdos no norte do Iraque. Em 27 de agosto, o presidente das áreas autônomas curdas no norte do Iraque, Massoud Barzani, confirmou o que há muito se suspeitava: o Irã foi o primeiro país a enviar material militar para a luta contra o EI no norte iraquiano. E isso apesar de há décadas existir um embargo dos EUA que proíbe a exportação e importação de armas e material de defesa para e do Irã. As entregas ao Iraque não foram oficialmente confirmadas por Teerã.
Além disso, meios de comunicação árabes e americanos relatam sobre soldados iranianos que estariam lutando ao lado de unidades curdas contra a milícia sunita.
Estas operações estariam sendo pessoalmente conduzidas por Qassem Soleimani, o comandante da Força Al-Quds, uma unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã, encarregada de missões no exterior. No entanto, Teerã vem repetidamente negando a participação de seus soldados no combate ao EI no país vizinho.
A ultraconservadora milícia sunita já conquistou grandes partes do norte do Iraque e está próxima da fronteira iraniana. Por isso, Hassan Yari afirma que a negativa de Teerã não é muito crível. “O EI é uma ameaça séria ao Irã. Ele quer ampliar seu domínio para novas áreas, e também o Irã deve se tornar parte do Estado Islâmico. Mas o Irã jamais admitiria tais missões estrangeiras de suas unidades de elite”, avalia.
Preocupação com minorias sunitas
A estabilidade do país vizinho de maioria xiita é de grande importância para o Irã. Não só porque anualmente centenas de milhares de peregrinos iranianos vão às cidades sagradas de Najaf e Karbala. O próprio Irã tem uma minoria sunita, especialmente ao longo da fronteira de quase 1.500 quilômetros com o Iraque.
Enquanto o norte do Irã é habitado principalmente por curdos sunitas, no sul, rico em petróleo, vivem principalmente minorias árabes. Estas se queixam há anos de serem discriminadas por Teerã. Elas exigem mais direitos linguísticos e culturais e uma participação nos lucros da produção de petróleo.
Os curdos do norte, por outro lado, sonham em criar um Curdistão independente, que englobaria partes da Turquia, da Síria e do Iraque. Também por isso o governo em Teerã colocou as suas tropas fronteiriças em alerta no fim de julho.
Segundo o especialista em assuntos iranianos Hassan Hashemian, o apoio aos curdos iranianos é uma decisão estratégica. “O Irã quer formar sua própria coalizão contra os terroristas do EI. Ao dar seu apoio na luta contra o EI, assim como é feito pelos países ocidentais, o governo em Teerã pretende assegurar que os curdos se tranquilizem”, explica Hashemian. “A questão é: até que ponto os sunitas de origem árabe e os países árabes da região vão aceitar e apoiar essa coligação.”
Fonte: DW.DE
Irã contra o EI – o inimigo do meu inimigo é meu amigo?
A luta contra o “Estado Islâmico” não é a única coisa a unir o Ocidente e o Irã. Há muito capital político inexplorado, e seria sensato usá-lo, opina o jornalista Matthias von Hein redator da DW.
“O inimigo do meu inimigo é meu amigo.” Esse é um dos dogmas da realpolitik. Seguindo esse raciocínio, o Irã deveria estar na lista de convidados quando representantes de quase 60 países – convidados pelos Estados Unidos – se reunirem em Bruxelas para discutir novas medidas contra o chamado “Estado Islâmico” (EI). Afinal de contas, o Irã também está lutando contra o EI. Aparentemente, até mesmo com aviões de combate. Os Estados Unidos confirmaram informações nesse sentido divulgadas pela imprensa. O Irã desmentiu.
Tudo isso mostra que, na areia movediça do Oriente Médio, nada é tão simples como sugere o dogma da realpolitik. Lá, o inimigo do meu inimigo pode, também, ser o inimigo de meu amigo.
Neste caso específico: o Irã compartilha com os EUA, o Ocidente e, bem, com toda a comunidade internacional o inimigo “Estado Islâmico”. Mas o Irã é também o inimigo de Israel e da Arábia Saudita, dois aliados americanos. Ao mesmo tempo, o Irã é também o amigo de outro inimigo: Bashar al-Assad, que, com a ajuda de russos e sobretudo dos iranianos, mantém-se no poder apesar de uma guerra civil que já dura anos.
E, às vezes, Estados passam de amigos para inimigos. Curiosamente, os aviões com que o Irã teria atacado bases do EI são de fabricação americana. Os caças F4-Phantom foram entregues ao Irã quando este ainda era regido pelo xá, um amigo dos Estados Unidos.
É muito provável que o Irã de fato tenha usado aeronaves para combater a milícia jihadista. Há anos que o Irã amplia sua influência no Iraque. A Guarda Revolucionária possui uma unidade especial para operações no exterior, a Força Quds. Seu chefe foi fotografado no Iraque no meio deste ano.
Os motivos para o engajamento iraniano são evidentes: o avanço do EI ameaça a influência do Irã no país vizinho. Além disso, a milícia sunita ameaça destruir santuários xiitas. Para o Irã, predominantemente xiita, uma possibilidade assustadora.
Quando, em junho, a segunda maior cidade iraquiana, Mossul, foi invadida pelo EI, demorou dois meses para os EUA ajudarem seus aliados iraquianos com ataques aéreos. O Irã não levou tanto tempo para reagir. Em curto prazo, enviou armas e conselheiros militares, usando o “calor da hora” para solidificar a sua influência na região.
O presidente dos EUA, Barack Obama, já entendeu que, no Oriente Médio, não há como ignorar o Irã, considerando os inúmeros conflitos na região, a relativa estabilidade iraniana e a influência de Teerã sobre os países vizinhos.
Por isso, em meados de outubro Obama enviou a sua quarta carta ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Nela, Obama garante que os ataques aéreos dos EUA não são destinados a enfraquecer a posição de Teerã na região nem visam o aliado iraniano e ditador sírio, Assad. Obama até mesmo ofereceu uma cooperação na luta contra o EI.
Esta, porém, estava condicionada a um acordo na questão nuclear. Acordo que não conseguiu ser firmado no fim de novembro. Os bloqueios políticos internos, tanto em Washington como em Teerã, eram grandes demais. Conservadores radicais em Teerã se opõem a qualquer aproximação com os Estados Unidos. E, do outro lado, os “falcões” dos EUA e seus aliados em Israel e na Arábia Saudita querem que o Irã continue sendo tratado como um pária que ameaça a paz mundial.
Como resultado, há no momento duas campanhas militares paralelas contra o “Estado Islâmico” – uma liderada pelo Irã, a outra pelos EUA e seus aliados. Ambos os lados são enfáticos ao afirmar que não há cooperação e acordos entre eles. Mas pode-se supor que, nos bastidores, o governo em Bagdá age como intermediário entre os dois lados. Pois, até agora, um não cruzou com o outro nos campos de batalha no Iraque.
Mas isso não basta. O Oriente Médio é importante e instável demais para que os principais atores não se comuniquem. Já chegou a hora de o Irã se mexer e isolar os fundamentalistas radicais. Isso exige um grande esforço do líder supremo Khamenei, que no entanto revela pouca disposição. No gabinete iraniano, entretanto, já estão alguns políticos que não veem o “Grande Satã” nos Estados Unidos. É uma ironia da história que sete ministros iranianos tenham estudado em universidades americanas de elite – mais do que em qualquer outro país do mundo, fora os próprios Estados Unidos.
Fonte: DW.DE