Colômbia: O desafio agora é financiar o pós-conflito

Na Colômbia, o desafio não é mais apenas concretizar a paz com a guerrilha das FARC, mas financiar o pós-conflito se as negociações – iniciadas há dois anos – terminarem com êxito. Por isso, agora a grande pergunta é: de onde sairão os recursos? Uma preocupação compartilhada pelo Congresso, as organizações sociais, a oposição liderada pelo senador Álvaro Uribe e também o Governo, que nestes dias está concentrado em conseguir toda a ajuda que puder da comunidade internacional.

Na recente Assembleia Geral da ONU em Nova York, o presidente Juan Manuel Santos fez um primeiro chamado. “Chegou a hora de dizer em que se traduz esse apoio”, disse. Estava se referindo ao respaldo político, mas também ao econômico. Político, porque estão chegando tempos difíceis, já que a negociação com as FARC começará logo a discutir que tipo de justiça será aplicada aos guerrilheiros e como ocorrerá o desarmamento. E econômico, porque os desafios do pós-conflito são enormes, não apenas pela reintegração dos guerrilheiros, mas porque é preciso garantir a presença do Estado nas zonas que historicamente foram afetadas pelo conflito, assim como a segurança dos cidadãos.

O Governo ainda não tem a cifra exata de quanto custará o pós-conflito, porque tudo depende dos acordos feitos com as FARC, quando terminarem as negociações em Havana. Embora tenham avançado em três dos cinco pontos da agenda – desenvolvimento rural, participação política e narcotráfico –, continua valendo a premissa de que “nada está fechado até que tudo esteja fechado”. Mas os analistas coincidem que é preciso acelerar esses cálculos.

A Comissão de Paz do Congresso considera que durante os próximos dez anos serão necessários 45 bilhões de dólares (112 bilhões de reais) em investimentos para a paz. Essa quantidade, segundo a senadora da Aliança Verde, Claudia López, inclui a construção das “instituições mínimas” que garantam justiça e segurança pública, assim como regular a propriedade, uso e exploração da terra. Também será preciso grandes investimentos em saúde, educação, estradas, água, moradia e desenvolvimento rural.

O ministro da Fazenda, Mauricio Cárdenas, também deu pistas sobre o possível financiamento para o pós-conflito. Cárdenas soma, às doações da comunidade internacional, fórmulas como o endividamento e mais impostos. “A paz vai custar, sem dúvida, mas a guerra custa muito mais”, disse em várias ocasiões. Por enquanto, o Governo se reuniu com o Departamento Nacional de Planejamento, DNP, para projetar quanto custariam os projetos para executar os acordos que já foram pactados.

A equipe negociadora do Governo em Cuba também tentou acalmar os ânimos dos que exigem respostas pontuais ao financiamento do pós-conflito, assegurando que o país tem a capacidade fiscal para se comprometer a realizar essas transformações. Mas essa capacidade, explicou, implica revisar as prioridades do gasto público, um esforço tributário adicional, o apoio do setor privado e, claro, da comunidade internacional.

Na semana passada, o Governo e a União Europeia deram luz verde a projetos focados na construção da paz por 17 milhões de dólares, que serão executados nos próximos dois anos em quatro regiões da Colômbia. Também foi anunciado um crédito por dez anos de até 100 milhões de dólares com o Banco Alemão de Desenvolvimento, KfW, para a reparação das vítimas do conflito, a reintegração dos guerrilheiros e o desenvolvimento rural. Esta seria a primeira vez que a Alemanha apoia um país em sua política de construção de paz mediante um crédito programático.

Fonte: El País

A paz da Colômbia é a paz do mundo

Juan Manuel Santos

Há algumas semanas, diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, contei a história de Constanza Turbay, uma colombiana que perdeu quase toda sua família assassinada pela guerrilha das FARC.

Em Havana, onde ocorre nosso processo de paz com essa guerrilha, Constanza teve a oportunidade de olhar seus algozes nos olhos e contar sua trágica história, a mesma de milhões de vítimas de uma guerra sem sentido entre filhos de uma mesma nação.

Pela primeira vez, Constanza escutou de um dos líderes das FARC as manifestações de um arrependimento sincero. Nas próprias palavras dessa valente mulher, as vítimas estão “mudando sua dor pela esperança de paz”.

Esse anseio de reconciliação da grande maioria dos colombianos é o que impulsionou a tentativa, séria e criteriosa, que nós colombianos estamos realizando para conseguir a paz.

Mas ter esperança não significa sermos ingênuos. Somos conscientes de que estamos negociando com nossos adversários. Entendemos que o país sofreu muito por conta de incontáveis assassinatos, bombas, sequestros e extorsões.

Por essa razão, precisamos negociar o fim do conflito armado de uma vez por todas. É muito mais fácil fazer a guerra do que a paz. Eu sei, pois fui ministro da Defesa e causei à guerrilha os golpes militares mais duros em toda sua história. Mas assim como existe um tempo para a guerra, existe um tempo para a paz.

O processo que há dois anos vem sendo realizado em Havana – com o acompanhamento do Chile, Cuba, Noruega e Venezuela – tem sido um processo sério, realista, digno e eficaz, que apresentou avanços concretos.

Silenciar os fuzis significa recuperar enormes extensões do campo colombiano e contribuir assim com a segurança alimentar do planeta

Os três primeiros pontos, já acordados com a guerrilha, contém mudanças profundas para a Colômbia: realizar investimentos históricos para o desenvolvimento rural, raiz de nosso conflito; mudar as balas por votos, o que significaria um aprofundamento de nossa democracia, e o desmonte das estruturas mafiosas do narcotráfico, acompanhado de um grande programa nacional de substituição de cultivos e desenvolvimento alternativo, que nos aproximaria de uma Colômbia sem coca.

Chegamos mais longe do que nunca, mas também é certo que estamos entrando na etapa mais complexa: os pontos que abordam o tema das vítimas e justiça transicional, e o chamado DDR: desarmamento, desmobilização e reintegração. São assuntos difíceis, sem dúvida, mas a vontade de negociação persistir – como ocorreu até agora –, confio que também conseguiremos acordos satisfatórios.

Muitos se perguntarão: por que isso é importante para a Europa ou para o mundo?

Existem várias razões como explicação. A primeira é que seremos o primeiro país que negocia o final de um conflito armado dentro do Estatuto de Roma. O que acontecer na Colômbia terá profundas consequências para a resolução de futuros conflitos em qualquer parte do mundo.

Segundo, silenciar os fuzis significa recuperar enormes extensões do campo colombiano. A Colômbia, um pouco maior em território do que a Espanha e a França juntas, é considerada pela FAO um dos oito países no mundo que podem aumentar significativamente sua produção de alimentos e, na medida em que as terras recuperadas tornarem-se produtivas, teremos a capacidade de contribuir mais decididamente com a segurança alimentar do planeta.

Terceiro, o desmantelamento do narcotráfico reduzirá a quantidade de cocaína que entra nas capitais europeias vinda da América do Sul e ajudará a frear o impacto devastador do processo de produção da pasta de coca sobre o meio ambiente. A Colômbia é o país com a maior biodiversidade do planeta por quilômetro quadrado e a conservação de seu ecossistema é de suma importância para a humanidade.

Por último, a paz é um bom negócio. A economia colombiana é a de maior crescimento e de inflação mais baixa na América Latina – até mesmo comparada com os países da OCDE – e é uma das que mais recebe investimento estrangeiro. Somente nos últimos cinco anos, o comércio entre a União Europeia e a Colômbia cresceu 25%. Esse crescimento – vale a pena destacá-lo – foi conseguido com equidade, gerando emprego de qualidade e reduzindo significativamente a pobreza.

Se conseguimos essas conquistas com um conflito armado, imaginem a Colômbia que poderemos construir em paz? Estudos recentes demonstram que, sem o conflito, o PIB da Colômbia pode crescer dois pontos adicionais permanentemente, o que se traduziria em enormes oportunidades de investimento em infraestrutura, turismo e desenvolvimento tecnológico para empresas como as europeias.

Em um mundo ameaçado por ventos de guerra, a Colômbia oferece hoje uma esperança de paz. Em um mundo preocupado pela incerteza econômica, traz oportunidades e estabilidade.

Juan Manuel Santos: Presidente da Colômbia.

Fonte: El País

2 Comentários

  1. “… A economia colombiana é a de maior crescimento e de inflação mais baixa na América Latina… e é uma das que mais recebe investimento estrangeiro. Somente nos últimos cinco anos, o comércio entre a União Europeia e a Colômbia cresceu 25%. Esse crescimento – vale a pena destacá-lo – foi conseguido com equidade, gerando emprego de qualidade e reduzindo significativamente a pobreza.

    “Se conseguimos essas conquistas com um conflito armado, imaginem a Colômbia que poderemos construir em paz?”

    Isso resume muitos parágrafos.

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