Condenação à Holanda por Srebrenica ameaça afetar missões da ONU

Tribunal de Haia considerou Estado holandês parcialmente responsável pela morte de 300 homens e meninos muçulmanos no massacre de 20 anos atrás. Veredicto pode fazer países hesitarem em mandar tropas a missões de paz.

Quem se responsabiliza e paga compensações em missões de paz quando a população – ​que deveria ser protegida – vira vítima? A questão já foi tratada por alguns tribunais. Agora, um veredicto foi anunciado na Holanda, em resposta a uma queixa da organização Mães de Srebrenica, que reúne milhares de parentes das vítimas do massacre de Srebrenica.

O nome de Srebrenica marca um dos piores crimes de guerra na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Em julho de 1995, as unidades militares sérvias invadiram a pequena cidade bósnia e mataram 8 mil meninos e homens muçulmanos bósnios.

Srebrenica ficava em uma chamada zona de proteção da Organização das Nações Unidas (ONU) e estava sob responsabilidade das forças de paz holandesas. Quando foram atacados por forças sérvias, elas deixaram, sem oferecer resistência, todos os seus postos − e os ajudaram na deportação de mais de 300 homens e meninos muçulmanos que haviam se refugiado dos sérvios no complexo militar holandês.

O Tribunal de Haia responsabilizou o Estado holandês pelas deportações e determinou que ele pague indenização às famílias. Esta é a primeira vez que um Estado que colabora com uma missão de paz da ONU é responsabilizado por crimes de guerra de terceiros.

Outros processos

Já houve muitos debates em tribunais sobre responsabilidades em missões internacionais. O governo alemão já foi processado por causa do bombardeio da Otan à ponte de Varvarin, no Kosovo, em 1999, e por causa do ataque aéreo em Kunduz de 2009 – ambas as vezes sem ser condenado.

“A Holanda abre aqui um precedente”, diz o jurista Andreas von Arnauld, diretor do Instituto Walther Schücking de Direito Internacional da Universidade de Kiel. O atual veredicto, segundo ele, acompanha a recente jurisprudência holandesa em se tratando de Srebrenica, mas não chega a ser uma decisão esperada. “Geralmente, há certa relutância nos tribunais em responsabilizar o Estado em tais casos”, explica o especialista.

Túmulos do Memorial do Genocídio de Srebrenica

Em setembro de 2013 um tribunal holandês já havia determinado o pagamento de compensações por parte do Estado a parentes de vítimas de Srebrenica. O processo foi movido por parentes de três homens que queriam escapar dos sérvios se refugiando em uma base holandesa, mas foram mandados embora. O tribunal decidiu de forma similar ao caso atual, determinando que os homens não deveriam ter sido rejeitados e praticamente entregues às forças sérvias.

Questões em aberto

A diferença neste processo é que as Mães de Srebrenica acusaram uma responsabilidade mais ampla do Estado holandês. Elas queriam que o tribunal considerasse a Holanda responsável pelo massacre em si. Para elas, a sentença é apenas um sucesso parcial. Uma das integrantes do grupo que processou a Holanda afirma que agora foi feita justiça. “Mas como podemos explicar a uma mãe que os holandeses são responsáveis ​​pela morte de seu filho em um lado da cerca, mas não para o filho assassinado do outro lado da cerca?”, reclama.

O país seria, então, responsável pelos 300 que estavam na base militar holandesa e não pelos milhares de outros que estavam dentro da zona de proteção? Por que eles não puderam proteger os outros? Andreas von Arnauld acredita que eles não estavam equipados suficientemente para isso. Ele afirma que essa questão já seria da alçada daqueles que planejaram a missão de paz, ou seja, da ONU.

As Mães de Srebrenica já tentaram há vários anos responsabilizar a ONU. No entanto, a organização goza de imunidade nos tribunais nacionais. “Essas tentativas para esclarecer tais questões da responsabilidade no nível das Nações Unidas até agora falharam”, lembra Arnauld.

O jurista acredita, no entanto, que a decisão atual pode ser um passo no sentido de atribuir uma responsabilidade comum à ONU e aos países envolvidos nas missões. Pois, de acordo com o tribunal, a Holanda não foi única responsável ​​pela conduta falha dos soldados durante o massacre.

A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional vê − pelo menos em relação às tropas holandesas – um perigo sendo eliminado: que no caso de qualquer violação da lei realizada por tropas da ONU, não haja uma responsabilização dos culpados. Mas uma responsabilidade compartilhada seria provavelmente melhor. Porque, ao serem responsabilizados sozinhos, no futuro os governos pensarão duas vezes antes de participar de tais missões.

Fonte: WD.DE

 

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