Acordo com China sinaliza ‘guinada a leste’ da Rússia

Jonathan Marcus

Analista diplomático da BBC

Vladimir Putin e Xi Jinping em Xangai | Foto: AFP

Governo russo busca mais presença no Oriente em meio a tensões com potências ocidentais

A China é o parceiro comercial mais importante da Rússia: cerca de dois terços das importações chinesas do país são petróleo ou gás natural. Um novo acordo bilionário de exportação de petróleo e gás, selado nesta quarta-feira entre os dois países, reforça a importância desta relação.

É um acordo que vinha sendo forjado há muito tempo, com os chineses hesitantes sobre os custos. Mas os valores contam apenas parte da história.

O acordo acontece em um momento em que as tensões entre a Rússia e o Ocidente aumentaram, principalmente por causa da crise na Ucrânia.

E o problema não é só a Ucrânia: há diferenças fundamentais entre os dois lados a respeito da Síria e sobre a direção para a qual o presidente Vladimir Putin está conduzindo o país.

De fato, em alguns momentos Putin parece estar posicionando a Rússia como um polo alternativo em relação ao que ele parece considerar valores decadentes do Ocidente.

Portanto, o acordo entre a estatal russa Gazprom e a chinesa Corporação Nacional de Petróleo pode simbolizar um momento importante de transição, quando, tanto em termos econômicos quanto geopolíticos, o olhar da Rússia começa a se voltar mais para o Oriente do que para o Ocidente.

Mas a “guinada oriental” da Rússia também tem seus problemas. Mesmo que o país se considere uma potência “eurasiática” em termos geográficos, Pequim é claramente o ator em ascensão.

O papel da Rússia é de um importante fornecedor de energia – o país também vende quantidades significativas de petróleo e gás para o Japão e a Coreia do Sul -, o que lhe permite uma participação importante na região.

Exportação de energia

Entenda o acordo

Nesta quarta-feira, o presidente russo Vladimir Putin assinou um acordo que prevê 30 anos de fornecimento de gás natural para a China.

O acordo, entre a estatal russa Gazprom e a Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC, na sigla em inglês), foi negociado durante dez anos.

A Rússia vem tentando encontrar mercados alternativos para o seu gás natural, diante da possibilidade de sanções europeias por causa da crise na Ucrânia.

O valor oficial do acordo não foi divulgado, mas acredita-se que seja de mais de US$ 400 bilhões (R$ 884 bilhões).

O novo contrato deve garantir o envio de cerca de 38 bilhões de metros cúbicos de gás por ano para a China, a partir de 2018.

Mas isso também pode ser encarado de maneira diferente: uma tendência que enfatiza o papel crucial das exportações energéticas nas finanças russas – uma dependência que pode facilmente se tornar tanto uma fraqueza quando uma força.

De fato, o tempo que foi necessário para que Moscou chegasse a esse acordo com Pequim pode mostrar com quem está o real poder de negociação.

Em nível estratégico, a Rússia parece estar reforçando seus laços militares com Pequim. Exercícios navais conjuntos estão sendo realizados neste mês.

Mas dada a miríade de tensões na região causadas pela escalada marítima da China e sua crescente disputa em questões regionais, uma aliança mais próxima com Pequim pode ser pouco interessante, já que pode dificultar o avanço nas relações com outros atores regionais, como o Japão.

O momento em que esse acordo foi feito reforça inevitavelmente seu significado geopolítico, mas ainda é muito cedo para delinear as verdadeiras consequências da crise ucraniana. Para começar, não sabemos exatamente como ela vai terminar.

Moscou pode ter desistido de uma intervenção militar em grande escala, mas é difícil enxergar qualquer mudança na visão de longo prazo de Putin para uma Ucrânia enfraquecida como um Estado-tampão entre a Rússia e o Ocidente.

Diferentes afirmações estão sendo feitas no momento: que a era pós-Guerra Fria chegou ao fim; que os países europeus certamente tentarão reduzir significativamente a dependência da energia; que a missão principal da Otan foi reafirmada e que a aliança militar ocidental teve sua vida útil estendida. Uma mudança de foco da política russa em direção ao Oriente pode ser parte disso.

Todas essas afirmações podem ser verdadeiras, mas ainda é cedo para dizer. A Rússia continua sendo, em parte, uma potência europeia, ansiosa por salvaguardar os direitos das minorias em uma variedade de países na região que o país considerava seu “exterior próximo” ou seu quintal. Isso, também, não deverá mudar.

Fonte: BBC Brasil

9 Comentários

  1. por LUCENA
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    Será que nesse acordo do século entre os dois gigantes da euroasia,foi mencionado a palavra DOLLAR ?
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    E as sanções contra a Russia … como é que está ?….o governo americano só vive dizendo que vai endurecer mais e mais essa sansão e nada ?! ….,toda semana vem algum falcão decrepito e cheio de rugas; para dizer que a vaca-sagrada vai endurecer….. só se for na base de VIAGRA … 😉
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    É igualzinho aos mantras dos sionistas,todo mês eles vão atacar os persa,já se vai para mais de dois anos com essa landaínha de balzaquiana “moça” .. 🙂

    • por LUCENA
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      O acordo entre Rússia e China sublinha… a fragilidade do Financial Times
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      O FT havia previsto, de modo peremptório, de que Vladimir Putin, nesta sua visita à China, sairia de mãos abanando, sem conseguir a assinatura do acordo.
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      (*) Por : Flávio Aguiar/ cartamaior
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      (…)O Financial Times insinua que a Rússia erra ao privilegiar a China ao invés de seu diálogo com o Oeste e a Europa, porque, entre outras coisas, o fornecimento de gás àquele país será apenas de 25% do que a primeira fornece ao continente europeu, que continuará assim sendo o principal parceiro da “estagnada” economia russa na questão do gás. Entretanto, outros analistas na capital londrina e em outros países da Europa já exalam o temor de que o acordo com os chineses venha a encarecer ainda mais o fornecimento de gás para a combalida… economia europeia, que depende entre 25% e 30% (os números variam de acordo com a fonte) para seu consumo de energia da Gazprom.(…)
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      ” É pena para parte da velha mídia do Velho Continente, a bússola do bom jornalismo trincou.”
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      fonte: [ cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/O-acordo-entre-Russia-e-China-sublinha-a-fragilidade-do-Financial-Times/6/30982 ]

  2. “Moscou pode ter desistido de uma intervenção militar em grande escala (…)”

    Desde o começo do conflito eu duvidei que a Rússia invadiria a Ucrânia ou partes da mesma. Eu não acredito que uma ação militar direta foi considerada pelos Russos. Porém, ainda é cedo pra se ter uma ideia de como ficará a situação na Ucrânia. Mais uma vez, o jeito é aguardar.

    • Complementando meu comentário: a Rússia invadiria a Ucrânia ou partes da mesma (com exceção da Crimeia, que havia sido presenteada à Ucrânia, na época da União Soviética).

  3. Não creio que tenha “desistido”. Acredito que nem pensava realmente nisso. Invadir um país que não tem como se defender está muito, mas muito mais para EUA que para Rússia, embora também tenham lá seus tropeços.

    A meu ver era mais um jogo de estratégia mesmo, e Putim se mostrou muito mais afinado na arte da estratégia que Obama!

    Agora não tem mais jeito… se iniciou mais uma “onda” de mudança geopolítica global… se antes temiam a aliança conhecida como “União Soviética”, agora vão ter que lidar com outra que, em poucos anos, pode ser ainda mais forte!

    Isso nem pode mais ser chamado de “tiro no pé”… tá mais pra amputação mesmo! 🙂

  4. Cara, estão espremendo mt Ivan, e vai acabar escorrendo por entre os dedos da UE/EUA, e quem vai ganhar c isso será a grande serpente. Suas legiões vão ganhar tecnoligia do Urso, e o Japão poderá pagar esse pato + rápido..Esse acordo mostra q os Russos tem essa e talvez outras portas de saída..Esse acordo do gás poderá virar um adendo p o acordo de 2009 passar a ser de autodefesa…cuidado.Espero estar mt errado.Quem viver vera.Sds.

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