Alemães desconfiam de acordo de livre comércio entre UE e EUA

Transgênicos, frango desinfetado com cloro, carne com hormônios: consumidores temem rebaixamento de padrões ambientais e de qualidade e reclamam de falta de transparência.

“Não à TTIP”, diz o cartaz encostado no muro do Ministério da Economia em Berlim. Diante do prédio, trajando jaquetas vermelhas, está reunido um grupo de ativistas do movimento democrático Campact.

“Queremos demonstrar que a proposta do acordo para a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos [APT ou TTIP, na sigla em inglês], entre os Estados Unidos e a União Europeia, é muito controversa e tem um grande número de opositores”, explica a ativista Maritta Strasser. Cerca de 470 mil pessoas já assinaram a petição online iniciada pelo Campact: “Só neste fim de semana, mais 4 mil aderiram.”

De fato, há cada vez mais gente interessada no que os EUA e a UE negociam a portas fechadas, desde julho de 2013. Em Bruxelas e Washington diz-se que a TTIP dará forte impulso à economia dos dois lados do Oceano Atlântico, já que a eliminação de tarifas e barreiras comerciais pouparia tempo e dinheiro às empresas. Entretanto, entre numerosos cidadãos cresce a preocupação de que os padrões de segurança alimentar e de proteção ao consumidor da UE também venham a ser prejudicados.

Barreiras não tarifárias

“Tememos que nossos supermercados sejam invadidos por carne tratada com hormônios, frangos desinfetados com cloro, milho transgênico e outras coisas”, diz Strasser. “Não temos nada contra a redução de tarifas alfandegárias ou o comércio livre e justo.” Mas também não é esse o escopo da TTIP, ressalva: “Quase não temos mais tarifas, o que existem são, sobretudo, as chamadas ‘barreiras de comércio não tarifárias’.”

O termo se refere a prescrições como a proteção ao consumidor ou as normas de segurança de medicamentos. Ela enfatiza tratar-se de leis definidas democraticamente, sendo, portanto inaceitável que sejam simplesmente interpretadas como barreiras comerciais, anuladas e tornadas supérfluas em negociações secretas.

O vice-chanceler federal alemão e ministro da Economia e Energia, Sigmar Gabriel, disse compreender tais ressalvas e admite falhas nas negociações da TTIP. “Se falta algo nesse debate público, é a transparência”, comentou, durante um “fórum de diálogo” realizado nesta segunda-feira (05/05), em seu ministério, com as presenças de Michael Froman, representante do Departamento de Comércio Exterior dos EUA, e do comissário europeu do Comércio, Karel De Gucht.

Excesso de segredo

Aproximadamente 300 convidados lotaram o grande auditório do Ministério da Economia, entre eles políticos, empresários e lobistas, além de um grande número de ambientalistas e defensores dos direitos dos consumidores.

Strasser, também presente ao fórum, confrontou Gabriel, De Gucht e Froman com os primeiros resultados da petição online promovida por sua organização. A reação do ministro da Economia foi quase colérica, qualificando como “uma façanha” conseguir reunir 470 mil assinaturas em torno de “um monte de especulações”. “Na verdade, ninguém aqui nesta sala sabe o que consta [da proposta de acordo de parceria]. Nem a senhora”, disse, dirigindo-se a Strasser.

Já em tom mais conciliatório, olhando de lado para seus convidados, Gabriel reconheceu que os EUA e a Comissão Europeia ocultam excessivamente do público o andamento das negociações. Isso é algo que ele gostaria de mudar: “Eu acho que seria inteligente. Num século esclarecido como o 21, não se pode realizar negociações assim difíceis como se fossem negociações secretas.”

De Gucht disse não admitir tal comparação: “Não tenho nada a esconder”, rebateu. Ele também é a favor de maior transparência nas negociações e disse que a Comissão Europeia disponibilizou na internet mais documentos do que nunca sobre o processo da TTIP. Mas, a pedido dos EUA, é preciso que se aceite a confidencialidade de certos documentos, ressaltou.

Entre transparência e sigilo

O enviado de Washington observou que há tradições distintas na forma de lidar com transparência e sigilo: antes que os temas sejam trazidos à mesa de negociações, os deputados americanos “precisam primeiro decidir o que podem apoiar”. Os parlamentares, por sua vez, formam sua opinião em comissões compostas por representantes de todos os grupos sociais.

Por outro lado, ele disse nunca ter ouvido falar de negociações em que todos revelam todas as suas cartas. Froman é considerado um dos homens de confiança do presidente Barack Obama. Afinal de contas, cada um dos lados tem como tarefa atingir os melhores resultados possíveis para seu próprio povo, portanto não é bom “que todas as cartas estejam logo na mesa”.

O negociador americano preferiu comentar as vantagens que um acordo de livre comércio pode trazer. Em sua opinião, as empresas de pequeno e médio porte seriam as principais beneficiadas pela eliminação das barreiras comerciais.

Atualmente, os EUA e a UE já contabilizam quase a metade da produção e um terço do comércio mundial. São negociados, por dia, bens no valor de 3 bilhões de dólares – quase 1 trilhão de dólares ao ano. “No entanto, os outros países não ficam parados, e a questão é: quem vai estabelecer as regras e quem terá que apenas aceitá-las.”

Em caso de dissensão: aceitação recíproca

Froman e De Gucht tacharam de exageradas as preocupações de consumidores e ambientalistas quanto a uma degradação dos padrões europeus de segurança e de qualidade. “Chegaremos a um acordo que preservará os respectivos valores e princípios”, assegurou o comissário europeu do Comércio, acrescentando que nem a proteção ambiental e do consumidor, nem a proteção de dados serão minadas.

“Não haverá padrões mais baixos”, e isso vale para todas as áreas, complementou Froman. “Estou bem certo de que não vamos alimentar os nossos bebês com produtos químicos não testados previamente.”

Entretanto, lendo-se nas entrelinhas, foi possível notar uma certa polarização. Ao ser indagado pelo representante da Federação para o Meio Ambiente e Preservação sobre como, no futuro, os consumidores europeus poderão ter certeza de não estar comprando alimentos transgênicos, o representante americano respondeu: “Não vamos ditar a ninguém o que comer” – quem quiser, estará livre para comprar produtos orgânicos.

De Gucht contemporizou que existem leis europeias sobre a engenharia genética, as quais, prometeu, não serão modificadas. Gabriel reforçou: “Onde há concepções diferentes, teremos que aceitá-las reciprocamente”, e muitas das conquistas pelas quais os europeus lutaram duramente não estão expostas à negociação.

Critérios projetáveis no comércio global

Contudo, Gabriel não quer um acordo a qualquer preço: em relação à proteção dos investimentos, sua postura é irredutível. Entre dois Estados de direito altamente desenvolvidos, não são necessárias regras especiais de proteção aos investimentos, nem novas instituições, como, por exemplo, tribunais para arbitrar disputas entre os países e as empresas.

“A reversibilidade das decisões é o princípio fundamental da democracia, e não pode, absolutamente, ser posto em questão”, afirmou o ministro. Os americanos divergem, e demandam acordos adicionais para a proteção dos investidores. Estabelecendo-se padrões mais rigorosos entre os EUA e a UE, será possível também elevar os critérios para o comércio global, como um todo, propôs Froman.

Até o fim de 2015, as negociações para a TTIP deverão estar concluídas. Até lá, o Ministério alemão da Economia pretende organizar outros fóruns de diálogo, para acompanhar as discussões do modo mais aberto possível.

Necessidade de legitimação dentro da UE

Strasser se disse satisfeita com o primeiro evento da série. Durante a discussão com o público, quase todas as perguntas tiveram caráter crítico, o que comprovaria quão grande é a desconfiança em relação à TTIP e a reivindicação de codeterminar o curso das negociações, avaliou a ativista.

Ela disse ainda não acreditar que o acordo de livre comércio vá trazer um saldo positivo para a população europeia. As rodadas de negociação seguem sendo exclusivas para políticos e empresários, e aí ela não se ilude: os acertos correm sob a influência dos lobistas.

Berlim deve se perguntar se, em caso de dúvida, está de fato preparado para rejeitar um acordo contrário àquilo que o chefe de pasta da Economia promete agora. “Eu gostaria de ouvir definitivamente do ministro Gabriel que ele votaria no Conselho Europeu contra um acordo que contenha cláusulas questionáveis”, questiona Strasser.

Resta também esclarecer se realmente os parlamentos de todos os 28 países-membros da UE terão que aprovar o acordo. Enquanto o comissário De Gucht ainda deseja que a Corte Europeia de Justiça esclareça a questão, para Gabriel não há dúvidas: “Precisamos de uma ampla legitimação democrática. Afastar-se dessa posição colocaria em risco as negociações, podendo, no fim das contas, levar ao seu fracasso.”

Fonte: DW.DE

8 Comentários

  1. E de interesse comercial da Alemanha manter boas relacoes com Europa, O problema e que Alemanha tal qual o Japao sao paises militarmente ocupados pelos EUA. Tera coragem a classe empresarial alema despachar Merkel, colocar no poder alguem que ponha os interesses alemao acima dos interesses dos EUA? A mesma pergunta faco em relacao a classe empresarial japonesa. Caso seguem seus intgeresses, Alemanha e Japao juntara o BRICS+80 associados, que estao planejando lancar um novo tratado comercial que operara sem o dollar como moeda reserva. Se Merkel e Abe prevalecerem, esses dois npaises afundarao com o barco chamado Estados Unidos. So para nao dizerem que sou anti americano, vou logo dizendo que somente estou transmitindo o que li, no Jackass, no gold-seek, no gold-eagle etc etc

    • concordo com o que o jojo leu e reproduziu aqui no plano brasil !!!
      mas isso já dava para perceber a muito tempo ,o mundo não aquenta mais o descontrole yanke ,pois esses querem levar o mundo para guerra para poder continuar a explorar o mundo como sua colônia

      e ainda tem vira-latas para defender os anglo sionistas !!

      • Assim como ha vira-latas que defendem o controle sino-russo , entao eh vira-lata ladrando sobre vira-lata , o brasiu eh um canil de pulguentos e sarnentos ,sem excessao ,hahahahahaha ,!

  2. Está claro que a Europa só perde se relacionando dessa maneira com os EUA, pois mais ganhariam criando vinculos comerciais com o Brics que muito tem a investir e desejam os produtos europeus, do que os EUA que desejam injetar seus moldes de mercado no mercado europeu. Não será facil limitar ou fugir desse novo grilhão, e a Europa caminha a passos largos para se tornar um novo combustível para a sobrevivência da indústria norte americana.

  3. por LUCENA
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    (…) “Queremos demonstrar que a proposta do acordo para a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos [APT ou TTIP, na sigla em inglês], entre os Estados Unidos e a União Europeia, é muito controversa e tem um grande número de opositores”
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    ativista Maritta Strasser.(…)
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    Se em questão onde não envolve assuntos de conotação estratégica já é assim,fico imaginando quando entrar em pauta assuntos mais espinhosos para americanos e europeus;como por exemplo as diretrizes que regeram o mercado midiático,onde cada um dos lados dos glutões, quer abocanhar o maior pedaço.
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    Essa história vai ficar mais complexa quando os extremistas nacionalistas chegarem ao poder,sabe que entre essa irmandade de fascista o que prevalecer é a lei do Caim,ou seja,a lei do mais forte.
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    A Europa no passado onde havia muitos reis com idéias diferentes e divergentes,sempre foi na guerras entre eles que se chegou a um consenso,ao perdedores a submissão ao vencedor.
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    E imanar que tem aqueles “sem-noção”, que vazem pouco caso dos BRICS e do MERCOSUL 😉

    • por LUCENA
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      Por que a extrema-direita cresce na Europa?
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      O discurso da extrema-direita tem um alcance que vai além das vítimas diretas da crise. Toca esse desenraizamento identitário que muitos europeus sentem.
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      (*) fonte: [ cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Por-que-a-extrema-direita-cresce-na-Europa-/6/30898 ]
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      (…)A rejeição da UE e a saída do euro são dois dos grandes temas comuns das extremas-direitas europeias.
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      E, neste momento, encontram um eco muito favorável no ânimo de tantos europeus violentamente atingidos pela crise. Uma crise que Bruxelas agravou com o Pacto de Estabilidade [5] e as suas cruéis políticas de austeridade e de cortes, causa de enormes desastres sociais. Há 26 milhões de desempregados, e a percentagem de jovens de menos de 25 anos no desemprego atinge cifras espantosas (61,5% em Grécia, 56% em Espanha, 52% em Portugal). Exasperados, muitos cidadãos repudiam a UE (6).
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      Cresce o euroceticismo, a eurofobia. E isso conduz em muitos casos à convergência com os partidos ultras. (…)

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