Estratégia polêmica contra o abuso de drogas

Maconha

Professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, Carl Hart não acredita em um mundo sem drogas e denuncia o fracasso das atuais políticas na área

“Quando as pessoas estão convencidas, os políticos acompanham” Carl Hart

Julita Lemgruber (*)

NOVA YORK – Carl Hart é professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade de Columbia, em Nova York, e estuda a questão das drogas desde 1990. Interessado pelo Brasil, arguto pensador e contador de histórias, ele contesta noções convencionais sobre dependência química. Hart virá ao Brasil em 2014 para uma série de conferências.

Carl Hart acaba de publicar o autobiográfico “High price” (Editora Harper Collins), livro que conta a história de um menino que cresceu num bairro pobre e violento de Miami, envolveu-se com toda sorte de pequenos crimes, e finalmente construiu uma carreira respeitada como neurocientista de vanguarda, cujas pesquisas polêmicas têm trazido novas luzes para a relação entre pobreza, drogas e prazer, além de denunciar o fracasso das atuais políticas na área das drogas.

Entrevista com Carl Hart

Você menciona em seu livro que, quando as pessoas têm alternativas atraentes nas suas vidas, não escolhem usar drogas de forma autodestrutiva, e que usuários frequentes de drogas são encontrados em todas as classes sociais, mas que a dependência é algo diverso.

No caso do crack, por exemplo, apenas um pequeno percentual dos usuários se comporta de forma perturbadora, o que indica que não é uma determinada propriedade dessa droga que é o problema. O problema é o indivíduo que está usando a droga, sua condição pessoal, social e seu meio ambiente. Eu trabalho com dependentes de drogas num ambiente de laboratório onde eles ficam por seis a sete semanas. Os participantes dessas experiências são predominantemente negros, hispânicos e pobres e o que estamos investigando é o seguinte: podemos fazer com que essas pessoas escolham outras coisas que possam ter significado para elas, outras opções que não as drogas? Muita gente acha que isto é impossível, mas o resultado é que as pessoas, nas nossas experiências, acabam escolhendo outras coisas — de vales para compra de todo tipo de mercadoria a dinheiro vivo. Se podemos fazer com seres humanos, num laboratório, porque não podemos fazer na vida lá fora? Se você não tiver disposição para tentar descobrir o que funciona com cada indivíduo é melhor desistir.

O que você acha da hipótese de que quem faz uso abusivo de drogas não tem força de vontade ou caráter?

Não há qualquer evidência científica que comprove isso. Outra coisa muito comum é dizer que o problema é genético, e para isto também não existe evidência científica. Há pessoas que são dependentes de drogas por causa de uma série de problemas psiquiátricos: depressão, ansiedade, esquizofrenia, etc. e esses problemas precisam ser tratados para se resolver a questão da dependência desta ou daquela droga. Mas a maioria das pessoas que tem problemas com drogas carece de toda sorte de habilidades para lidar com sua vida diária. E isto pode acontecer com os ricos também. São pessoas às quais não foram ensinadas algumas das mais básicas habilidades para lidar com o seu cotidiano como, simplesmente, ter responsabilidade. A verdade é que para essas pessoas, assim como para aquelas muito pobres, a coisa mais atraente é se drogar. E a satisfação que a droga proporciona passa a ser a grande e única fonte de prazer.

Como a ciência pode influenciar a legislação na área das drogas? Os cientistas deveriam manter um diálogo permanente com os legisladores?

É uma pergunta difícil porque em geral os cientistas são pouco articulados. Estamos todos procurando encontrar as pequenas peças do quebra-cabeças e algumas vezes simplesmente não conseguimos nos fazer entender. Vou dar um exemplo: se você é um cientista, trabalhando com drogas nos laboratórios, os políticos vão querer saber quais os efeitos negativos das drogas. Ora, muitos desses cientistas na verdade desconhecem as complexidades da condição humana. É preciso que os cientistas que falam com legisladores tenham estudado drogas a partir de uma perspectiva muito ampla — os aspectos sociais, a neurociência, os efeitos positivos das drogas versus os efeitos negativos e, em geral, os cientistas não possuem esta visão mais abrangente.

Qual é a sua estratégia para se fazer ouvir?

Para falar como um cientista você precisa ter credibilidade e isto se adquire publicando regulamente. Como os legisladores estão sempre temerosos de qualquer coisa que possa significar um risco político em potencial, o melhor é sempre falar para o público. Falar em organizações locais, em igrejas, em eventos públicos. Até em nightclubs eu já falei. E você precisa escrever artigos de opinião nos jornais e escrever cartas ao editor. Você tem que ir aonde a ação acontece. Quando as pessoas estão convencidas, os políticos acompanham. Mas os políticos não vão liderar este processo. Mesmo quando eles fazem leis mais duras, estão respondendo a seus eleitores. Assim, como cientistas que querem provocar mudanças, precisamos encontrar quem são esses eleitores e falar para eles. Precisamos ensinar às pessoas e elas exigirão as mudanças que os políticos farão.

Como o apoio financeiro para pesquisas na sua área funciona e como você se relaciona com os órgãos governamentais como o Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês) e o Instituto Nacional para a Dependência em Drogas (NIDA, na sigla em inglês)?

O NIH é como uma instituição guarda-chuva com a missão de solucionar patologias. O NIDA é o meu instituto, que sempre financiou minhas pesquisas, mas eles estão focados nas coisas ruins que acontecem por causa das drogas. Quando eu conseguia recursos — e eu não tenho tido muito sucesso recentemente — eu estava procurando achar as respostas para o que fazer com os efeitos terríveis das drogas. Mas, na verdade, enquanto eu considerava estes efeitos terríveis eu me dei conta de que não estava examinando o cenário como um todo. Nas minhas pesquisas eu comecei a ver os efeitos positivos da maconha, da metanfetamina, do MDMA, do crack e da cocaína — o que não quer dizer que essas drogas não possam provocar, potencialmente, efeitos negativos. Mas eu passei a reconhecer as possibilidades das anfetaminas no que diz respeito a estar mais alerta e vigilante, o que é muito importante nos casos de privação do sono ou fadiga; perceber os estimulantes como substâncias importantes para aumentar o desempenho cognitivo e o humor; e a maconha, obviamente, para diminuir dores, os efeitos da quimioterapia e como recurso importante no tratamento do estresse pós-traumático.

Os cientistas brasileiros precisam lidar com o fato de que o apoio financeiro sempre privilegia intervenções relacionadas à abstinência em vez de intervenções de redução de danos. Como resolver isto?

No meu caso, estou gerando meus próprios recursos para pesquisa. Além de recursos da própria universidade, falo em eventos, e a remuneração dessas palestras vai também para minhas pesquisas. Para dizer a verdade, eu me sinto culpado aceitando dinheiro pelas palestras. Minha educação foi paga com recursos dos cidadãos que pagam seus impostos e eu acredito que preciso retribuir isto.

Como superar a forte influência da mentalidade arraigada do “diga não às drogas” tanto nas políticas como nas ações governamentais?

Acreditar que se pode dizer não às drogas é uma grande estupidez, uma visão simplista e perigosa. Drogas de todo tipo sempre fizeram parte da história dos homens e eu não gostaria de viver num mundo sem drogas. Seria um mundo muito entediante, tenso, cheio de ansiedades e depressões. E é sempre bom lembrar que a maior parte das pessoas que usa drogas não abusa das drogas. Falar de um mundo livre de drogas é pura retórica política vazia.

Como você avalia a questão da maconha para uso medicinal?

A maconha para uso medicinal foi legalizada em 20 estados americanos e, a partir de 1 de janeiro de 2014, a maconha para uso recreacional estará legalizada nos estados de Colorado e Washington.

O interesse pela maconha medicinal tem crescido ano a ano nos Estados Unidos. Já se provou que a maconha tem efeitos benéficos em relação a vários problemas de saúde, como a perda do apetite nos casos de Aids, ou para redução da náusea provocada pela quimioterapia. A maconha também vem sendo usada para tratamento do estresse pós-traumático com sucesso. É claro que há outros medicamentos disponíveis para tratar desses problemas, mas a maconha deveria estar incluída entre as opções possíveis.

Há quem defenda a descriminalização, outros a legalização das drogas. Qual a sua posição?

Eu não sou contra a legalização, mas nos Estados Unidos há tanta ignorância sobre a questão das drogas que para qualquer efeito negativo que se venha a atribuir a esta ou aquela droga sempre haverá os que dirão que é por causa da legalização. E, então, alguns dos efeitos bizarros de algumas drogas serão explorados. Eu aposto o que você quiser que logo estarão dizendo que no Colorado e em Washington, estados que legalizaram a maconha recreacional, os jovens estarão fumando mais cedo, terão problemas cognitivos e mais chances de se tornarem dependentes. Por isso tudo, eu sou a favor de caminharmos por etapas e o que podemos fazer, rapidamente, é descriminalizar. Precisamos esclarecer o público sobre todo tipo de efeitos das drogas. Depois podemos começar a falar em legalização.

(*) Julita Lemgruber é socióloga

Foto: De jovem problemático a cientista renomado, Hart desafia seus colegas. Eileen Barroso / Divulgação

 

Fonte: O Globo, Saúde, Página 50, Domingo, 24/11/2013

8 Comentários

  1. Para a especialistas em drogadição, a maconha não é um entorpecente leve. “Ela desconecta o indivíduo da realidade e amplifica os riscos para câncer no pulmão, doenças cardiovasculares, danos ao sistema reprodutor e à memória”, elenca. Os problemas não param por aí: estudo publicado pela revista Archives of General Psychiatry destaca que pessoas que fazem uso diário de pelo menos 5 cigarros, por um período igual ou superior a dez anos, apresentam mais sintomas psicóticos e menor capacidade de aprendizado
    Já esta comprovado cientificamente que maconha pode desencadear quadros de esquizofrenia

    • Existem minorias barulhentas que tentam impor sua vontade, em detrimento da maioria, em flagrante oposição ao conceito de estado democrático….Mesmo com provas científicas dos males causados pela droga, insistem em criar justificativas para sua liberação….Cabe lembrar que o número de dependentes pode ser bem maior, pois muitos usuários não assumem essa condição….Sem falar daqueles que já foram “promovidos” para outras drogas mais pesadas, após “debutarem” com a canabis…..Cerca de 40% de todos os usuários de maconha são dependentes da droga….75% da população brasileira não concorda com a legalização da maconha…..

      • “Acreditar que se pode dizer não às drogas é uma grande estupidez, uma visão simplista e perigosa. Drogas de todo tipo sempre fizeram parte da história dos homens e eu não gostaria de viver num mundo sem drogas. Seria um mundo muito entediante, tenso, cheio de ansiedades e depressões. E é sempre bom lembrar que a maior parte das pessoas que usa drogas não abusa das drogas. Falar de um mundo livre de drogas é pura retórica política vazia.”

        O mais interessante nos argumentos dos maconheiros é que eles falam como se o país fosse uma grande classe média de estudantes universitários…O egocentrismo e o egoísmo é típico dos usuários de drogas que alteram a consciência…..Qualquer argumento é a favor de si próprio, travestido em estudos científicos, econômicos ou sociais….Não seria mais simples os maconheiros assumirem que querem que libere dizendo: ” quero facilitar meu acesso à erva”….Ponto……

      • Para quem se interessa, este é um artigo publicado no scielo, revista class. A, discutindo os efeitos da cannabis no organismo, relatando a diminuição da massa cinzenta no cérebro de usuários continuos:

        http://www.scielo.br/pdf/rbp/v27n1/23717.pdf

        E para quem acha que não há o risco de câncer de pulmão, a fumaça do cigarro de maconha é tão nociva quanto a do cigarro, pois ela irrita e mata os alvéolos pulmonares, causando a produção de tecido conjuntivo e células mutantes o que dimunuem a capacidade respiratória E CAUSAM CÂNCER….Quanto ao vício, os pesquisadores descobriram que o THC é altamente viciante, claro não podemos comparar com o efeito da cocaina ou o crack, mas sim, maconha vicia, e já foi descoberta uma nova substância para o tratamento, chamada anandamida ( http://www.uniad.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4912:substancia-do-cerebro-pode-combater-vicio-da-maconha&catid=29:dependencia-quimica-noticias&Itemid=94). Vejam bem, temos dois tipos de vício: o Psicológico e o químico. A maconha possui poder para viciar quimicamente e psicologicamente…….

  2. Maconha é a porta de entrada para as drogas mais pesadas,eu gostaria de ver aplicada no Brasil a política antidrogas Iraniana,ou seja executa o traficante e por conseguinte aumenta o preço e a dificuldade de consumo.

  3. olha…se eu fosse uma alma sebosa…eu nem diria nada pra isso ai….eu até iria atrás de fóruns e comunidades de lá só para subverter/sabotar/apoia essas coisas ai de liberar maconha….mas eu não sou assim..um pais que libera drogas/maconha se auto destrói…..esta gravemente a se auto sabota…a historia da guerra do opio ilustra bem isso…a China naquela época estava completamente em colapso…por causa do opio…até o imperador era viciado….

    Para chamar a atenção do imperador, um ministro descreveu a situação da seguinte maneira:

    “Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga. Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos tolerar este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e munição. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma porque estarão todos viciados.”

    o imperador num determinado momento chegou a conclusão que ou ele acabava com o opio …ou o opio acabaria com a China…acontece que o comercio de opio era a quarta maior receita da Inglaterra na época..e por conta disso não quiseram aceitar a proibição imposta pelo o imperador o que levou a essa guerra patife da China contra a maior traficante da historia da humanidade até hoje…a rainha vitória…..não é a toa/por acaso que essa família real de hoje de lá é tão “noia”…rs…

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_%C3%93pio

  4. Rapaz, que figura… Na universidade tem uma disciplina bem básica chamada epidemiologia, creio que o “professor” Carl “pulou” essa..

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