Questão nuclear iraniana parada numa “estação secundária”

Andrei Fedyashin

A euforia pela possibilidade de uma rápida obtenção de acordo acerca da questão nuclear iraniana, depois da reunião de Genebra, durou apenas até 10 de novembro. Foi quando se soube que a França bloqueou os acordos, recusando assinar um acordo de regulação intermédio. Segundo este acordo, o Irã aceitava fazer cessões que as outras partes já não viam nos últimos 10 anos.

A questão agora é: quem e porquê não quer encerrar o “dossiê nuclear” iraniano?

Os jornais no Reino Unido, Alemanha e EUA escrevem hoje, em uníssono, que terá havido pressões de Israel e da Arábia Saudita sobre o presidente François Hollande. Por mais estranho que pareça, os seus objetivos estratégicos relativamente ao Irã coincidem.

Já na manhã de 11 de novembro, os jornais de Teerã, mesmo os moderados, saíram com títulos depois dos quais é melhor que os franceses nem apareçam no Irã. Surge a ideia de que Paris é agora Le Grand Satan, em vez de Washington.

A imprensa moderada considera que o comportamento de Hollande confunde por ser incompreensível. Já a imprensa de direita, como o conservador Keihan, não lhe chama senão “criado do sionismo”.

A agência de informação iraniana IRNA comunicou que um grupo de grandes homens de negócios iranianos decidiu, numa reunião especial realizada em 10 de novembro, encerrar as relações comerciais com a França por esta “não ser um parceiro de confiança”.

Contudo, até ao fim do sábado passado as negociações eram consideradas, pela primeira vez nos seus quase dez anos de existência, como construtivas sem precedentes. Basta dizer que nas 72 horas da última ronda em Genebra os diplomatas norte-americanos e iranianos conversaram durante mais tempo que nos últimos 30 anos.

Segundo disse o ministro das Relações Exteriores da Rússia Serguei Lavrov, “o tempo não foi gasto em vão” e os trabalhos vão agora prosseguir com base no princípio do “cumprimento de etapas e da reciprocidade”:

“Gostaria de referir o papel de liderança desempenhado pela delegação dos EUA encabeçada pelo secretário de Estado John Kerry na promoção de abordagens aceitáveis para o Irã. Pensamos que nesta fase isso tem uma importância especial. É evidente que não se conseguiu obter um acordo em todos os detalhes, mas existe uma disposição para trabalhar de uma forma construtiva”.

As conversações não permitiram, naturalmente, resolver todos os problemas, mas foi atingido um progresso convincente, disse o ministro das Relações Exteriores britânico William Hague:

“Nós empregamos todos os esforços para consolidar o progresso obtido. Muitos problemas foram resolvidos com sucesso. A atmosfera nestas negociações é radicalmente diferente da que nós tínhamos ainda há vários meses”.

Os diplomatas britânicos e norte-americanos que compunham o “sexteto” ficaram simplesmente “chocados e furiosos” com a atitude do ministro francês Laurent Fabius.

Primeiro ele informou a imprensa dos detalhes confidenciais das negociações. Depois ele declarou que a França não iria “entrar em jogos estúpidos”. Por fim, violando a mais elementar ética e o protocolo diplomático, ainda antes da coletiva de imprensa final, a chefe da diplomacia da União Europeia Catherine Ashton declarou que as conversações tinham atingido o impasse.

Nunca antes o “sexteto” (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França mais a Alemanha é o grupo que participa nas negociações desde 2006) teve este tipo de comportamento por parte de qualquer dos países.

No fim de novembro Hollande se prepara para visitar Israel. Os analistas referem com sarcasmo que isso explicaria porventura os passos dados pelos franceses em Genebra. O presidente francês precisa de ter alguém que o receba como amigo. A popularidade interna de Hollande caiu para um nível recorde inferior a 26 por cento. Em toda a história ainda nenhum presidente francês tinha caído tanto. Se Hollande tivesse apoiado o acordo, a sua visita a Israel se iria transformar em mais uma vergonha catastrófica.

Além do mais, o presidente francês tinha de justificar o dinheiro do patrocínio da Arábia Saudita, um dos maiores financiadores de suas políticas e fornecedores de petróleo à França. Para Riad o encerramento do “dossiê nuclear” de Teerã e a normalização das suas relações com Washington significaria a continuação da queda da sua influência na região. Obama aposta claramente na normalização das relações com Teerã e a Arábia Saudita escolheu agora Hollande como seu instrumento principal para enfrear o processo de levantamento das sanções econômicas contra o Irã.

Porém, não devemos pensar que tudo está perdido e que não haverá mais desenvolvimentos nas negociações, diz o diretor do Centro de Estudos Sociopolíticos do IMEMO Vladimir Evseev:

“Temos de compreender que os EUA estão sujeitos a pressões muito fortes tanto internas (podemos considerar a influência israelita como uma pressão interna: o lobby pró-Israel nos EUA ainda não deixou de existir), como por parte de países como a Arábia Saudita, o Qatar e alguns outros. Eles não gostariam que os EUA e o Irã melhorassem as suas relações. Para a Arábia Saudita qualquer alteração do estatuto iraniano representa um desafio às ambições regionais de Riad. Já se sabe que eles tudo farão para bloquear estas negociações”.

Ninguém esperava obviamente que o problema nuclear iraniano seria resolvido em 72 horas nas conversações de Genebra. Durante mais de dez anos ele parece ter ficado esquecido numa “estação secundária”, onde os auxiliares, os chefes de comboio e os maquinistas até agora falavam línguas diferentes. Assim era impossível manobrar os vagões e fazer partir o trem.

Em Genebra, finalmente, parecia que as coisas tinham começado a andar, mas os franceses voltaram a bloquear as agulhas. Vladimir Evseev considera que, existindo vontade política, Washington poderá pressionar Paris e obrigá-lo a aceitar o plano do “sexteto”. Em princípio, esse plano prevê o acordo do Irã em enriquecer urânio só até aos 5% em vez dos 20%, a redução das reservas de urânio enriquecido acumuladas, o fim do funcionamento do reator experimental a água pesada de Arak e a visita dos peritos da AIEA ao complexo militar de Parchin. Em troca se previa um levantamento parcial das sanções econômicas.

Além disso, todos os acordos são reversíveis, ou seja, podem ser cancelados em caso de incumprimento pela outra parte.

O próximo encontro no âmbito do “sexteto” deverá decorrer em 20 de novembro. Se até lá, é claro, ainda houver alguma coisa a discutir.

 

Fonte: Voz da Rússia

 

2 comentários em “Questão nuclear iraniana parada numa “estação secundária”

  1. Aprendendo…escolinha. Vejam: O Irã tem seus interesses e é de direito natural qualquer um fazer o que quiser, se uns tem tecnologia nuclear (pacífica ou bélica) porque outros não podem? Pois a questão é outra. Agora por outros interesses, provável interferência de Israel, não se chega a termos mínimos para paz. Não entrando diretamente neste caso vejam como funcionam os interesses econômicos em detrimento da paz.
    Hipoteticamente pensando: se o Brasil fosse realmente tornar-se soberano e independente, dono de suas escolhas, sofreria represálias. Ocorre com o Irã a truculência do jogo da dita globalização. No caso Brasil, como somos capachos e vendemos tudo a preço menor que banana (até a banana já está cara), e também não investimos em educação, tecnologia e cultura, como também não fizemos a infraestrutura mínima, pois a corrupção absorve todos os recursos financeiros, fica bom para os grupos estrangeiros e meia dúzia brazuquinhas carregarem nossas riquezas, assim não há necessidade de embargo econômico e guerra que custaria mais caro.

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