Giap, o Napoleão Vermelho

General Vo Nguyen Giap shakes villagers hands

Por Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 05 de outubro de 2013.

Consiste em desgastar, por meio de um conflito prolongado, um poder militar superior, buscando seu enfraquecimento moral pelo emprego continuado de ações não convencionais e inovadoras, como, por exemplo, táticas de guerrilha.
(Introdução à Estratégia – CP/ECEME/2011)

Nesta última quarta-feira (04.10.2013) morreu, aos 102 anos, o lendário General Vo Nguyên Giap, o grande estrategista militar responsável pela expulsão dos invasores franceses de seu país.

–  General Vo Nguyên Giap

Fonte: Associated Press

A minha Academia Militar foi a selva e foi a luta de guerrilha contra os japoneses. (General Vo Nguyên Giap)

(…) Apelidado de Napoleão Vermelho, Giap é considerado um herói nacional cujo legado encontra-se abaixo somente daquele de seu mentor, o ex-presidente Ho Chi Minh, que conduziu o Vietnã à independência. Estrategista militar autodidata, Giap ficou famoso pela vitória sobre os franceses em Dien Bien Phu, que não levou apenas à independência do Vietnã, mas também ao colapso do colonialismo na Indochina e outras partes do sudeste asiático. (…)

Giap nasceu em 25 de agosto de 1911, na província central de Quang Binh. Ele entrou na vida política nos anos 1920 e trabalhava como jornalista antes de se filiar ao Partido Comunista Indochinês. Nos anos 1930, ele se formou em Direito pela Universidade de Hanói e foi preso por liderar protestos contra a colonização francesa.

Giap conheceu Ho Chi Minh nos anos 1940, durante o exílio no sudeste da China. Os dois, então, foram para a zona rural do norte do Vietnã, onde recrutavam guerrilheiros para a insurgência vietcongue. Uma de suas estratégias mais conhecidas foi a criação da trilha de Ho Chi Minh, que atravessava clandestinamente as selvas de Laos e Camboja para municiar os rebeldes no sul do Vietnã.

Durante os anos de guerra, Giap serviu como Ministro da Defesa, comandante das Forças Armadas e membro da diretoria do Partido Comunista do Vietnã. Seu poder foi lentamente decaindo com a morte de Ho Chi Minh, em 1969. Seu último cargo foi de Vice-primeiro-ministro em 1991.

Mesmo aposentado, Giap continuava a ser uma figura popular na sociedade vietnamita. Com o uniforme militar e estrelas dourados cravadas nos ombros, ele participava de eventos nacionais e dava conselhos políticos.

–  As Guerras da Indochina

Luiz Alberto Moniz Bandeira faz as seguintes considerações sobre a guerra da Indochina no seu livro “A Formação do Império Americano – da Guerra contra a Espanha à Guerra no Iraque”:

Ho Chi Minh, (…), um homem com todas as qualidades necessárias a um líder: perseverança, determinação férrea e completamente devotado à causa da revolução, como o definira Hoang Van Chi, autor de “From the colonialism to communism”, que escapara do Vietnã do Norte em 1955. (…) A França, no entanto, insistia em manter a liderança na campanha da Indochina e preservar seu império colonial que incluía a Argélia.

Só por temer a intervenção da China, continuou aspirando que os Estados Unidos participassem abertamente do conflito, embora evitasse qualquer declaração de que daria completa independência aos Estados Associados. Allen Dulles, diretor da CIA, escreveu a Eisenhower um memorando, advertindo-o no sentido de que “we could not afford thus to engage the prestige of the United States and suffer a defeat which would bane world-wide repercussions”. Pouco tempo depois, em 16 de abril de 1954, Richard Nixon, o vice de Eisenhower, pronunciou um discurso na “America Society of Newspapers Editor”, no qual sugeriu a possibilidade de que os Estados Unidos um dia viessem a enviar tropas para o Vietnã, com o objetivo de conter o comunismo. Com razão, o Ministro dos Assuntos Estrangeiros da República Democrática do Vietnã, Pisam Van Dong, denunciou, em discurso durante a conferência de Genebra (1955), que os Estados Unidos, de um lado, haviam transformado a França em instrumento de sua política e, do outro, preparavam-se para expulsá-la da Indochina, enfraquecê-la, com a guerra que eles encorajavam, e subjugá-la em alto grau na Europa. A política dos Estados Unidos apresentava realmente duas faces. E a vacilação de Eisenhower vis–à vis (frente a frente, face a face) do envio de tropas terrestres para o Vietnã refletiu a sua ambivalência, entre a política de forçar a abertura das portas, ou seja, acabar o regime colonial estabelecido pela França, abrindo os mercados fechados, e a necessidade de impedir a queda de um dominó, para conter o avanço comunismo.

Efeito dominó: efeito em cadeia que sugere a ideia de gerar uma série de acontecimentos semelhantes de média, longa ou infinita duração. (Hiram Reis)

Mesmo assim, os Estados Unidos gastaram ainda, inutilmente, mais US$ 2,5 bilhões com a política de apoio à França, iniciada no final do governo de Truman, quando já estavam aplicando US$ 200 milhões (soma equivalente a US$ 1 bilhão em 1993), arcando com cerca de um terço à metade dos gastos da Guerra na Indochina. Entretanto, apesar de sustentada pelos armamentos e recursos financeiros dos Estados Unidos, a França não conseguiu vencer as forças da República Democrática do Vietnã, assim reconhecida, em 1950, pela República Popular da China e demais países comunistas. O exército do Viet Minh, sob o comando do General Vo Nguyên Giap, considerado por William Colby, ex–diretor da CIA, um “gênio militar”, atacou o Corps Expéditionnaire (CE) francês (16.000 soldados), no seu último baluarte, considerado inexpugnável, em Diên Bién Phu, uma planície de 18 km de extensão, cercada de montanhas, no Noroeste do Vietnã, perto da fronteira com o Laos.

Viet Minh: Partido dos Trabalhadores do Vietnã, nome adotado pelo Partido Comunista da Indochina (PCI), em 1951. Viet Minh, abreviatura de “Viet Nam Doe Lap Dong Minh Hoi”, significa “Liga pela Independência do Vietnã”, que lutou contra as forças de ocupação do Japão e depois contra a tentativa da França de restaurar seu domínio, após a II GM. O Viet Minh, formado na China, em 1941 por Ho Chi Minh e, embora fosse dirigido preponderantemente pelos comunistas, funcionou como Frente Nacionalista, aberta às variadas tendências. Em fins de 1943, as forças do Viet Minh penetraram no Vietnã, sob o comando do General Vo Nguyên Giap, deflagraram a guerra de guerrilhas e conquistaram várias áreas do Norte do Vietnã.

 

Após a expulsão dos japoneses, o Viet Minh capturou Hanói e proclamou a República Democrática do Vietnã. A França havia inicialmente prometido reconhecê-la, mas não o fez, e em 23 de novembro de 1946 a esquadra francesa atacou o porto de Haiphong. A Guerra na Indochina então recomeçou e o Viet Minh, que contava com amplo apoio no campo, fundiu-se em uma nova organização, denominada “Lien Viet” ou “Frente Nacional Popular do Vietnã”. Forças do Viet Minh, posteriormente, juntaram-se aos Viet Congs para lutar contra os Estados Unidos, na chamada a Segunda Guerra da Indochina.

William Colby: foi chefe da estação da CIA em Saigon, entre 1959 e 1962, quando passou a dirigir a Divisão do Extremo Oriente; de 1968 a 1971, dirigiu no Vietnã do Sul o “Programa Phoenix”, que visava a matar os militantes comunistas (Viet Congs). Calcula-se que cerca de 60 mil foram assassinados, mas, em suas memórias, ele indicou o número de 20.587. O Presidente Richard Nixon nomeou-o diretor da CIA, em 4 de setembro de 1973. Em depoimento perante o Comitê de Inquérito do Senado, dirigido pelo Senador Frank Church, em 1975, declarou que considerava “deplorable” e “wrong” certas atividades da CIA e as pretendeu parar.

O combate (em Dien Biên Phu) durou cerca de 55 dias e 55 noites, de 17 de março a 7 de maio de 1954. Os aviões B–52 dos Estados Unidos bombardearam incessantemente a área, lançando, inclusive, bombas de napalm para queimar a vegetação. Mas não conseguiram salvar os franceses. As forças do Viet Minh, demonstrando enorme espírito de sacrifício, determinação e vontade de vencer, contaram com o maciço respaldo da população e, apesar de imensas perdas, infligiram fulminante derrota aos batalhões e companhias do Corps Expéditionnaire.

A derrota na batalha de Dien Biên Phu, em que morreram 3.000 soldados franceses, 6.000 foram feridos e 10.000, aprisionados, levou a França à mesa das negociações, na conferência de Genebra (1954), onde teve de entregar o baluarte de Hanói e o grande porto de Haiphong, bem como todo o Norte do Vietnã, ao Viet Minh, dirigido por Ho Chi Minh, após uma campanha que lhe custou aproximadamente 170.000 baixas (um terço de mortos e desaparecidos) e cerca de US$ 5 bilhões.

Segundo o General Vo Nguyên Giap, em todas as frentes de batalha, cerca de 120 mil soldados franceses foram postos fora de ação e 177 aviões abatidos.

Os acordos lá celebrados, terminando a guerra, previam a realização de eleições em 1955 e a unificação da Indochina. Todas as potências ficaram satisfeitas com a sua elaboração, “except for the United States”, que mesmo antes do término da conferência já haviam enviado uma equipe de americanos, sob o comando do Coronel Edward Lansdale, que trabalhava na CIA, com a missão de promover operações secretas contra o Viet Minh.

Memorandum” de um “Special Committee on the Threat of Communism”, datado de 5 de abril de 1954, assinalara que a derrota do Viet Minh era essencial para deter o espraiamento da influência comunista no sudeste da Ásia, recomendando que a política dos Estados Unidos nada aceitasse, exceto a vitória na Indochina. E, em outro “memorandum” ao secretário de Defesa, Charles E. Wilson, intitulado “Studies with respect to possible U.S. action regarding Indochina” e datado de 26 de maio de 1954, o almirante Arthur W. Radford cogitara, inclusive, do emprego de “atomic weapons, whenever advantageous, as well as other weapons”, em uma ofensiva de operações aéreas, contra alvos militares selecionados na Indochina, assim como na China, Hainan e outras ilhas no litoral, usadas pelos comunistas em apoio às suas ações.

O governo de Eisenhower, segundo revelado por estudo do Pentágono, considerou os acordos de Genebra um “disaster” e decidiu aprovar ações para prevenir ulterior expansão do comunismo no Vietnã. Quis postergar as eleições, pois sabia que Ho Chi Minh as venceria, tornando-se Presidente do Vietnã unificado. E logo tratou de solapar os entendimentos alcançados em Genebra, não se juntando à declaração final, assinada pela França e o Viet Minh. O General Ngo Dinh Diem, em 8 de outubro, declarou que a partição do Vietnã, sobre o paralelo 17°, provavelmente seria prolongada indefinidamente, como na Coreia e na Alemanha. E, com o apoio dos Estados Unidos, cancelou as eleições, dando um golpe de Estado e implantando uma ditadura. Os assessores do U.S. Military Assistance Advisory Group (MAAG) chegaram a Saigon em 1° de junho e, desde que quase todas as tropas da França partiram do Vietnã, em fevereiro de 1955, passaram a formar e treinar o Exército da República do Vietnã, o Vietnã do Sul. E o secretário de Estado, John Foster Dulles, persuadiu a Grã-Bretanha, Austrália, Nova Zelândia, França, Tailândia, Paquistão e Filipinas a celebrar o Tratado de Manila, e formar a “Southeast Asian Treary Organization (SEATO)”, um pacto militar, para o qual atraíram o Vietnã do Sul mediante outro protocolo, cujo objetivo expresso era defendê-lo, bem como o Laos e o Camboja, contra os comunistas. O princípio da “doutrina asiática”, conforme a denominou o Senador J. William Fulbright, era o mesmo da Doutrina Monroe, ou seja, qualquer intrusão no sudeste da Ásia seria “dangerous to our peace and security”. A administração de Eisenhower estava a criar obrigações no sudeste da Ásia, orientando-se pela mesma concepção de Truman, segundo a qual a queda da Indochina em poder dos comunistas ameaçaria a segurança dos Estados Unidos. (…) Mas, em 1952, o Conselho de Segurança Nacional considerou que o domínio comunista do sudeste da Ásia, quaisquer que fossem os meios, ameaçaria seriamente, a curto prazo, e criticamente, a longo prazo, os interesses de segurança dos Estados Unidos. A segurança dos Estados Unidos abrangia, já então, todo o sistema capitalista. Ela significava segurança de seus interesses e privilégios, fontes de abastecimento e mercados, propriedades e capitais, que adquiriam empresas e concessões e/ou implantavam fábricas, nos mais diversos países. Onde quer que houvesse uma plataforma da Standard Oil, uma fábrica de Coca-Cola, uma fazenda da United Fruit, um frigorífico da Wilson & Sons, uma loja da Sears Roebuck, ou seja, uma instalação de qualquer corporação americana, no Oriente Médio ou na América Latina, na Europa ou na Ásia, ali estavam as fronteiras nacionais dos Estados Unidos. (BANDEIRA)

O último parágrafo do texto de Luiz Alberto Moniz Bandeira, professor, cientista político e historiador e especialista em relações internacionais, reporta-nos à indignação de nossa presidenta quanto à espionagem americana. A história, porém, mostra que o cenário e os personagens mudam mas, não necessariamente a política de um país que continua fiel e determinado em cumprir sua destinação histórica de ingerência nos assuntos internos de outras nações desde que isso sirva aos interesses de seus concidadãos.

Fontes:

BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. A Formação do Império Americano – Da Guerra Contra a Espanha À Guerra no Iraque – Editora Civilização Brasileira – Grupo Record, 2005.

IP 72–2 – O Combate de Resistência – Publicado no BRE 05/2002.

–  Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false

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Solicito publicação:

 

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com.br

1 Comentário

  1. O Muniz Bandeira e um historiador que respeito, a ainda que so li um livro de sua autoria, o Governo Joao Goulart, As lutas sociais no Brasil. eu nao utilizaria um texto seu, se fosse para comentar a obra de Giap. Razao muito simples ele e esquerdista, e muita gente sabe disso. Portanto o pessoal que rejeita o esquerdismo, nao vao ler o que Bandeira tenha falar sobre Giap. Pessoalmente se eu fosse o Coronel Hiram Reis e Silva eu citaria texto de autores militares de paises capitalistas que comentam Giap. Vem me na memoria um livro publicado pela BIBLEX nos meados de 1960, creio 1967, mas nao estou seguro, com o titulo Guerras Revolucionarias e Guerra Insurrreicionais, escrita por um oficial do exercito portugues. Nao mais recordo o nome do autor, nem o nome correto do livro, mas sei que comenta Giap.

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