Caso Ergenekon ameaça acentuar instabilidade política na Turquia

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Condenações em massa por plano golpista põem em evidência longa disputa entre seculares e islamistas. Justiça trata processo como resposta ao terrorismo, mas oposição vê tentativa de Erdogan de silenciar vozes críticas.

A condenação nesta segunda-feira (05/08) de grande parte dos quase 300 processados no caso Ergenekon – um plano golpista da década passada contra o premiê Recep Tayyip Erdogan – deixou em evidência a profunda divisão entre os defensores da secularidade e os que apoiam o islamismo político na Turquia. E ameaça agora acentuar a instabilidade no país, já abalado por semanas de protestos contra medidas do atual governo tidas como autoritárias.

O processo é considerado o mais polêmico da história da Justiça da Turquia. Já durava cinco anos e tinha no banco dos réus políticos, jornalistas, executivos, advogados e, sobretudo, ex-chefes militares. Todos eram acusados de fazer parte da Ergenekon – uma suposta rede golpista que carrega o nome da um vilarejo mitológica turco e que foi classificada como terrorista pelo tribunal que a julgou.

A Ergenekon faria parte do Estado Profundo, uma suposta aliança secreta formada fundamentalmente por militares e membros das forças de segurança à qual se atribuem assassinatos e atentados contra a elite política e cultural da Turquia. O Estado Profundo existiria há mais de 50 anos e atuaria sob convicção de que seus membros são os defensores do legado do fundador da Turquia moderna, Mustafá Kemal Atatürk.

Provas contestáveis

Tentativas de golpes não são novidade na Turquia. Só entre os anos 1960 e 1970 foram três, promovidos por militares seculares. Outra, em 1997, conseguiu derrubar do poder o primeiro governo liderado por islamistas na Turquia.

No entanto, o argumento do governo de que a Ergenekon faz realmente parte do Estado Profundo já perdeu credibilidade na Turquia. Muitos acreditam que, na verdade, integrantes do governo estariam envolvidos em alguns dos assassinatos que atribuídos à chamada rede terrorista.

O processo durou meia década e é controverso, principalmente devido às longas prisões preventivas dos réus e às polêmicas provas apresentadas pelo Ministério Público. Críticos acusam o governo de Erdogan de utilizar o julgamento como uma caça às bruxas a opositores políticos.

“Nós mostramos uma postura sólida e corajosa para libertar o nosso país e povo do incomodo de grupos e máfias”, rebateu Erdogan, na semana passada. “Nós decidimos lutar contra grupos ilegais.”

Entre as dezenas de condenados nesta segunda-feira, estão o general Ilker Basbug, ex-chefe das Forças Armadas, que foi sentenciado à prisão perpétua. Pelo menos outros dez militares também receberam a pena máxima.

O julgamento foi realizado na prisão de Silivri, 70 quilômetros a oeste de Istambul. Todas as estradas ao redor da corte foram isoladas, o que impediu a aproximação de centenas de ônibus com manifestantes. Nas últimas semanas, artistas e intelectuais usaram comerciais para convocar os protestos, chamando os réus de “heróis, pais e mães”.

Em março de 2011, o jornalista investigativo Nedim Sener foi preso por um ano junto com outros críticos do governo, acusados de pertencer à rede Ergenekon.

“As provas contra nós eram apenas livros que escrevíamos e ajudávamos a escrever. O verdadeiro motivo da minha prisão foram as pesquisas que estava fazendo sobre a morte de Hrant Dink e os livros que escrevi sobre ele”, contou Sener à Deutsche Welle, em referência ao repórter armênio Hrant Dink, morto à luz do dia em 2007. “Os policiais envolvidos no assassinato de Dink são os mesmos que conduziram as investigações do processo da Ergenekon.”

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“Caça às bruxas

Além do assassinato de Dink, Sener também chamou a atenção para a morte do padre católico Don Santoro, baleado dentro de sua própria igreja.

“Os assassinos, os vigias e os planejadores envolvidos nesse assassinato são todos funcionários do governo. Eles são integrantes da política”, afirma o jornalista.

Segundo ele, o Estado Profundo está em outras mãos agora. “A violência contra os manifestantes do parque Gezi revela como nosso Estado pensa. Quando alguém atira em nome do Estado, não acontece nada”, diz Sener.

Para o jornalista, o caso Ergenekon não será lembrado como o desmantelamento do Estado Profundo e das tentativas de golpe, mas como um caso no qual “a oposição foi eliminada”. Sener afirma que muitas questões não foram respondidas, e que as provas de acusação são obscuras.

Hüseyin Ersöz, advogado de defesa do jornalista Tuncay Özkan e do advogado e ex-oficial das Forças Aramadas Mustafa Levent Göktas, também acredita que o processo tem objetivos políticos. Ele contesta as provas usadas pela acusação.

“São documentos sem assinaturas, não é possível classificá-los”, afirma Ersöz. Mustafa Levent Göktas, por exemplo, é acusado com base em um CD que teria sido encontrado no seu escritório. “Novamente um material digital, que quebrou quando estava sob custódia da polícia. Göktas é acusado por um CD que não existe mais. Além disso, ele afirma que o CD não pertencia a ele.”

O processo Ergenekon, afirma Ersöz, foi chamado no começo de ajuste de contas com o Estado Profundo. “No entanto, a ação judicial mostrou que o governo envolveu a oposição no processo, como uma caça às bruxas. Há um Estado profundo com quem devem ser acertadas as contas. Foi esse Estado profundo que cometeu os assassinatos não esclarecidos. Mas os acusados não têm relação com essas mortes”, critica o advogado.

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Fonte: DW.DE