“Por essas e outras, a “Inteligência” é, provavelmente, por suas peculiaridades e dificuldades, a menos compreendida e a mais mal retratada das profissões.
O ex-presidente John Kennedy dizia o seguinte sobre esta atividade: “Seus êxitos não são proclamados, seus insucessos são apregoados.
Por motivos óbvios, não se pode falar das operações que correm bem. As que correm mal geralmente falam por si”. ”
Brasil foi surpreendido por não fazer o óbvio
Por Paulo Rinaldo Fonseca Franco (*)
Serviços de Inteligência do mundo inteiro se utilizam de fontes de sinais, imagens e humanas para coletar e buscar dados, estratégicos ou não. Vale salientar que a “Inteligência” vem desde os primór-dios. Inclusive no Antigo Testamento consta uma ordem dada por Moisés aos seus espias que dizia: “Subi ao Neguev e penetrai nas montanhas. Vede a terra, que tal é, e o povo que nela habita; se forte ou fraco. E qual a terra em que se habita; se boa ou má; e que tais as cidades em que habita; se em arraiais, se em fortalezas. (Números 13:17-20)”
É claro que utilizar-se do espectro para interceptar comunicações e/ou dados de outrem é crime, mas pergunto: qual país desenvolvido não utiliza este recurso “ilegal”? É uma hipocrisia imaginar que isto não acontece. A verdade é que os americanos grampeiam e continuarão grampeando, assim como fazem os franceses, ingleses, alemães, russos e, principalmente, os chineses. Este processo é irreversível É sempre bom lembrar que o americano foi atacado por terroristas que assassinaram cerca de três mil pessoas justamente por falha no seu serviço de Inteligência (os “grampos” falharam), que não detectou a tempo o atentado às Torres Gêmeas, em 2001.
Não afirmo que um erro justifica o outro, pelo contrário, apenas que todos, de certa forma, se utilizam de recursos deste tipo para obterem o “dado negado”. A própria imprensa, em algumas matérias investigativas, às vezes utiliza recursos que alguns consideram ilegais, para obter dados ou furos de reportagens.
Sobre este tema, o governo brasileiro poderia aproveitar estas reportagens elucidativas do GLOBO para repensar; avaliar e, se for p caso, investir mais na profissionalização do sistema de Inteligência, principalmente no que diz respeito ao seus aspectos tecnológicos, para que possa no futuro ao menos tentar neutralizar através da contrainteligência ataques invasivos aos sistemas de dados brasileiro, sejam eles estratégicos ou comerciais. O que se observa é que, diante deste escândalo, o Brasil foi surpreendido por não fazer nem o básico, e nem poderia, pois nem satélite próprio tem.
Por essas e outras, a “Inteligência” é, provavelmente, por suas peculiaridades e dificuldades, a menos compreendida e a mais mal retratada das profissões. O ex-presidente John Kennedy dizia o seguinte sobre esta atividade: “Seus êxitos não são proclamados, seus insucessos são apregoados. Por motivos óbvios, não se pode falar das operações que correm bem. As que correm mal geralmente falam por si” E foi justamente o que ocorreu desta vez no governo Obama, esta operação de Inteligência correu mal.
(*) Paulo Rinaldo Fonseca Franco é Coronel da Reserva do Exército Brasileiro e trabalhou por quatro anos para a ABIN
Leia também:
EDITORIAL DE O GLOBO, SEXTA-FEIRA, 12/07/2013:
REALISMO E BRAVATAS NA BLINDAGEM DA INTERNET
Enquanto se esgota a fase de demonstrações políticas e diplomáticas de repúdio à ação da malha de espionagem eletrônica americana sobre o Brasil, revelada pelo GLOBO, entra-se na fase de discussões sobre medidas objetivas de defesa contra a atuação bisbilhoteira da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA) e todas as outras.
O ministro da Defesa, Celso Amorim, defendeu quarta-feira no Congresso a necessidade de se investir em “tecnologia nacional” de segurança de informações. Por sua vez, o presidente da estatal ressuscitada Telebras, Caio Bonilha, garantiu, em entrevista, que as redes do governo são totalmente seguras, e que, para garantir o sigilo, são usados equipamentos “tecnológicos fabricados no Brasil.”
Balela, pois, ao se conectar à rede mundial de computadores, como ele próprio admitiu, governo, empresas e brasileiros podem ser espionados. E não apenas por estrangeiros. Daqui a pouco, será proposta a criação da estatal “Servidobras”, para armazenar com “segurança” os dados gerados na internet no Brasil. Delírio.
É fato que a cibersegurança constitui aspecto estratégico na órbita governamental, nas empresas e com impacto direto sobre as pessoas. Autoridades conscienciosas admitem a vulnerabilidade da rede do governo. Não se sabe que “tecnologia nacional” seria esta para proteger o tráfego de dados do setor público. Há aqui o risco de mais uma vez, como já ocorreu na informática durante a ditadura militar, tentar-se reinventar a roda, com grandes prejuízos para o Erário.
É preciso ser realista, e não empulhar — mesmo que possa interessar a maquiavéis de Brasília estender ao máximo o assunto para dividir as atenções da opinião pública com a crise política do governo Dilma.
Forças Armadas, o Estado como um todo, corporações e cidadãos precisam ter meios de proteger o sigilo de dados. Sendo a parte mais frágil o brasileiro comum, sobre o qual pairam vários sistemas de vigilância invasivos, como o da Receita, nem sempre usados conforme estabelece a Constituição.
Há muito o que fazer. Por exemplo: aprovar o Marco Civil da Internet, atuar nos fóruns multilaterais numa pressão constante pela transparência no manejo de bancos de dados pelos Estados, tornar juízes, promotores, procuradores e agentes policiais capazes de zelar pela privacidade da população e instituições no mundo digital.
São ações nada estrondosas, porém as mais eficientes no tratamento deste assunto. E sempre numa abordagem global, porque, sem que haja uma atuação multinacional contra os abusos no atropelamento dos direitos civis na internet, de pouco adiantará qualquer maior esforço.
Assim como há tratados de extradição para impedir a impunidade de criminosos fugitivos, algo semelhante terá de haver no universo digital. Bem como no plano da relação da sociedade com as corporações, estatais ou não.
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