O’Neill: “Os quatro países BRIC estão a caminho de se tornarem maiores do que o G7 por volta de 2035”
O homem que concebeu a ideia dos BRICS desfaz estereótipos e ideias preconcebidas e faz previsões sobre os países do grupo.
Jim O’Neill – o homem que cunhou o acrônimo BRIC, e a brilhante ideia por trás dele –adverte seus colegas (investidores e economistas) para o fato de que, se recorrermos a estereótipos ao avaliar o novo mundo não ocidental, esta escolha virá carregada de perigos.
BRICS Business Magazine: Por que não gosta do termo “mercados emergentes”? É incorreto hoje?
Jim O’Neill: Acho que precisamos estabelecer uma distinção entre alguns países que, embora com um baixo PIB per capita, são tão grandes em termos do PIB total que se os chamarmos de mercados emergentes tradicionais estaremos minimizando sua influência econômica no mundo. Nesse aspecto, acredito que qualquer economia emergente que já represente mais de 1% do PIB global não deveria ser considerada uma economia emergente tradicional. Atualmente, existem oito países nessa categoria: cada uma das nações do BRIC, mais a Coreia, o México, a Indonésia e a Turquia – quatro do nosso chamado grupo dos “Próximos Onze”. Estes oito países coletivamente representam 25% do PIB global, portanto são da mesma grandeza, se não ligeiramente maiores, do que os Estados Unidos, e por isso vêm exercendo coletivamente um impacto maior sobre os Estados Unidos. Observe que a África do Sul não está próxima disso, representando apenas cerca de ½% do PIB mundial. Nas próximas décadas, um número de outras grandes e populosas economias emergentes deverá transpor o limiar de 1% do PIB global, especialmente a maioria dos outros chamados “Próximos Onze”, como eu os denominei, e possivelmente um punhado fora daquele grupo, incluindo Polônia, Argentina, África do Sul, Tailândia e Malásia.
BBM: Aqueles que se mostram céticos em relação ao mundo em desenvolvimento explicam que o principal problema destes países era, é e será uma incapacidade de manter o crescimento. E não há como rechaçar esse argumento?
JO’N: Considero essa visão muito preconceituosa, ocidentaloide e retrógrada. Só a China em 2011 criou o equivalente econômico a outra Grécia a cada doze e meia semanas, ou quase outra Espanha justamente naquele ano! O PIB em dólares dos quatro países do BRIC cresceu 2,26 trilhões, mais do que oPIB da Itália! Nesta década, mesmo com um crescimento do PIB total mais suave da China e do BRIC, o mundo crescerá cerca de 4%. A China sozinha nesta década contribuirá tanto para a economia mundial quanto os Estados Unidos e a Europa somados, algo em torno de $8 trilhões em termos reais, que representará provavelmente entre $10 e $15 trilhões em termos nominais. Posso entender que muitos observadores achem difícil compreender isso, especialmente aqueles da minha geração, pois fomos acostumados a um mundo em que os Estados Unidos eram economicamente dominantes para todos nós, e, naturalmente, não se trata de uma democracia com nossos valores ocidentais, em que foram criados para acreditar nestes valores. É um problema ainda maior entender a Rússia. Mas as pessoas nestas sociedades se mostram, de uma maneira ampla, felizes com seu estilo de liderança, enquanto ele lhes ofereça crescimento acelerado e, especialmente, riqueza.
Dito isso, a taxa de crescimento das nações do BRIC irá desacelerar nesta década, pois elas não conseguirão manter as taxas de crescimento da década anterior, mas quem esperava que continuassem crescendo provavelmente não refletiu muito a fundo nestas questões. Mesmo com um crescimento mais suave, seu impacto sobre o mundo está aumentando, e o crescimento mundial será maior nesta década em consequência disso, possivelmente elevando-se em cerca de 4,1%, comparado aos 3,4% dos últimos 30 anos. Por volta de 2050, cada um dos países do BRIC, especialmente a Rússia, estará apto a ser tão rico quanto a maioria das economias do G7, e o Brasil não ficará muito atrás. A China e a Índia terão de esperar um pouco mais, simplesmente porque cada uma delas tem mais de UM bilhão de habitantes.
BBM: O mundo espera a transição da quantidade para a qualidade na China. Mas por que 2013 é tão importante neste processo?
JO’N: Porque será o primeiro ano pleno em que provavelmente teremos provas de que isso acontecerá com o consumo privado liderando a força da economia. Assim como para a maioria das outras economias reagir e ajustar-se aos desafios da recessão global de 2008-2009 exigiu muito, e também para a China, que antes da crise tinha uma economia muito mobilizada pelas exportações e precisava ajustar o seu modelo, agora precisamos começar a ver outros resultados, caso contrário ela lutará para crescer segundo o nível que sua economia necessita para atender a suas aspirações, e/ou permaneceria altamente vulnerável às influências do resto do mundo.Muitas vezes eu reflito sobre os anos de 2008 e 2009 e penso que, de certa forma, foi talvez útil forçar os dirigentes chineses a se darem conta de que seu modelo de exportações baratas e de baixo custo não era sustentável e que seu próprio destino dependia de sua própria economia. Em 2009-2010 a economia teve uma brusca recuperação, mas isso se deveu principalmente a aumentos maciços de investimentos estatais, que criaram seu próprio pacote de questões, incluindo maior dano ambiental e uso excessivo de recursos, o que por sua vez contribuiu para uma desigualdade crescente.O último Plano Quinquenal, o 12.º, lançado há 18 meses, reconheceu todos esses dilemas e assumiu um novo compromisso de uma melhor “qualidade” de crescimento em que o consumo desempenhava um papel maior no crescimento. Existem alguns indícios de que isso começa a acontecer, mas não podemos ficar realmente confiantes sobre essa transformação antes de 2013.
BBM: Sente-se otimista em relação a todos os cinco países do BRICS? Uma porção de ‘sábios’ da economia costumava criticar Brasil, Rússia, Índia e África do Sul e só elogiar a China, que agora se torna menos interessante para eles por causa da prevista desaceleração.
JO’N: Cada um dos países do BRICS tem seus próprios desafios, e, embora eu seja otimista em relação à maioria deles, precisamos lembrar que seu progresso nunca será uma linha reta. Para o ano de 2013, espero que todos os cinco surpreendam positivamente. Para a década como um todo, acho que a China e a Rússia se darão facilmente bem, mas estou um pouco preocupado com Brasil, Índia e África do Sul. Todos eles precisam de mais reformas para se sair tão bem quanto na década passada. A África do Sul tem muita sorte de ser encarada com o mesmo status do que o resto, considerando que é tão pequena, e precisa começar a fazer coisas para mudar sua perspectiva e justificar sua posição.Li com frequência, para irritação dos dirigentes sul-africanos, que é economicamente difícil justificar a inclusão da África do Sul, por ser muito menor do que os outros países do BRIC. Tem cerca de 1/5 do tamanho da Índia ou da Rússia, e existem muitas outras economias emergentes tão credenciadas quanto ela, se não mais credenciadas. Isso incluiria qualquer das Coreias, Indonésia, Turquia, México e até a Polônia e a Colômbia.
Claro, a África do Sul foi provavelmente incluída devido a seus laços comerciais históricos com alguns dos países do BRIC, seu papel associado como importante produtora de bens de consumo e o fato de que é a mais desenvolvida entre as economias africanas abaixo do Saara. Nesse aspecto, alguns a consideram uma espécie de portão de entrada para o resto da África Meridional, mas não se trata de algo que a África do Sul possa ter como certo, na medida em que outras economias africanas de grande população podem contestar isso. Por isso, a África do Sul precisa fazer mais para garantir essa posição, em termos do seu desempenho econômico doméstico e de sua liderança internacional.
Voltando à discussão de todas as economias do BRICS, a China é aquela que mostra a evidência positiva mais clara de que está se ajustando aos desafios ao redor do mundo e crescendo no ritmo que previmos para esta década. Na verdade, está atualmente crescendo mais do que tínhamos previsto, embora tenha “desacelerado”. Peculiarmente, a Rússia – em geral a menos apreciada – também está crescendo segundo nossas expectativas para a década. Tanto a Índia como o Brasil lutaram com dificuldades em 2012 e precisam fazer mais em termos de reformas na área de oferta, especialmente talvez a Índia, a fim de alcançarem as metas que previmos para os dois.
BBM: Os observadores geralmente citam Indonésia, Nigéria, Filipinas e Sri Lanka como exemplos de novos mercados de alto crescimento. Vê algo notável além deste grupo, bem como dos Próximos Onze ou do MIST, formado por México, Indonésia, Coreia do Sul e Turquia? Poderá algum país em desenvolvimento superar a maldição do crescimento moderado na próxima década?
JO’N: Estou empolgado com a maioria dos países do grupo dos Próximos Onze. Vejo alguns sinais muito encorajadores em alguns deles. Tenho um entusiasmo especial por Filipinas, Indonésia, Turquia, Nigéria e México e acho que algumas mudanças interessantes estão acontecendo no Egito. Claro, a Coreia é tão forte e é um país dos Próximos Onze, mas na realidade deveríamos tratá-la como um equivalente a um dos países mais desenvolvidos, já que seu PIB per capita está agora perto daquele de um país do G7. Eu considero que a Coreia do Sul é o país de grande população mais interessante no meu tempo de vida, porque ela se transformou para se tornar um país de renda relativamente alta a partir de um país que tinha uma renda de muitos países africanos há 40 anos. Essa é uma conquista excepcional, e frequentemente digo a muitos dirigentes de outras economias emergentes de grande população que elas deveriam estudar cuidadosamente a Coreia e ver o que podem aprender com ela. A força de sua educação e seu uso da tecnologia parecem ser os dois trunfos em particular que outros poderiam imitar ou buscar na luta por seu próprio progresso.
BBM: Quanto tempo levará até que os países do BRICS transitem para o statusde mercado desenvolvido? De 15 a 20 anos não serão suficientes?
JO’N: No caso do Brasil e da Rússia, talvez de 25 a 50 anos sejam o suficiente, considerando que já possuem riqueza em torno de 15 mil dólares per capita. Por volta de 2050, cada um destes países, especialmente a Rússia, poderá muito bem ser tão rico quanto a maioria das economias do G7, e o Brasil não estará muito atrás. A China e a Índia levarão bem mais tempo, simplesmente porque cada uma delas tem mais de um bilhão de habitantes. Por isso, embora possam liderar a economia mundial, ainda assim não alcançarão um status desenvolvido nos próximos 20 anos! Esta singularidade fará do mundo um lugar muito peculiar, ou pelo menos para os líderes intelectuais do Ocidente, já que estão acostumados a pensar na maior economia, isto é, os Estados Unidos, como sendo também a mais rica, o que não será definitivamente o caso em 2050. Trata-se até certo ponto de um estado de espírito, uma vez que os Estados Unidos não são o país mais rico do mundo: países menos populosos como Luxemburgo e Suíça desfrutam essa posição há muitos anos.
BBM: É possível que algum deles regrida nas atuais condições econômicas e políticas?
JO’N: A Índia não teve muito progresso em seu desenvolvimento desde que o conceito do BRIC surgiu há onze anos, mas também não chegou realmente a regredir. Os outros todos demonstraram progresso acentuado, em diferentes graus, mas é claro que poderiam regredir facilmente se seus líderes políticos escolhessem tomar opções erradas.
BBM: Nosso futuro é geralmente descrito por expressões diretas como “nova ordem econômica” ou “mundo pós-ocidental”. Como vê estas simplificações?
JO’N: Acho extremamente difícil categorizar o mundo nestes nichos e caixinhas bem compartimentadas. Como eu disse, por volta de 2050, as maiores economias do mundo não serão certamente as mais ricas. Os quatro países do BRIC estão de fato a caminho de se tornarem maiores do que o G7 por volta de 2035, mas, com a possível exceção da Rússia, nenhum deles vai estar perto de ser tão rico quanto o G7. A China já se terá tornado maior do que os Estados Unidos alguns anos antes disso, talvez em 2025-27, mas sua riqueza será pelo menos quatro vezes menor, o que representa uma importante diferença material.Isto significa, em termos de governo global, que vamos enfrentar imensos desafios para construir um sistema pacífico e útil de liderança global em que os maiores se deem conta do seu comprometimento global, apesar de serem muito menos ricos do que os outros. Não será uma tarefa fácil, pois implicará em reverter muitas das formas de governo global pós-Segunda Guerra Mundial.
Sou convidado com frequência a visitar países do BRIC, e ganho uma recepção fabulosa deles. Ocasionalmente, eu os provoco e digo que precisam realmente fazer coisas para que se tornem grandes e bem-sucedidos conforme sugerimos e não apenas SE ACOMODEM!
BBM: Qual é a sua experiência pessoal – não como economista, nem como investidor – em relação aos países BRICS?
JO’N: Como disse, sou convidado com frequência a visitar os países BRICS, e me recebem fabulosamente bem. Isso vale especialmente para o Brasil e a Rússia, onde geralmente sou tratado com um calor particular, uma vez que parecem pensar que a minha criação do acrônimo BRIC literalmente deu aos seus países o reconhecimento que ajudou a mudar sua posição no mundo.
Em termos de viagem, gosto de passear, e especialmente nestes países, onde posso ouvir histórias sobre seu assombroso desenvolvimento. Como a maioria das pessoas, é difícil não encarar o Brasil como particularmente especial, considerando a diversidade do seu povo e a abertura decorrente disso. Às vezes penso que os brasileiros têm uma vantagem neste mundo complexo por terem uma mente tão aberta e por estarem acostumados a lidar com pessoas de diferentes cores e origens, o que não ocorre com a maioria de nós, sejamos do BRIC ou não.
E, naturalmente, eles amam o futebol, pelo qual eu sou obcecado! Estou tentando organizar minha vida para que possa estar no Brasil atendendo a “negócios urgentes” durante quatro semanas do nosso verão em 2014. Adoro visitar todos os países do BRICS, como disse. São Petersburgo, no verão para as “noites brancas”, é algo muito especial, e uma visita ocasional a Moscou é sempre interessante. Adoraria também, um dia, viajar de trem para o leste em direção de suas fronteiras com o Japão e a China. Não viajei longamente pela Índia, mas adoro ir a Mumbai, sob muitos aspectos a cidade mais louca e interessante que conheço, e uma experiência e tanto. Adoraria viajar mais pela China em seus trens. Talvez um dia eu convença Michael Palin a me acompanhar numa “viagem de trem através dos países do BRIC”.
BBM: Sente-se confortável numa estada mais longa nestes países?
JO’N: Seria facilmente capaz de ficar no Rio por muito tempo! Também me sentiria feliz caminhando nas montanhas mais baixas do Himalaia, na Índia, por muito tempo! Não estou seguro de que o resto do BRIC me atrairia para longe do Reino Unido e dos jogos do Manchester United!
BBM: Para muitos europeus e americanos, que estão acostumados à ideia de que dentro de poucas décadas a economia mundial será dominada por países diferentes, o futuro ainda parece bastante abstrato. Se em 2013 você tivesse de explicar a estudantes de sua cidade natal de Manchester o mundo em que eles estarão vivendo em 2030, o que diria a eles?
JO’N: É muito interessante você fazer estas duas perguntas juntas, já que hoje falo frequentemente a estudantes, embora não apenas de Manchester. Muitos deles parecem menos assustadosdo que pessoas da minha geração diante do futuro possível. Na verdade, o entusiasmo deles em me receber é tão transparente que me afeta,e muitas vezes deixo um campus de estudantes – seja uma escola ou uma universidade – com um passo reavivado, e penso em todos os lados positivos da humanidade quando vejo sua reação e ouço suas perguntas.A maioria deles presumivelmente vê tal mundo como uma grande oportunidade. É bem diferente em comparação a pessoas da minha geração, que tendem a ser mais acomodadas e a ver a ascensão da China e da Índia e de outras economias que crescem no mercado como algum tipo de ameaça e desafio a nós, e a eles pessoalmente. É compreensível, suponho, porque quando a gente envelhece é mais difícil se adaptar à mudança, mas eu prefiro a reação dos estudantes!
Acho que a outra coisa que não posso resistir a dizer é que, se os estudantes de Manchester também são torcedores do Manchester United, então eles já sabem que o Manchester United é, talvez,o mais procurado “conteúdo”nos países BRIC, pois a popularidade do time no mundo inteiro não tem limites, algo que observo quando viajo pelo planeta e pelo entusiasmo que percebo ao dizer que sou de Manchester!
os brincs ,não sera apenas uma união econômica e sim futuramente uma união militar e de poder estratégico, e haverá entrada de outros países no bloco
O Brasil precisa investir em educação,investir em educação é investir em tecnologia e no futuro,devemos nos espelhar no exemplo da Coréia do Sul, e por último devemos lembrar do ”CICLO DA BORRACHA” e nos muitos ciclos já vividos por nós para termos a certeza que uma economia baseada em commodites tende a fracassar a qualquer momento !
ótima entrevista.
Manchester… City.