Conflito sírio servirá de cartilha para futuros diplomatas

sirya

Fiódor Lukianov

Há crises internacionais que servem como aprendizagem para aqueles que estudam diplomacia e relações internacionais. A Síria pertence a essa categoria. Especialmente agora, quando todos estão falando sobre a iminente conferência da paz.

Existe uma lei simples: se você quer a paz, prepare-se para a guerra. E eis que a expectativa de uma hipotética mesa-redonda, que teoricamente reuniria todas as partes envolvidas e decidiria o futuro, foi abafada pelo trovejar das armas de todos os lugares.

A União Europeia decidiu não continuar com o embargo de armas à Síria, embora somente o Reino Unido e a França se apresentassem ativamente a favor do levantamento das restrições e os outros países demonstrassem dúvidas quanto à viabilidade da imersão profunda em uma guerra civil.

Existe uma razão política para disponibilizar ajuda à oposição. As declarações em si indicam que a aposta na força permanece entre as opções reais. Em outras palavras, em vez de acordo, haverá uma guerra até a conquista da vitória.

A Rússia tem literalmente seguido essa mesma lógica, pois não confirma nem nega o fornecimento para Damasco dos S-300 e de outras armas avançadas.

No entanto, o efeito também pode ser contrário. Por enquanto fica a impressão de que cada parte da oposição faz uma dedução do jogo diplomático dos principais países. Aconteça o que acontecer, eles não serão abandonados nem traídos, portanto, vale a pena continuar a se opor. E tanto Bashar al-Assad quanto os seus adversários entendem que os patronos externos — a Rússia e o Ocidente, respectivamente — não podem deixar de apoiar os seus vizinhos sem grandes perdas para a imagem.

Afinal de contas, tanto para Moscou quanto para Washington, o que está sendo resolvido na Síria é uma questão de princípio. A Rússia defende os governantes seculares (independente do grau de tirania) e a não interferência externa. Enquanto isto, no Ocidente, as pessoas defendem freneticamente os esquemas ideológicos pelos quais existe o “povo amotinado” e o “tirano sanguinário”.

As conferências de paz do passado, incluindo a de Yalta e de Potsdam, dividiam o mundo. Nos tempos modernos, havia certa semelhança com a conferência de paz envolvendo os Balcãs — o Tratado de Dayton, em 1995, para a Bósnia, e a crise do Kosovo, em 1999. A lembrança da experiência vinda de ambas as conferências é bastante útil, uma vez que elas delineiam dois cenários bastante plausíveis para a Síria.

Dayton é um cenário positivo. Na época, os atores externos sentaram os beligerantes à mesa e forçaram um modelo de organização para a Bósnia e Herzegovina. É mais ou menos isso que os otimistas têm em mente quando acreditam na possibilidade de sucesso da chamada “Genebra 2” para a questão síria.

Para os pessimistas, é hora de recordar o início de fevereiro de 1999, quando a conferência para chegar a uma solução pacífica para o conflito de Kosovo, em Rambouillet, resultou no endurecimento mútuo.

Não é possível se criar uma analogia direta com a Síria, pois há uma infinidade de detalhes específicos na questão atual. Porém, o cenário de uma escalada rápida da violência, se não houver um avanço na conferência, é bastante realista.

De qualquer modo, há uma diferença fundamental entre a situação síria e tudo o que houve no passado. Seja iniciando um processo de paz ou interferindo nos conflitos locais, os principais países envolvidos na história têm incessantemente perseguido seu interesse próprio. Mesmo assim, é difícil dimensionar no que consiste o interesse direto e concreto pela Síria dos Estados Unidos, Europa e Rússia, além das questões de status mencionadas acima.

O aumento da influência sobre o Oriente Médio é uma ideia próxima à utopia.

Enquanto isso, os países vizinhos, do Irã a Arábia Saudita e o Qatar, mantêm-se em silêncio sobre a conferência. Por sinal, em última instância é deles que depende a possibilidade de um acordo entre as partes em conflito.

Antes, os grandes jogos entre os países eram firmemente entrelaçados com as pequenas intrigas dos personagens locais, permanecendo em destaque em relação aos últimos. Agora está tudo ao contrário. Os processos “locais” têm sua própria lógica, e a participação dos “gigantes” acontece em um plano paralelo. Para os historiadores do futuro, o conflito da Síria será um poço inesgotável a ser explorado. Para os diplomatas de hoje, trata-se de um problema quase insuperável.


Fiódor Lukianov
 é analista do Conselho para Política Externa e Defesa em Moscou.

 

Fonte: Gazeta Russa