DEDICAR-SE A UMA CAUSA É VOCAÇÃO DE QUEM QUER MUDAR A REALIDADE

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Eles deixam o conforto de suas casas, passam semanas sem ver familiares e amigos e se arriscam em lugares inóspitos. Tudo para lutar por uma causa. Quem são essas pessoas e o que as motiva a largar tudo por um mundo melhor?

Segundo Márcio Selva, coordenador de voluntários do Greenpeace, há algo em comum entre todos os voluntários: a visão crítica. “Tanto um ambientalista quanto uma pessoa que doa sopa para moradores de rua sabem que há um problema que deve ser resolvido. Eles não ficam confortáveis com uma injustiça”, afirma.

No caso do Greenpeace, segundo ele, o perfil de voluntários varia: há os mais velhos, com formação superior e já bem estabelecidos na vida, que tentavam estimular mudanças ambientais na empresa e encontram na ONG uma maneira de serem ouvidos, e também os jovens em busca de identidade.

“Tem o adolescente que começa a ver que as coisas não são como o jornal conta e tem vontade de agir e de encontrar pessoas que pensam como ele. A motivação é a busca de identidade que reflita a visão de mundo que ele está formando”, diz Selva. E todos só atuam porque acreditam que algo pode ser alcançado, independentemente de crenças e religiões. “Tem desde o super-religioso até o super festeiro. O que nos une é a ideia”, diz.

A fé de que algo poderá ser mudado é comum a todos que se dedicam a uma causa, segundo Aline Gomes Rosa, gerente de projetos sociais da Cruz Vermelha Brasileira. A equipe de socorro e desastre é formada por jovens na faixa dos 25 anos que têm como ideal “fazer a diferença”. Segundo ela, muitas pessoas já realizaram trabalho voluntario e têm uma grande motivação de fazer o bem, por isso procuram a ONG –que, no Brasil, trabalha com socorro em situações de enchente, incêndio e deslizamento, promovendo doações e atendimento pré-hospitalar.

“Eles se identificam com a ajuda humanitária. Hoje, temos uma equipe formada e organizada por voluntários, que desenvolvem atividades em campo, administrativas e treinamentos”, afirma Aline. Para garantir que o voluntário se comprometa com a instituição, é feito um termo de adesão com duração de um ano, com funções e carga horárias que devem ser cumpridas. O termo pode ser rescindido. “Nossas atividades são dividas por grupos, como triagem de doações, logística e incentivo a doação de sangue. Cada um atua de acordo com seu perfil e na área de sua preferência”, conta.

É comum que voluntários também sejam engajados em outras atividades em prol da sociedade, segundo Wendell Estol, diretor-geral da organização de proteção da vida marítima ISSB (Instituto Sea Shepherd Brasil), que atua no país com educação ambiental, monitoramento e fiscalização contra a pesca predatória. “A maioria dos nossos voluntários atua, também, na área social e pedagógica”, diz.

Segundo ele, a maioria das pessoas que atua no ISSB têm nível superior ou são pós-graduados, tem mais de 30 anos e vida financeira estável. As profissões variam e a instituição direciona os profissionais de acordo com suas experiências, mas ninguém fica limitado a apenas uma atividade, se assim desejar. “Nosso diretor regional do Rio de Janeiro é um advogado, mas também faz mergulho, limpeza de fundo marinho, fiscalização. Poder ter experiências fora do que fazemos no dia a dia atrai as pessoas”, afirma.

Ter um histórico com desenvolvimento de trabalhos voluntários ou de caráter humanitário também é comum na organização Médicos sem Fronteiras no Brasil, segundo a recrutadora Vanessa Cardoso. São recrutados apenas médicos de algumas especialidades, como infectologistas, cirurgiões, anestesistas e pediatras, além da equipe paramédica e administrativa, e todos os profissionais que saem do país em missão são remunerados (o valor pode variar entre 700 e 1040 euros para quem vai trabalhar pela primeira vez, além de ajuda de custo e despesas).

Os locais que são mais atendidos pelos Médicos Sem Fronteiras estão no continente africano, onde há maiores índices de epidemia, fome, desnutrição e violência. Mas Ásia, Oriente Médio e América Central também são alvos da ajuda humanitária. O perfil atraente para a organização é de alguém com adaptabilidade, sociabilidade e flexibilidade. É dada preferência para candidatos com disponibilidade para ficar ao menos 12 meses em campo, mas é possível passar seis meses em um projeto, voltar, rever os amigos e depois retornar ao país de trabalho. A maioria dos médicos está na faixa dos 30 anos, pois é exigido ao menos dois anos de experiência profissional, além da residência.

Esperança e desejo de liberdade

O médico Paulo Reis, de 41 anos, já esteve em mais de dez missões com a Médicos sem Fronteiras. Entre elas, Serra Leoa, Indonésia, Libéria, Colômbia, Somália, Paquistão, Sudão, Sudão do Sul, Afeganistão, Líbia e Uganda. Já passou meses em missões em casas confortáveis, mas também meses em tendas. “O que nos motiva é o resultado, é ver que dá certo. Tenho uma visão realista, sei que não vou mudar o mundo”, diz ele. “Há uma vontade de liberdade também. Se fosse só vontade de fazer coisa útil você pode fazer em qualquer lugar, numa área em que acha que tem capacidade de fazer”, diz.

Segundo Selva, do Greenpeace, é comum que muitas pessoas cheguem a uma idade e percebam que querem fazer mais pelo mundo do que simplesmente ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa. “Muita gente acaba procurando a gente para sair da mesmice e agir. Há aposentados que queriam atuar a vida inteira, mas não tiveram tempo”, afirma.

“Acho que temos duas motivações: a maior é o sonho, a esperança de que a gente consiga mudar as coisas, e também a inquietude, a incapacidade de ver uma coisa que pode ser melhorada e não fazer nada”, diz a advogada Bárbara Rubim, de 23 anos, voluntária do Greenpeace. “Quando eu comecei o trabalho como voluntária tinha 16 anos e via as coisas de um jeito mais idealizado. Hoje, tenho uma visão mais consciente, o que me permite tomar atitudes mais objetivas”, afirma.

Nem todos os voluntários da ONG são idealistas, de acordo com Selva. “Tem desde o cara pragmático que quer algo objetivo e simples até o cara que quer mudar o mundo”, diz. Segundo ele, esse equilíbrio é essencial. “Se a comunidade for muito idealista, afasta os pragmáticos e a relação com o público. O público quer falar com quem vai explicar mudanças que são possíveis”, afirma.

Há muitos, que além do trabalho voluntário, exercem uma atividade profissional por obrigação e encaram a organização como parte de uma realização pessoal, segundo Estol, da Sea Shepherd. “O trabalho para essas pessoas é algo necessário para a sobrevivência, mas não é o que gostariam de fazer pelo resto da vida. Elas conseguem contrabalancear desejos e obrigações”, afirma.

Situações extremas

A filosofia de todas as organizações é de agir sem hostilidade, independentemente de quão extrema seja a situação enfrentada. “Nossos ativistas são treinados para nunca deixarem a postura de seriedade e pacifismo”, diz Selva, do Greenpeace. “Não apresentamos risco físico a ninguém. A filosofia é preservar as pessoas. O que acontece é que situação política e ambiental do país demanda que a gente responda de forma enérgica para propor mudanças”, afirma.

Segundo o diretor da Sea Shepherd, para evitar problemas, é necessário escolher bem quem participará das ações. “Costumo brincar que aqui é um ímã de malucos. Surgem pessoas com perfil mais agressivo e a gente nem coloca na linha de frente”, afirma. Segundo ele, hoje, a instituição não abalroa mais navios e não tem o intuito de afundá-los, mas apenas de danificar para que parem de caçar.

Vida dura

Nem todos aguentam levar a vida de um ativista. Segundo Selva, do Greenpeace, cerca de 30% das pessoas que os procuram para atuar não continuam. “Todos os nossos voluntários são ativistas e fazem muitos treinamentos para ir ao navio ou escalar um prédio. Alguns não querem ir para ações e fazem trabalhos maravilhosos de educação ambiental em escolas”, diz ele. “Às vezes, o cara acha mais efetivo dar palestras em escolas do que participar de uma manifestação contra uma grande empresa”, afirma.

Na Cruz Vermelha brasileira, apenas duas pessoas não conseguiram continuar com o voluntariado, segundo Aline. “Um homem em São Luís do Paraitinga, que não ficou até o final por estar muito abalado, e precisou de ajuda psicológica. A outra pessoa desistiu no simulado do Exército, porque achou que não tinha estrutura emocional”.

No caso da Sea Shepherd, o caso mais comum de desistência é justamente quando se desiludem por não estar todo dia dentro de um barco enfrentando uma aventura. “Eles acham que vão ser voluntários e já entrar em embarcações e sair atrás de caçadores de baleia, e desconhecem que existe uma organização por trás disso. Existem diversas tarefas burocráticas que precisamos resolver para nos mantermos”, afirma Estol. Segundo ele, independentemente da função que a pessoa ocupe em uma organização, ela pode contribuir para um mundo melhor. “As pessoas tem a capacidade de mudar as coisas em seu redor, basta que tenham iniciativa para fazer isso”, afirma.

Fonte: UOL