“China é uma potência solitária, sem grandes aliados”, diz especialista americano

O especialista em China da George Washington University, David Shambaugh
O especialista em China da George Washington University, David Shambaugh

PATRÍCIA CAMPO MELLO
DE SÃO PAULO

Um dos maiores especialistas do mundo em China, David Shambaugh, afirma que há um “hype exagerado” em relação à influência chinesa no mundo. “A China está superestimada, ela é apenas uma potência parcial, não é uma superpotência e nem será no médio prazo”, disse Shambaugh à Folha.

O especialista, que é diretor do programa sobre a China na Universidade George Washington, acaba lançar o livro “China Goes Global: the partial power”. Ele esteve no Brasil para uma palestra na Fundação iFHC. “A China não tem soft power, ninguém quer emular os chineses”, diz. “China é uma potência solitária, que não tem grandes aliados. Os únicos aliados são Camboja, Paquistão, Coreia do Norte e Rússia.”

Shambaugh acredita que o crescimento da China deve desacelerar para cerca de 5% em 2020.

Folha – O sr afirma que a China ainda é uma “potência parcial”. O que falta para a China se transformar em uma superpotência?

David Shambaugh – Economicamente, a coisa mais importante que a China precisa fazer para se tornar uma verdadeira superpotência é desenvolver inovação. A China não é uma sociedade inovadora, é uma sociedade da cópia, apesar de todo o investimento em pesquisa e desenvolvimento. A China já é uma potência comercial, em volume, mas os produtos que saem do país não são desenhados lá, são apenas montados lá. Se eles não se tornarem uma economia de inovação, como a Coreia e o Japão fizeram, ficarão presos na armadilha de país de renda média para sempre.

E militarmente?

A China precisa ser capaz de projetar poder globalmente, e atualmente eles só conseguem fazer isso em sua região. Eles não têm bases no exterior. Sua marinha é grande, e eles são muito poderosos na Ásia. Mas, por enquanto, só na Ásia.

Mas os Estados Unidos vêm cortando brutalmente seus gastos em defesa, isso não pode mudar a dinâmica no médio prazo?

Não. A diferença entre as forças chinesas e as americanas é enorme, e vai se manter assim. A vantagem tecnológica dos Estados Unidos é muito grande, vai demorar para eles serem alcançados. Outro problema é o soft power (poder de influenciar outros países por meios culturais ou ideológicos, sem força militar). Hoje em dia, os chineses têm muito pouco soft power, se tiverem algum.

E os Institutos Confúcio, não ajudam?

Os Institutos são bons para ensinar a língua chinesa e fazer com que as pessoas conheçam mais a cultura do país. Mas soft power não é isso. Soft power é fazer com que as pessoas queiram te emular, queiram ser como você, que o país funcione como um ímã que as pessoas querem imitar. E você não encontra muitos países ou pessoas querendo imitar a China, certamente não politicamente. E aí está o grande problema – o que realmente impede a China de se tornar uma superpotência é seu sistema político, esse é o calcanhar de Aquiles. Ninguém admira o sistema político chinês. E é um impedimento para a criatividade e inovação de seu povo.

Então o sr não concorda com a ideia de que eles podem ser uma superpotência e fortaleza econômica e continuar sendo uma autocracia?

Não. Se eles se transformarem em uma democracia de verdade, aumentam as chances de se tornarem uma superpotência. Porque dessa maneira os chineses seriam livres para criar e eles iriam ganhar mais confiança de outros países do mundo. Hoje em dia, as pessoas não confiam na China – no Ocidente, na Ásia e, de forma crescente, na África.

Recentemente o presidente do Banco Central da Nigéria escreveu, em um artigo no “Financial Times”, que a África não deveria ter ilusões em relação à China, “que contribui significativamente para a desindustrialização e subdesenvolvimento” do continente. A reação contra o suposto “imperialismo” chinês na África vem crescendo?

Sim. Se eles tivessem mais soft power, isso poderia compensar parcialmente essa imagem de país neocolonial. Na África, os chineses estão basicamente despejando produtos manufaturados nos mercados, imigrantes chineses estão roubando empregos de africanos, enquanto a China extrai minerais e petróleo. Isso tudo forma uma imagem muito ruim do país. E essa imagem ruim, de sua parte, anula o pouco de soft power que os chineses têm no continente.

Você é uma voz isolada, uma vez que a maioria dos sinólogos é bem mais entusiástica a respeito da ascensão da China. Você acha que há exageros sobre a China?

Com certeza, a China tem um “hype” exagerado. Este é o principal argumento do meu livro. A China está superestimada, ela é apenas uma potência parcial, não é uma superpotência e nem será no médio prazo. Outros livros exageram o caso da China de duas maneiras – alguns superestimam a influência que a China exerce, como a obra de Martin Jacques (“When China rules the world”). Outros, que são a maioria, exageram a ameaça que a China representa, dizendo que é uma potência em ascensão que vai se chocar com os EUA militar ou ideologicamente e pode haver um grande conflito. Essas duas imagens da China são exageradas.

O senhor acha que o fato de o modelo econômico chinês, baseado em exportações e grandes investimentos domésticos em infraestrutura, estar exaurido, vai levar o país a uma grande desaceleração no crescimento em breve?

Está claro que o modelo de crescimento da China se esgotou, e as autoridades chinesas sabem disso. Eles vêm discutindo a necessidade de mudar (aumentar o consumo doméstico), mas não conseguiram até agora. E não conseguiram porque há enorme resistência a isso, ainda mais quando se trata de um modelo que funcionou muito bem durante 30 anos. Todas as empresas estatais, que são intimamente ligadas ao partido comunista, são muito corruptas e não querem mudanças no modelo. Por que elas iriam voluntariamente abrir mão de seu poder só para um modelo de crescimento melhor para a população?

Mas você vê uma queda significativa na taxa de crescimento?

Bom, o primeiro problema é: quão confiáveis são as estatísticas chinesas? Há todo o tipo de distorções e muitos economistas dizem que a taxa de crescimento pode ser até dois pontos porcentuais inferior ao que é divulgado, em vez dos cerca de 8%, uns 6%. Mas fora esse problema, acho que a China conseguirá manter os 6%, 5% até 2020, 2025. Mas eu já vi estudos do Centro de desenvolvimento de Pesquisas do State Council Chinês que estimam o crescimento chinês caindo para 3% em 2025.

E o problema demográfico?

Esse é outro grande desafio. Mao Tse-tung, nos anos 50, disse às pessoas : se nós queremos ser uma grande potência, precisamos ter muita gente. Então houve um baby boom nessa época, e essa geração de baby boomers chineses está chegando à idade da aposentadoria agora. È um enorme contingente populacional se aposentando ao longo dos próximos dez anos, e o país tem um sistema de previdência e de saúde muito precários. E isso está diretamente ligado ao problema de como reequilibrar a economia. Sem uma “rede de segurança” de previdência e sistema de saúde, os chineses não vão aumentar seu consumo, vão continuar a ser um dos maiores poupadores do mundo, com taxa de poupança em cerca de 52%.

Quando a China ultrapassar os EUA em tamanho da economia, qual será o status global do país?

Provavelmente o mesmo que hoje em dia. Eu sou bastante cético. A não ser que eles façam mudanças radicais, vão continuar bem isolados. China é uma potência solitária, que não tem grandes aliados. Os únicos aliados são Camboja, Paquistão, Coreia do Norte e Rússia

Mas e os Brics?

Não tenho certeza de que os países dos Brics tenham os mesmos objetivos. Trata-se de uma organização em busca de uma identidade. Há divergências comerciais entre os membros. Entre a Índia e a China, há muitos problemas territoriais e militares. Rússia e China concordam em muitas questões, mas abaixo da superfície há uma grande desconfiança.

Fonte: Folha de São Paulo

8 Comentários

  1. “China é uma potência solitária, que não tem grandes aliados.”
    —————————–
    Semelhante a China, apesar da diferença de regimes e
    da aliança vencido/vencedor com o EUA… O Japão, 2ª potencia capitalista durante décadas (lugar ocupado agora pela China) também sempre foi uma “potencia fraca” em termos de soft power.

    A explicação pode estar na cultura sino-japonesa, onde o Japão é fortemente influenciado pela cultura chinesa….

    Este artigo de José Luis Fiori levanta esta questão das diferenças culturais, que se refletem nas maneiras diferentes de desenvolvimento, expansão e exercício do poder, que existem entre “ocidente” e China:

    http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6024

  2. Para confundir um pouco mais, diria que a China é do ponto de vista cultural, um estado que se enquadra perfeitamente bem em uma definição de conservadorismo (de direita ?).

    Assim como a maioria das sociedades ocidentais e capitalistas de consumo se enquadram em um revisionismo cultural (de esquerda?)…

  3. Japão fraco em Soft Power ?,na década de 80 uma banda chamada ALPHAVILE chegou ao topo das paradas americanas cantando uma música chamada Big Japan,fora os animes,culinaria,filmes,e o maior agente da influencia japonesa,Super Mario Bross.

    • Se for por estes parâmetros, então também a China é potencia em soft power , basta ver os sucesso do filmes chineses de Kung Fu nos anos 70 e 80 ….

      Mesmo hoje, a medicina tradicional chinesa é amplamente difundida em todo o planeta, bem como culinária e a prática de artes marciais chinesas.
      E Bruce Lee? Que apesar de sino-americano, sempre refletiu a cultura chinesa, com enorme sucesso…

      E agora Coreia do Sul, também tem um forte soft power por causa de Gangnam Style?

      Enfim, sem entrar no mérito da influência cultural, más pelo menos no texto deste post , o autor claramente se refere ao “soft power” no campo político, como um sistema político que outros países queiram emular:

      E os Institutos Confúcio, não ajudam?

      Os Institutos são bons para ensinar a língua chinesa e fazer com que as pessoas conheçam mais a cultura do país. Mas soft power não é isso. Soft power é fazer com que as pessoas queiram te emular, queiram ser como você, que o país funcione como um ímã que as pessoas querem imitar. E você não encontra muitos países ou pessoas querendo imitar a China, certamente não politicamente. E aí está o grande problema – o que realmente impede a China de se tornar uma superpotência é seu sistema político, esse é o calcanhar de Aquiles. Ninguém admira o sistema político chinês. E é um impedimento para a criatividade e inovação de seu povo.

      • Não entendi essa de japão sem soft power, já ouviu falar em SONY, Toyota , JVC ,Panasonic entre outras.São produtos que são sinônimo de qualidade e que todos desejam ter. Sem contar o culto em torno de Samurais e Ninjas que piraram a cabeça das pessoas nos anos 80.

  4. A China tem uma tradição de milênios de isolacionismo, e vai ser muito dificil quebra-la. Aliás isso é algo que bem sabemos, a dificuldade de quebrar o medo que temos do mercado e da política externa, de nos envolvermos em conflitos(não só no sentido de guerras, mas de conflitos diplomáticos). E a criação de uma cultura mais expansiva não é algo que se cria de uma hora pra outra, são necessários decadas de trabalho para mudar toda a mentalidade de um povo. Algo que a esquerda domina muito melhor que direita diga-se de passagem. Mas quebrar tradições tão arraigadas não é trabalho rápido ou fácil.

  5. Más eu discordo do autor, o tradicional sistema político chinês é uma burocracia baseada na meritocracia e seu exemplo pode sim dar importantes contribuições para o sistema democrático ocidental. O qual sofre muito com a corrupção, com a influência ilegítima de poderosos lóbis do grande capital (inclusive nos sistemas de mídia) e mandatários e funcionários eleitos ou não… despreparados pra suas funções.

  6. E ela precisa, pra quê, ter concorrentes, aliados como os americanos e europeus que eles conhecem de séculos!Saqueadores, usurpadores esse é o retrato da Europa civilizada para os Chineses!Macau, Hong Kong é prova disso!Os tempos mudaram, mas os homens e os povos continuam os mesmo, veja o exemplo das Malvinas do Iraque!Então é melhor ser potencia isolada do que o retrato que descortinamos, de países que não sabemos se são aliados ou concorrentes, veja o exemplo na disputa pela OMC, dos americanos que não reconhecem nosso direito ao acesso a ONU!Os países tem interesses e a condição de potencia assegura a China perfeitamente seus interesses no mundo!Não é a toa que estão comprando empresas mundo afora!

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