DELFIM NETTO ANALISA O FRACASSO DOS ECONOMISTAS

charge-perfil-psicologico-economistaDelfim Netto analisa “o fracasso da economia acadêmica”, e consequentemente, dos “economistas neoclássicos”, ou “economistas mainstream (corrente principal) pré-galileanos” 

A crise econômica global evidenciou as falhas da economia como ciência, na avaliação do ex-ministro da Fazenda Delfim Netto. Em artigo publicado ontem, 10/03/2009, no “Valor Econômico”, ele recorre a Galileu e a Aristóteles para criticar os economistas neoclássicos.

Estes, diz Delfim, gabavam-se do “aparente sucesso da sua teoria na explicação do mundo dos últimos 25 anos”. O que a turbulência internacional fez, afirma, foi desconstruir essa ilusão.

Delfim cita o artigo “A crise financeira e o fracasso sistêmico da economia acadêmica”, em que um grupo de economistas do mainstream reconhece as falhas do ofício.

“A profissão dos economistas parece ter ignorado a longa construção que terminou nesta crise financeira internacional e ter significativamente subestimado suas dimensões. (…) Fixamos as raízes desse fracasso na insistência em produzir modelos que ignoram elementos fundamentais que controlam os resultados no mundo dos mercados reais”, diz o trecho reproduzido pelo ex-ministro.

Isso exigiria uma reorientação da profissão, segundo ele, que sugere uma receita simples: retornar “à modesta e útil economia política”.

Leia abaixo:

Observação: O artigo em questão, de autoria do Professor Delfim Netto, foi publicado no Valor Economico, 3ª feira, 10/03/2009 via COFECON

O fracasso da economia acadêmica

Antonio Delfim Netto (*)

 

Em 1609, Galileu Galilei, (1564-1642) depois de ter aperfeiçoado um instrumento construído um pouco antes por óticos holandeses, produziu uma luneta que chamou de “Perspicillum”. Com ela deu origem a uma revolução na astronomia. Por isso, a União Astronômica Internacional e a Unesco elegeram 2009 como o Ano Internacional da Astronomia. Qual é a profunda importância de Galileu? A resposta é simples, como nos informa o ilustre prof. Antonio Augusto Passos Videira (revista “Ciência Hoje”, jan./fev./2009: 18): “Suas descobertas contribuíram para minar a primazia da concepção aristotélica do cosmo, baseada na beleza dos corpos celestes e na imutabilidade dos céus. Em longo prazo, suas ideias – sustentadas pela matemática, por medidas e por uma retórica afiada – ergueram uma visão do mundo na qual se buscavam leis para os fenômenos naturais”.

Mas qual a importância disso agora, há de perguntar-se, irritado, um daqueles economistas que se pensa portador da “verdadeira” ciência econômica? Eu também uso a matemática! A pequena diferença é que o seu “tipo” de conhecimento tem muito mais a ver com Aristóteles esteticamente matematizado do que com Galileu.

Em lugar de tentar entender como funciona o sistema econômico, tenta ensiná-lo como deveria funcionar em resposta à beleza dos seus axiomas…

Essa é uma crítica antiga, mas que a corrente majoritária dos economistas (que à falta de nome melhor chama-se a si mesma de neoclássica) recusava-se a considerar diante do aparente sucesso da sua teoria na “explicação” do mundo dos últimos 25 anos.

A cavalar crise financeira (em parte produzida pelos equívocos propagados pela própria “teoria”) desconstruiu essa ilusão.

Um grupo de oito importantes economistas (todos um pouco mais ou um pouco menos críticos, mas sem dúvida, competentes membros do “mainstream” e senhores da mais sofisticada matemática e econometria) acabam de publicar um trabalho, “A Crise Financeira e o Fracasso Sistêmico da Economia Acadêmica”

1. É um verdadeiro réquiem de corpo presente para a economia pré-galileliana, que foi dominante na última geração.

A síntese do artigo (em tradução livre) é a seguinte: “A profissão dos economistas parece ter ignorado a longa construção que terminou nesta crise financeira internacional e ter significativamente subestimado as suas dimensões quando ela começou a manifestar-se.

Na nossa opinião, essa falta de entendimento foi devida à má alocação dos recursos de pesquisa na economia.

Fixamos as raízes profundas desse fracasso na insistência da profissão em produzir modelos que – por construção – ignoram elementos fundamentais que controlam os resultados no mundo dos mercados reais.

A profissão falhou, lamentavelmente, na comunicação ao público das limitações e fraquezas e, mesmo, dosperigos que caracterizam os modelos de sua preferência.

Esse estado de coisas deixa claro a necessidade de uma fundamental reorientação das pesquisas que devem ser feitas pelos economistas e, também, do estabelecimento de um código de comportamento ético, que exija deles o conhecimento e a comunicação (para o público) das limitações e dos maus usos potenciais possíveis de seus modelos”.

O final do trabalho é ainda mais preocupante: “Acreditamos que a teoria econômica caiu numa armadilha de um equilíbrio subótimo, no qual o grosso do esforço de pesquisa não foi dirigido para as mais angustiantes necessidades das sociedade.

Paradoxalmente, um efeito retroativo, que se autorreforça dentro da profissão, levou à dominância de um paradigma que tem base metodológica pouco sólida e cuja performance empírica é, para dizer o menos, apenas modesta.

Pondo de lado os mais prementes problemas da moderna economia e fracassando na comunicação das limitações e das hipóteses contidas nos seus modelos mais populares, a profissão dos economistas tem certa responsabilidade na produção da crise atual.

Ela falhou na sua relação com asociedade. Não produziu tanto conhecimento quanto seria possível sobre o comportamento da economia e não a alertou dos riscos implícitos nas inovações que criava. Além do mais, relutou em enfatizar as limitações da sua análise.

Acreditamos que o seu fracasso em sequer antecipar os problemas gerados pela crise do sistema financeiro e a sua incapacidade de prover qualquer sinal antecipado dos eventos que iriam se passar exigem uma reorientação fundamental dessas áreas e uma reconsideração de suas premissas básicas”.

Trata-se de um trágico “requiescat in pace”, não para a teoria econômica, mas para o “mainstream” pré-galileliano, que se apropriou dela com imensa irresponsabilidade.

Podemos voltar agora à modesta e útil economia política?

1 Os autores são David Colander, Katarina Inlesuis, Alan Kirman e outros

(*) Antonio Delfim Netto, é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

Fonte: O Globo, Economia, Página 21, 4ª feira, 11/03/2009 via Ministério da Fazenda 

Leia também:

 

ECONOMIA VERSUS POLÍTICA

 

E Delfim dá uma aula em Goldfajn

Ex-ministro ensina ao economista-chefe do Itaú que “a política monetária não é independente das consequências sociais”

Enquanto Ilan Goldfajn pede, no Estado de S. Paulo, mais juros e recessão para combater a inflação, o ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, recomenda, no Valor Econômico, mais cautela.

Leia abaixo:

Economia versus política

Por Antonio Delfim Netto (*)

Nossa política econômica enfrenta um dilema extremamente sério. Deve elevar, ou não, a taxa de juros real para gerar algum desemprego e, assim, reduzir a perturbadora taxa de inflação, que teima em namorar com o limite superior da meta inflacionária? Por um lado, é claro que se trata de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda globais, que poderia ser minorado pela redução da demanda pública. Por outro, não é menos claro que, ainda que estejamos com um baixo grau de desemprego, a economia está crescendo muito pouco e abaixo da sua capacidade.

Isso fala a favor de uma estagnação da produtividade total dos fatores, produzida pelo aparentemente passageiro choque de oferta da agricultura, pelo evidente problema estrutural do mercado de trabalho, pela mudança induzida pela taxa de câmbio no comportamento dos setores industrial e de serviços e pela visível deterioração da infraestrutura que há três décadas esteve abandonada.

Ainda que a relação empírica entre taxa de desemprego e a taxa de inflação seja pouco precisa ela é, em geral, negativa. Isso sugere que a resposta da demanda global e da oferta global ao aumento da taxa de juros real seria no sentido de reduzir as duas, produzindo menor taxa de inflação, menor PIB e maior desemprego.

A política monetária não é independente das consequências sociais

Devido à complexidade do nosso problema inflacionário, à visível volatilidade da economia mundial, à esperança de que o choque de oferta da agricultura seja corrigido pelo menos em parte pela nova safra e diante do enorme custo social da medida, é compreensível a atitude de cautela da autoridade monetária. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não pode e não deve apressar-se, mas deve estar preparado para implementá-la. É preciso lembrar que a redução permanente da taxa de inflação no Brasil para limites civilizados está longe de poder ser resolvida apenas pela manipulação da taxa Selic. Exige uma ação coordenada de todo o governo e o suporte de toda a sociedade na redução dos benefícios ilegítimos de que se apropriaram amplos grupos dos setores público e privado.

Estamos vivenciando um problema antigo, que põe em confronto a economia, ou seja, medidas econômicas razoavelmente apoiadas em construções teóricas e pesquisas empíricas, e os problemas do seu custo social, de que cuida a política no sentido geral. Isso se deve ao fato de que a economia é uma disciplina que esconde suas incertezas com letras gregas e apresenta rigor matemático, mas que, no fim e ao cabo, continuam incertezas…

Quando contratamos um competente engenheiro para projetar uma ponte com um dado coeficiente de ignorância, sabemos que ela vai dar conta de sua função despachando o tráfego estimado. O processo termina com sucesso, sem que seja necessário consultar o cimento, a areia, o ferro que conformaram a ponte. Quando a sociedade entrega a política monetária ao mais competente de seus economistas, cujo domínio sobre a disciplina é indisputado, o problema é mais complexo.

As regularidades econômicas não são invariantes no tempo como as leis da física (seu mundo não é ergódico). e os objetos de sua ação não são ponto sem dimensão num espaço topológico. São indivíduos que aprendem, protestam, reagem e no fim, votam! A ponte é uma obra morta e segura. A política monetária é um jogo vivo, dinâmico e sujeito às fraquezas de ambos os atores. Isso sugere que ela não é, e nem pode ser, independente das suas consequências sociais, que são objeto da política em geral e, nos regimes democráticos, da urna, em particular…

Como é evidente, nem a solução proposta por assessores econômicos, que aviam as receitas sem consideração dos seus custos sociais, defendida por economistas que se supõem portadores de uma “ciência monetária”, nem as propostas “sociais” sustentadas por mal disfarçada ideologia, que ignoram as relações econômicas (por mais imperfeitas que sejam), podem levar à construção de uma sociedade civilizada e eficiente.

Essa questão acaba de receber a contribuição de dois brilhantes economistas. Eles estão construindo uma compreensão mais abrangente do desenvolvimento econômico e social, incorporando à economia a história, a geografia, a antropologia, a sociologia, a psicologia e a política, em modelos simples e quantificáveis. O último artigo da dupla Daron Acemoglu-James Robinson (“Economics versus Politics: Pitfalls of Policy Advice”, Fev., 2013) é rigorosamente imperdível.

O objeto do artigo pode ser resumido na proposição que “a análise econômica deve identificar, teórica e empiricamente, as condições sobre as quais a política e a economia entram em conflito e, então, avaliar as ações da política econômica levando em conta tal conflito, junto com as potenciais reações às quais ela levará”.

Como em todos os seus trabalhos, os argumentos são sofisticados e logicamente construídos. Mostram que nem sempre, apesar de ser consenso entre os economistas, “a redução ou remoção das falhas e distorções do mercado deve ser recomendada”. Como argumentam no artigo, “essa conclusão é muitas vezes incorreta, porque ignora a política”… e… “reformas econômicas executadas sem um amplo entendimento das suas consequências, em lugar de promover a eficiência, podem reduzi-la significantemente”.

Não deixem de ler a convincente análise do papel dos sindicatos (que os economistas consideram uma “falha de mercado” e combatem) na construção do processo democrático.

Bom apetite!

(*) Antonio Delfim Netto,  é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

Fonte: brasil 247, 3ª feira, 02/04/2013 

9 Comentários

  1. Ele tá falando por experiencia própria, chefe da economia da ditadura, amargou longos anos de combate a inflaçao sem contanto lograr sucesso!E claro que com toda essa experiencia ele concluiu que a teoria academicista precisa considerar as variaveis sempre desconsiderada na equação economica, o ser humano! Instavel, imprevisivel e inconformados, que, sempre buscarão outros meios além daqueles conceitos dogmaticos fechados que limitam quase sempre a vida de bilhões mundo afora!Os nosso governantes que se cuidem, há uma revoluçao silenciosa a caminho que, logo… logo, vai mudar a realidade politica e economica do Brasil, mostrando que eles são dispensaveis, como sempre foram!

  2. DELFIM ,VOCES ESTAO DE BRINCADEIRA COM A GENTE um cara que já foi ministro da economia não fez nada não conseguiu melhorar nada ,hoje em dia da entrevistas como se fosse um xamã ,como se fosse o mais sábio dos sábios ,então porque na época dele ele foi ridículo esses economistas parece mais aqueles comentaristas de futebol que ficam em cima do muro e que não reconhece nem uma bola quando estão do lado dela

  3. Delfim Netto falou certo em navio quem manda é o Almirante politica econômica no brasil são divida em 3 Dilma,Fazenda.BC cada um usando um formula.Quando na época de lula era Fazenda,BC dado os passos juntos , depois Dilma chutou Meirelles só por que o cara fala verdade acabou o positivismos de Mantega e pragmatismo Meirelles até no final a globo que batia em Meirelles reconheceu perdeu um bom presidente do Banco Central ele era pragmático mais tinha um de seus pilares o social.

  4. O texto Crise Economica e Fracasso dos Economistas universitarios ja e velho. Quase 5 anos. Creio que os autores que criticam o fracasso dos economista em prever a crise sao eles mesmos professores de economica em Universidade. A diferenca e que sao seguidores de Keynes, na minha opiniao. Posso estar errado. Criticam os economistas que predominam nao so no poder politico economico quanto nos Departamentos Universitarios das Faculdade de Economia. Isto e criticam os descedentes da chamada Escola Neo Classica de Economica Politica. A meu ver, como leigo, nao sou especialista no assunto, muita gente havia escrito sobre a crise que estava se aproximando. E nao falo dos marxistas, como Nick Beans, Dick Bryan, Tony Norfield, David Yaffe. Falo de gente da escola Austriaca, como o laureadado Nobel de Economia Antal Fekete. o pessoal que escreve para o Financial Sense, Prudent Bear, Weekly Money e outros. Todo esse pessoal haviam escrito do perigo de crise numa economia baseada na expansao do credito.. A meu ver a unica revelacao para min foi o Keynesianismo do proprio Delfim que quando era ministro da fazenda, pos em pratica uma politica na base de emprestimos, que resultou na grande crise financeira do Brasil na decada de 1980. Nunca tinha pensado no assunto. Julgava-o um monetarista, como foi seu antecessor Roberto Campos. Mas estava errado. Produto de minha ignorancia intelectual.O que e ironico, se nao tragico, e que sua politica economica, expansao do credito, nao foi abandonada pelos politicos que passaram controlar o poder no Brasil depois que os militares retiraram para os quarteis. Lula teve sorte. A expansao chinesa lhe ajudou. Mas com China sendo forcado restrigir importacao por causa da crise economica, creio o proximo presidente da republica nao tera a mesma sorte.

  5. Não direi que ele (Delfim) está errado. Mas, porque será que demorou tanto tempo para aprender?
    Alguém lembra-se da sua célebre frase: “É preciso deixar o bolo crescer, para somente depois repartir”?
    Pois, acredito ter sido essa filosofia um dos fatos históricos que agravou a nossa injusta distribuição de renda.
    Pagamos até hoje. Alguém perde até hoje. E os mesmos ganham até hoje.
    Abraços.

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